Hoje eu penso que dispensar a figura do presidente da República é inviável, qualquer reforma teria que mantê-lo, de alguma forma. Uma porque já está no imaginário popular a ideia de que democracia é eleger o chefe de Estado, após 130 anos de República e uma redemocratização capitaneada pelas Diretas Já. E em segundo, há uma desconfiança do brasileiro em relação ao jogo parlamentar, desconfiança que não é de todo injustificada.
Frente a isso, a melhor opção seria um semipresidencialismo como Portugal e na França, em que convivem tanto um presidente quanto um primeiro-ministro. Mas, em continuidade com nossa experiência republicana, acho que teria que ser dado um poder maior ao presidente, uma evolução natural do presidencialismo de coalização que hoje acontece. Por exemplo, conjecturando: restringir o poder do Parlamento em demitir o primeiro-ministro, permitindo a demissão só a partir do segundo ano, se há maioria qualificada, ou do terceiro ano, se há maioria simples. Quer dizer, não haveria a rigidez do presidencialismo, em que o governo só é derrubado com um impeachment (que requer crime de responsabilidade), mas não teria a maleabilidade um tanto quanto exagerada, para o contexto brasileiro, do puro parlamentarismo, ou mesmo do semipresidencialismo português...
Um mecanismo interessante para forçar o bom acordo entre Parlamento e presidente é as eleições legislativas serem feitas apenas no segundo turno das eleições presidenciais, quando o candidato ao Legislativo teria, então, que dar seu apoio a um dos dois candidatos. Dessa forma, no primeiro ano, o presidente teria um apoio tácito do Parlamento, com respeito à escolha de seu primeiro-ministro e à condução de seu governo.
O que também vai na linha do parlamentarismo "às avessas" do Império, em que o primeiro-ministro respondia primeiramente ao chefe de Estado, e só num segundo momento prestava contas ao Parlamento e poderia ser derrubado por este. Trata-se de um aspecto peculiar do modelo de então, que hoje só poderia ser posto em prática com um Chefe de Estado eletivo, pois parece difícil conceber, na atualidade, um monarca com essas prerrogativas. Assim como o imperador cedeu, em 1847, o Poder Executivo à figura do presidente do gabinete, é possível que, se a monarquia tivesse continuado, ele pudesse ceder o Poder Moderador, ou parte dele, a um outro civil, que seria uma figura similar ao presidente da República em um semipresidencialismo.
A figura do imperador poderia ser mantida, com funções simbólicas (que não deixam de ser importantes), mas também poderia reter certos poderes emergenciais para si, como convocar novas eleições em tempos de crise, quando o presidente e o Parlamento, em conjunto, parecessem travados e/ou descolados do apoio popular (crises como do mensalão, protestos como do Chile, etc). De qualquer forma, se a dissolução do parlamento no semipresidencialismo europeu é rara (cinco vezes na França desde 1958, sete vezes em Portugal desde 1976),
[1][2] essa dissolução dupla por parte do monarca, em um tipo mais brasileiro de semipresidencialismo (mais próximo tanto do Segundo Reinado quanto da Nova República, como conjecturo no post), seria ainda mais rara.
Outro poder que poderia permanecer com o monarca seria a possibilidade de demitir o presidente, a pedido do Parlamento, e retomar para si, momentaneamente, o Poder Moderador. Isto é, em outras palavras, o imperador atuaria como um eterno vice-presidente (e a presidência, lembrando, não reteria para si a chefia do governo, que estaria ao cargo do primeiro-ministro). Afinal, convenhamos, a legitimidade dos vice-presidentes atuais quando assumem o poder é baixa, ninguém vota conscientemente em vice-presidente... De novo, provavelmente esse poder raramente seria usado, antes disso o presidente se dobraria ao Parlamento, apontando um primeiro-ministro que teria seu voto de confiança...
Aliás, D. Pedro II chegou a cogitar um caminho desse tipo, antes da Proclamação - isto é, "proclamar" a República dentro do contexto da constituição de 1824... O que teria uma solução excelente, pois teria sido mantido a mesma estrutura constitucional, o respeito continuado às leis, e teria permanecido a conexão com os elementos fundadores da nação, que são base para uma espécie de religião civil
[3] crucial para coesão psicológica e social do país, que existia até então e que hoje falta aos brasileiros. Daí a importância da monarquia. O enfraquecimento dessa dita religiosidade, arrisco dizer, é o que possibilita tanto o desrespeito brasileiro pela coisa pública, quanto os períodos ditatoriais, e de golpes e contragolpes, que o país sofreu.