Não vou conseguir ver tudo agora, mas vou responder o último parágrafo. Acho que sim, há na literatura uma emergência de assuntos que parecem mais levantar bandeira do que se preocuparem com a técnica. Por exemplo, Hilda Hilst e Amara Moira, duas autoras que li nos últimos dias e que tratam do mesmo assunto. A primeira com certeza ganha em técnica e sofisticação. No entanto, sabemos que a Amara não tem uma casa do sol nem está cercada de arte, mas de piroca (dá pra falar isso aqui?), e pra sobreviver. O que talvez ela (e tantas outras vozes que têm emergido na nossa literatura, que não são das camadas mais privilegiadas) precisam é de leitores e de crítica, que diga o que melhorar. O próprio Machado passou por um processo de amadurecimento. Além disso, essas obras salvaguardam histórias novas que dizem respeito à nossa sociedade.
Dá também pra usar o argumento de que não se sabe a técnica que será considerada a melhor futuramente. Os modernistas certamente chocaram por causa da linguagem simples. Ou ainda podem ser obras que, com uma crítica, sejam aprimoradas e tenhamos grandes nomes entre esses que consideramos hoje voltados apenas para militância. Não dá pra saber. Só nos resta esperar.
Você fallou em choque. (Como que eu posso dizer isso?!) Flaubert com Madame Bovary, Monet com o impressionismo, Stravinsky com A Sagração da Primavera; o que ha de commum entre elles todos é que todos elles chocaram a França. E a maior parte das vanguardas do seculo XX, e de tudo o que é dellas herança, paresceu investir demais nisso, no choque. O que eu me pergunto às vezes é se o "choque" não virou como que selo de legitimidade artistica, ou mesmo de imunidade critica. Pergunto-me e temo perguntar, porque não sei se, quando por acaso repudio alguma "atrocidade" contemporanea, estou repudiando um novo Flaubert, um novo Monet, Stravinsky, ou se é tudo uma grande porcaria sim e acabou... Esta ultima conclusão é frequente. Acontece a mesma coisa com o hermetismo: se nelle, você não pode desgostar da arte porque não a entende, na arte que te choca, você não pode fallar mal porque é conservador. O diffcil é distinguir quando a gente o é mesmo e quando é só migué de artista ordinario.
Um ou outro, o meu ceticismo sempre falla mais alto. E ainda que gritasse, bons nomes não me escapam (eu creo e espero); o Glauco Mattoso é um exemplo de alguem que escandaliza ao mesmo tempo que deleita; é um Stravinsky obsceno. Deixo dois sonnettos do Glauco, que é cego e foi quem, alias, me enviou o diccionario guia, por elle mesmo escripto, desta orthographia:
#34 INSOMNE [1999]
Ser cego é como estar numa prisão.
Ficar cego é peor, paresce o susto
de quem foi livre e soffre o golpe injusto,
levado para o hospicio estando são.
O sonho é colorido, pois estão
bem vivas na memoria, a muito custo,
imagens dum recente e ja vetusto
passado de prazer e perversão.
Nenhum ouvido escuta meu appello.
Accordo e lembro em panico que o sonho
foi falso: a realidade é o pesadello.
Só volto a addormescer quando componho
sonnettos sobre o pé. Gozo ao lambel-o
e agora o escuro não é tão medonho.
#17 SADICO (I) [1999]
Legal é ver politico morrendo
de cancer, quer na prostata ou no recto,
e, p'ra que meu prazer seja completo,
tendo um tumor na lingua como addendo.
Si for ministro, então, não me arrependo
de ser-lhe muito mais que um desaffecto,
rogar-lhe morte egual à que um insecto
na mão da molecada vae soffrendo.
Mas o melhor de tudo é o presidente
ser desmoralizado na risada
por quem faz poesia como a gente.
Elle nos fode a cada cannetada,
mas eu, usando só o poder da mente,
espeto-lhe o loló com minha espada!
** Posts duplicados combinados **
Anyway, como hoje li o resto do capitulo que é, resumindo, mais ou menos o que ja disse numa mensagem anterior, deixo aqui um trecho muito interessante (grifos meus):
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Equally important is the point, stressed even by those ancient writers who believed prose to be superior to verse, that rhythmical organization has meaning only with reference to a literary context in which meter is practiced. Meters are specific types of the more general quality of rhythm, and one cannot do much in the way of discussing general rhythmical effects except against the backdrop of the more particular structure of meter. Interestingly enough, Eliot makes this point with reference to free verse when he says that “the ghost of some simple metre should lurk behind the arras in even the ‘freest’ verse: to advance menacingly as we doze, and withdraw as we rouse’’ ( TCC, 187). The problem is that the poet may draw his sword and with the cry of “How now? A rat? Dead for a ducat, dead!’’ make a pass through the arras, and finish off meter once and for all.
This is in fact what has happened with much verse since the triumph of the modern revolution. Many poets cease to “withdraw’’ meter. They appear simply to ignore the question of poetic structure entirely.
There is a related development that must be mentioned. When the experimentalists abandoned meter in hopes of emulating qualities of prose fiction, they did so, as we have seen, in response to a particular literary situation. Poetry had fallen on hard times; the novel was flourishing. Maybe the experiment of writing poetry without meter had to be tried. What has since happened, however, is this: many poets, following the modernists’ procedures, yet remote from the context ot the modernists’ revolt, have taken the view that
if one tries to work in meter and has trouble expressing what one wants to express, one should as a matter of course turn to tree verse, rather than trying patiently to improve and broaden one’s skills in conventional versification.
An example of this attitude is provided by one of the most influential poets of the second half of this century, Robert Lowell. Though he wrote his early verse in meter, he became dissatisfied with it because, as he says in an interview in the Paris Review in the sixties, “I couldn’t get any experience into tight metrical forms. ... I felt that the meter plastered difficulties and mannerisms on what I was trying to say to such an extent that it terribly hampered me.” This feeling was related to another feeling, namely, that “Prose is in many ways better off than poetry. . . . On the whole prose is less cut off from life than poetry is.” Lowell remarks that he attempted for a time to write in prose but “I found it got awfully tedious working out transitions and putting in things that didn’t seem very important but were necessary to the prose continuity.”
Faced with these problems, Lowell moved into free verse and into what he terms “breaking forms.”
One appreciates Lowell’s feeling. At the same time, one cannot help imagining Homer telling the Chios Quarterly, “When I began the Iliad, I had this crazy notion that I would write it in hexameters. Can you believe that? Well, I soon learned that there was no way I was going to fit the passions of Achilles and Hector into those rigid six-feet lines. The only thing to do, I realized, was to break down my forms.” Dionysius says ( 20) of Homer’s composition, “
This is the practice of Homer, that surpassing genius, although he has but one metre and few rhythms. Within these limits, nevertheless, he is continually producing new effects and artistic refinements, so that actually to see the incidents taking place would give no advantage over our having them thus described.” One could apply similar tribute to Dante or Shakespeare or Emily Dickinson or almost any excellent poet. We admire them in part because they write distinctively and vitally in meter.
There is a related issue. Lowell may well feel, as he says in his interview, “It’s quite hard to think of a young poet who has the vitality, say, of Salinger or Saul Bellow. Yet, in making this statement, Lowell might have recalled that Salinger’s and Bellow’s fictions move and entertain us partly because Salinger and Bellow were willing to undertake the “awfully tedious working out of transitions and putting in things that didn t seem very important but were necessary to the prose continuity.” An unfortunate aspect of Lowell s attitude is that it entails dispensing with something of great value—poetic meter—without securing in return the discipline of prose fiction.
It leaves poetry awkwardly between verse and prose; offering the poet the challenges of neither art, and the reader the appeals of neither. And thisis not the end that Ford, Pound, and Eliot had in mind when they initially insisted that poetry should become more like the novel.
Urging that Wordsworth’s emphasis on “real language” required qualification, Coleridge observed in the eighteenth chapter of his Biographia Literaria that it is one thing for a poet to employ words drawn from common language.
It is another matter to suggest that poets should write in the haphazard manner that people use in conversation. One might make a comparable observation about the modernists’ interest in prose fiction. It is one thing to say that poets should, if they wish, try to incorporate features of the novel into verse. It is another matter to say that, to do this, they should write in the loose rhythms of prose.'
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Este ultimo paragrapho, em especial, diz muito sobre o que fallava do linguajar commum ter sido levado ao extremo do incomprehensivel.