O que é "As Cartas de J.R.R. Tolkien"?
O professor de LÃngua e Literatura Inglesa, J.R.R. Tolkien recebeu e trocou centenas de cartas ao longo de sua vida. Perto de seu aniversário de 80 anos, escreveu para um repórter: “Devo pedir-lhe que acredite que cartas (de qualquer tamanho) para um homem isolado são como pão para um prisioneiro morrendo de fome em uma torre¹”. Se a correção de provas, a composição de suas histórias, o professorado, lhe ocupavam tempo, a escrita de cartas também o faziam – e ele gostava disto.
São 354 cartas reunidas no livro, que vão desde o ano de 1914 até 1973. São escritas para a famÃlia, os editores, amigos, fãs, crÃticos, repórteres, entre outros. Nelas, Tolkien esclarece dúvidas de vários leitores em relação às obras: origens dos nomes, inspirações, fatos intrigantes… conversa com seus editores sobre o processo de composição de suas obras, como elas andam, sobre traduções que começavam a serem feitas na época. Mas também há o lado pessoal, do seu dia-a-dia com a famÃlia, de suas histórias da infância, das várias cartas que ele trocava com Christopher – só para citar alguns fatos. Há até uma carta que Tolkien trocou com um homem chamado Sam Gamgee!
As Cartas de J.R.R. Tolkien é sem dúvida um prato bem cheio para o fã que deseja saber muito mais sobre a vida e obra deste magnÃfico professor-escritor. Um Ãndice (em espanhol) escrito por Helios De Rosario de todas as cartas pode ser lido em um artigo da Sociedad Tolkien Española, aqui.
Nota:
¹ – Carta nº 330, para William Cater.
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INFORMAÇÕES TÉCNICAS
Número de Páginas: 471
Autor: J.R.R. Tolkien
Organização de: Humphrey Carpenter
Com assistência de: Christopher Tolkien
Editora: Arte & Letra
Fonte: Bookman Old Style
Tradutor: Gabriel Oliva Brum
Folhas: Brancas
Tamanho: 23 x 16 cm
Preço sugerido: R$ 39,90
A questão da Capa:
Lançar uma obra tão grandiosa como as Cartas requer muito trabalho e pode-se afirmar com certeza que criar a capa é um dos mais importantes. A capa de um livro influenciará na primeira impressão de consumidor, além de ser um atrativo natural para os futuros leitores.
Para a versão brasileira desta obra de Tolkien, a primeira capa a ser elaborada foi bem simples, branca, com alguns detalhes na borda lembrando uma carta internacional e poucos enfeites adicionais. Assim como ela, a segunda versão, já um pouco mais elaborada, tinha o selo colorido, e melhor distribuido os nomes do organizador e assistente.
Esta última versão foi apresentada ao público na Hobbitcon e também no fórum Valinor, mas sofreu fortes crÃticas e foi descartada. Até uma versão envelhecida foi elaborada. É importante ressaltar a nobre atitude da editora Arte & Letra, que consultou o fandom para tomar essa decisão tão importante e, mais do que isso, ouviu realmente a opinião dos seus consumidores.
Por fim, a editora preparou uma verdadeira obra de arte, de qual definitivamente não há o que reclamar. Com elaboração de Rafael Silveira, em tons marrons, com as letras em dourado (que não descascam), certas partes com relevo, e uma espécie de granulado que pode ser sentida ao passar os dedos, a versão final e definitiva da capa d’As Cartas de J.R.R. Tolkien conquistou os fãs brasileiros.
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Entrevistas
Desde o anúncio da tradução, no final de fevereiro de 2005, a Heren Quentaron veio conversando ao longo dos meses diversos assuntos com os dois principais envolvidos neste trabalho: o editor Thiago Marés, e o tradutor Gabriel Oliva Brum. Você acompanha aqui, com exclusividade, todo o processo de produção do livro. As frases em itálico são perguntas do grupo.
Heren Quentaron (HQ): Como surgiu a idéia de trazer as Letters para o Brasil?
Thiago: A idéia foi uma iniciativa da Arte & Letra, minha; durante o processo do Curso de Quenya vi que era possÃvel trazer outros livros. Conversando com o Deriel [Fábio Bettega] a idéia ganhou força e aos poucos saiu do papel.
Gabriel: Bom, a idéia de certo modo foi estimulada pelo sucesso do livro do Curso de Quenya: se um livro que abrange uma parte menos "popular" da Obra de Tolkien tem esse retorno, o que dirá de um que trate das partes mais populares da obra, como as Cartas.
Era meio que o caminho natural das publicações. O livro de Quenya foi uma espécie de teste de mercado.
HQ: Depois disso, o primeiro processo tomado foi a negociação. Conte-nos um pouco.
Thiago: Eu e o Deriel c
onversamos vários vezes de como seria possÃvel fazer isso, e ficou claro que o livro mais interessante seria o Letters. Fomos atrás dos direitos de tradução e demorou um bom tempo até eu conseguir chegar na Harper. Foram algumas meses de negociação e finalmente o contrato foi fechado.
HQ: Houve alguma certa resistência da Harper Collins[a editora inglesa]?
Thiago: Não, foi tudo tranqüilo. Sempre se mostraram muito receptivos.
HQ: (Do material para tradução)
Thiago: A Harper envia um exemplar do livro a ser traduzido e o trabalho é feito a partir deste exemplar. Como o Gabriel tinha o livro, não foi necessário enviar para ele.
HQ para Gabriel: O que você disse quando o Thiago te procurou para a tradução?
Gabriel: Acho que disse simplesmente: “é claro!!”
Imagina se eu ia negar, né?
HQ: O que você sentiu quando começou a traduzir a primeira carta, no primeiro dia de tradução.
Gabriel: Bem, vou ter que dizer aquele clichê de “foi um sonho se realizando”, porque foi mesmo. Havia algum tempo que eu pensava o quanto queria traduzir algum livro tolkieniano, e o Letters estava no topo da lista. Quando o Thiago me perguntou o que eu achava de traduzi-lo… bom, meu sorriso mal cabia no rosto.
HQ: Você tinha um dicionário sempre em mãos?
Gabriel: Sim, dicionário é o item mais básico pra isso. Tenho três dicionários inglês-port-inglês, sendo que um deles é o melhor no mercado, um da Michaelis, gigante. Tenho também dois ing-ing, um Oxford Compact (ainda não posso ter o Oxford completo, de 20 volumes… "barato" que só) e um da Random House… um monstro de mais de 260.000 verbetes. É ótimo.
Mas fiz várias consultas na internet também, quando os dicionários impressos não bastavam ou quando havia termos que precisavam de contexto.
HQ: Você usou o Guia de Nomes e outro material a mais de consulta?
Gabriel: Usei o Guide to the Names to LotR, sim. Assim como a lista de nomes usada nas edições da MF [Martins Fontes], compilada pelo Ronald Kyrmse. Procurei seguir as traduções da MF quando eu concordava com elas para manter um padrão, mas mudei algumas coisas também.
HQ: Thiago nos falou a respeito, como o “Farmer Giles of Ham”, que vocês colocarão uma nota. Já foi interpretado como “fazendeiro” aliás (Pela Livraria Martins Fontes Editora, foi traduzido como Mestre Gil de Ham).
Gabriel: Sim, usei “Lavrador”; é a melhor tradução pra “farmer” nesse sentido, não "fazendeiro" que implica outras coisas que o Giles não tinha.
HQ: (Sobre o estilo de escrita do Professor e a fidelidade na hora da tradução)
Gabriel: Ah, o estilo varia de carta pra carta, o pior é isso. Tem hora que ele era BEM sucinto, outras escrevia "tratados". Mas me refiro principalmente às inversões sintáticas dentro da frase, coisa que ele faz nas próprias obras.
Mas há coisas que tive que mudar também. Se bem que por uma questão de manejo da própria lÃngua. Coisas como em inglês se ter duas frases, separadas por um ponto final, mas que em português soariam incrivelmente estranhas e que no lugar do ponto usarÃamos uma vÃrgula. Isso eu mudei, claro, para dar fluidez no texto e não altera em absolutamente nada o sentido. Continua tudo lá.
Só que ao invés de um ponto, há uma vÃrgula e a união das frases. Coisa básica de se em certas traduções.
Faço o possÃvel para que isso seja mantido na tradução, inclusive o estilo de escrita do professor.
HQ para Thiago: Mais do que uma realização para os fãs de Tolkien que a editora está fazendo, é também uma realização pessoal de sua parte. Qual o seu sentimento?
Thiago: Acho que é uma grande realização, para a Editora e para mim. É um excelente livro, de um fantástico escritor, e confesso que me dá grande satisfação saber que fui um dos responsáveis por trazer o livro para o Brasil.
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Sobre o Guia de Nomes – e mais entrevista!
O tradutor conversou conosco sobre o surgimento do Guide to the Names in the Lord of the Rings [“Guia para os Nomes em O Senhor dos Anéis”], um texto onde há recomendações do professor para os tradutores.
Gabriel: O nome é aquele mesmo: Guide to the Names in The Lord of the Rings é um guia de tradução que o próprio Tolkien usou para ajudar os tradutores depois das inúmeras dores de cabeça que ele teve com algumas traduções do SdA, principalmente a sueca. Ele meteu o pau no tradutor sueco.
HQ: O que o coitado fez? Tem isso nas cartas?
Gabriel: Além de traduzir mal várias coisas, inventar outras, inclusive sobre a própria vida do Tolkien? Nada.
E sim, isso é relatado nas Cartas
Esse tradutor inventou de fazer uma Introdução na edição sueca do SdA [Senhor dos Anéis] com várias coisas biográficas do Tolkien. O problema é que estava praticamente tudo errado, tirado da cabeça do tradutor. Tolkien rebate cada um dos pontos em uma das cartas bem zangado.
Carta 229.
É nessa carta que Tolkien faz aquele comentário sobre o Um Anel e o Anel dos Nibelungos. O tradutor sueco tinha dito que havia similaridades entre os dois e Tolkien disse que ambos eram redondos, e a similaridade parava aÃ.
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As 10 cartas favoritas do tradutor Gabriel
Perguntamos para o tradudor quais são as suas 10 cartas favoritas. "Embora seja bem difÃcil escolher exatamente as melhores", como ele disse, aà estão elas: sobre o que elas tratam e os motivos que levaram Gabriel à gostar delas.
Carta 5: Planos de Tolkien para o TCBS à luz da morte de um deles, Rob Gilson.
Gabriel: "São reminiscências de Tolkien das reuniões que o grupo tinha e particularmente de uma das últimas que tiveram em Londres, se não me engano. É particularmente comovente justamente por mostrar como alguns sonhos e planos são destroçados pela guerra enquanto que essa mesma guerra acaba se tornando uma influência para outras metas e projetos."
Carta 30: carta a uma editor
a alemã que pedia que Tolkien declarasse se ele era "ariano" ou não, na qual ele se nega a fazer isso.
Gabriel: "Ela é importante pois ajuda a rebater aquelas acusações infundadas de que Tolkien era racista. Ele responde à editora de modo direto e contundente, e simplesmente não há como restar dúvidas quanto à posição dele com relação a ‘questões raciais’."
Carta 43: carta ao filho Michael sobre o casamento e a relação entre os sexos
Gabriel: "É importante justamente porque é a carta que melhor mostra as opiniões de Tolkien sobre o casamento, relacionamentos entre homens e mulheres, essas coisas."
Carta 131: carta a Milton Waldman, editor da Harper Collins, com uma explicação de várias questões do Silmarillion e do SdA e de como as duas obras estavam intimamente relacionadas.
Gabriel: "Esse é basicamente um ‘resumão’ do Silmarillion para o editor em questão, além de algumas informações extras sobre determinados tópicos, em especial os que envolvem Eru e imortalidade/mortalidade de seus Filhos.
Mesmo que talvez possa não trazer coisas muito novas para quem já leu o livro, é interessante ver como Tolkien explicava ‘o que a história é’."
Carta 153: questões sobre imortalidade, religião na Obra e sobre Tom Bombadil.
Gabriel: "É respondendo a uma pergunta de se TB era o Deus Único. Tolkien diz que não é.
Ele explica o modo como Tom é apresentado no livro e como é explicado (pelas palavras de Fruta D’ouro, não dele, Tolkien, como comentarista)."
HQ: E porque vc gostou da carta?
Gabriel: "Pela quantidade de informações sobre as questões que mencionei. É bem esclarecedora"
Carta 210: crÃtica ferrenha de Tolkien a várias partes de um roteiro para um possÃvel filme do SdA
Gabriel: "Essa chega a ser hilária em vários pontos, pois a irritação de Tolkien com as mudanças esdrúxulas é mais do que evidente. Os trechos do roteiro que ele menciona para criticá-los logo em seguida dão uma idéia da monstruosidade que sairia dali… Disney ao extremo.
Ah, detalhe que é roteiro para um desenho de longa metragem, não um filme com pessoas reais."
Carta 214: detalhamento de vários costumes dos Hobbits até então inéditos
Gabriel: "[Essa eu mencionei na palestra também] É realmente uma enxurrada de informações inéditas sobre os Hobbits: costumes matrimoniais, de aniversário, liderança familiar, além de uma ou outra história ‘pitoresca’, como a de Lália, a Grande, carinhosamente chamada de ‘a Gorda’."
Carta 246: resposta detalhada aos comentários de uma leitora sobre o fracasso de Frodo no final do das
Gabriel: "Sim, explica bem o efeito que o Anel exercia sobre as pessoas, com alguns exemplos de personagens, particularmente o Frodo, é claro, e como ele fez o que podia dentro de suas capacidades e do que havia se disposto a fazer. Simplesmente não dá para culpá-lo pelo que aconteceu nas Sammath Naur… era inevitável devido ao curso dos eventos."
Carta 250: carta ao filho Michael sobre questões de fé e da falha desta.
Gabriel: "A carta mostra a opinião de Tolkien sobre algumas questões do estado atual (= 1963) da Igreja e da fé católica em geral, principalmente em eventuais ‘faltas de fé’ que podem acometer os fiéis.
Como o aspecto religioso sempre foi uma das principais influências na vida de Tolkien e na sua obra, essa carta é de extremo interesse."
Carta 297: questões lingüÃsticas relacionadas com a explicação de vários nomes, como "Legolas", "Rohan", "Moria", "Nazgûl"
Gabriel: "Essa é um prato cheio para os entusiastas da área. Mesmo que a maioria das informações já tenham sido apresentadas e explicadas em outros lugares, como em jornais lingüÃsticos como o Vinyar Tengwar e site como o Ardalambion, é sempre bom ler algo a respeito vindo da própria mão do Professor. Ele explica o porquê de alguns personagens terem os nomes que têm, o signicado desses nomes e a aplicação destes no contexto das obras."
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Curiosidades:
No dia 8 de Agosto de 2005 “as primeiras 50 cartas foram entregues e começou o trabalho de revisão” como disse o editor.
Foram produzidos 3 mil exemplares para a editora Arte & Letra nesta 1ª edição.
A primeira resenha oficial da edição brasileira foi escrita pelo jornalista Reinaldo "Imrahil" Lopes, e pode ser lida aqui.
Veja a euforia dos fãs ao ser divulgado a tradução, em primeiro mão na Valinor.
Pelo que se sabe, este interessante livro foi lançado apenas em 4 paÃses. Nos Estados Unidos, pela editora Houghton Mifflin, na Inglaterra pela Harper Collins (a editora original), na Espanha pelas Edições Minotauro, e claro no Brasil pela Arte & Letra.
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