Essa é minha tentativa de dar uma interpretação sobre cada uma das grandes questões de Lost.
IMPORTANTE: Tudo aqui é MINHA interpretação da série. E ao que consta, fiquei muito feliz que uma de minhas séries preferidas me deu um fim críptico, misterioso e aberto a interpretações (exatamente como a série sempre foi). Tinha muito medo de não gostar do final; achava que estragariam tudo com algo mais focado nos mistérios inexplicáveis da realidade peculiar da série do que na melhor coisa dela: os personagens. Tive uma grata surpresa.
Assim que Jack fechou os olhos pela última vez, fiquei meio pasmo – muitas dúvidas, tudo muito rápido, muita informação pra digerir de vez. Mas as questões continuaram girando na minha cabeça, as conexões (muitas vezes óbvias, é verdade) continuaram sendo feitas.
No fim das contas, a verdade é que eu considero um fim perfeito para a obra prima que é Lost. Na minha opinião, claro – como todas as respostas a seguir.
• O que é a ilha?
A ilha é onde fica a “luz”. Então a pergunta é: o que é a “luz”? Isso é fácil, respondido na própria série: é a fonte de toda a vida. Segundo Jacob, tem um pouco da luz dentro de cada pessoa – isso, na minha interpretação, é uma alegoria para o que se convencionou chamar de “alma”. Sendo a localização da luz, a ilha tem propriedades bem peculiares, que incluem características de cura, ressureição, imortalidade, distorção do eixo espaço/tempo etc, além dela ser um “hub” de energia eletromagnética. Claro, essa fonte de vida não pode ser deixada à toa, sem um guardião. O que nos leva à próxima pergunta…
• Quem são Jacob e o “Homem de Preto”?
Irmãos, ambos nasceram humanos, mas foram “adotados” por uma personagem sem nome, chamada apenas de “Mãe”. A “Mãe” era a divindade guardiã da luz. Antes dela, provavelmente existiram inúmeros outros guardiões, sempre passando adiante a função de proteger a ilha quando sua hora chegava. Essa é uma discussão bem ampla, e tentar adivinhar quem foi o guardião original é o mesmo que discutir quem criou o universo. A Mãe adotou Jacob e seu irmão para achar um “sucessor”, quando a hora dela se licenciar de sua função finalmente chegasse. Circunstâncias mostradas no episódio “Across the Sea” levaram a Jacob ser o escolhido, herdando a função da mãe e se tornando efetivamente uma divindade. O “Homem de Preto”, ao ser preterido, se tornou uma espécie de “sub-divindade”, com poderes sobrehumanos e imortalidade (ambos dados a ele pela própria Mãe), mas sem o papel de “árbitro” dado a Jacob. Quem quer simplificar, pode dizer que Jacob ocupou a função do que se convencionou chamar de “Deus”. Note-se que essa versão de “Deus” não significa bondade absoluta ou mesmo onipotência. O próprio episódio “Across the Sea” nos mostrou que essa noção maniqueísta de “bem e mal” não se aplica a Lost. Da mesma maneira, Jacob não parece ser onipotente. Ele tem o poder de arquitetar diversas coisas (como a queda do avião, por exemplo), mas não parece ter capacidade de mudar todos os detalhes (existiam pessoas no avião que não precisavam necessariamente estar na ilha).
• Por que o “Homem de Preto” não podia deixar a ilha?
O “Homem de Preto” optou pelo livre arbítrio, renegando a função preparada pra ele pela Mãe e escolhendo conhecer o mundo além-mar. Porém, sua mãe havia feito dele o seu candidato preferido a ocupar a função de guardião, e por isso não permitiu sua saída da ilha (mais uma vez, uma demonstração de um Deus imperfeito). Uma vez que Jacob herdou o posto de guardião, ele teve atitudes que fizeram seu irmão morrer (vejam, por exemplo, os corpos do Homem de Preto e da Mãe, que viraram o “Adão e Eva” mencionado por Locke). Porém, uma parte dele sobreviveu – o rancor e o sentimento de vingança que ele sentia no momento de sua morte. Assim, nasceu a “fumaça negra”, é uma a personificação dos sentimentos ruins. Sendo originária do “Homem de Preto”, ela mantinha o desejo de deixar a ilha. Porém, são óbvias as implicações de se ter uma personificação dos sentimentos ruins andando livremente pela Terra. Para ele sair da ilha, a “luz” teria que ser destruída, o que provavelmente destruiria a vida e a realidade como a conhecemos.
• Por que o avião caiu na ilha?
Essa também foi respondida com todas as palavras na série. Jacob, como “árbitro”, os trouxe até a ilha para escolher entre eles o seu sucessor. O próprio Jacob explicou, no penúltimo episódio (”What They Died For”) a razão por ter escolhido aquelas pessoas específicas – todas elas eram solitárias de alguma maneira, como ele próprio, e precisavam de um sentido maior em suas vidas.
• O que eram os números?
Jacob tinha uma lista com os nomes de todos os seus possíveis sucessores. Porém, conhecendo o erro da Mãe em escolher ela própria um sucessor, Jacob escolheu deixar o livre arbítrio atuar. Vários nomes foram sendo riscados da lista ao longo do tempo, porque o próprio livre arbítrio dos donos desses nomes os levavam a outros caminhos. Os seis números eram os números atribuídos aos seis últimos candidatos na lista de Jacob – Jack, Sawyer, Kate, Locke, Hurley e “Kwon” (não se sabe se era Jin ou Sun). Alguns desses foram riscados depois – Locke porque morreu; Kate porque virou mãe, e assim deixou de ser uma pessoa solitária. Porém, como o próprio Jacob esclareceu, bastava Kate escolher por livre arbítrio ocupar a função para que ela fosse novamente uma candidata. A lista era um “guia”, e não um livro de regras propriamente dito.
• O que era a “realidade paralela”?
Mais um tópico explicado com todas as letras na série. resposta curta: é o purgatório. Resposta longa: basicamente, é algo que aconteceu muitos anos no futuro, quando todos já estavam mortos. É uma realidade criada coletivamente pelas mentes de todos que estavam na igreja, para que eles pudessem se reencontrar e seguir em frente. No universo da série, só se consegue “seguir em frente” e deixar o “purgatório” juntamente com as pessoas que estiveram presentes nos momentos mais importantes de sua vida. No caso dos que estavam na “igreja”, esse momento era o que aconteceu, muitos anos antes, na ilha. Juntos, puderam seguir em frente. importante notar também que é por isso que personagens randômicos dos 6 anos de série subitamente apareciam na realidade paralela. Eram personagens que tinham a ver com todas as mentes que criaram aquela realidade.
• Então, por que Michael, Ana Lucía e outros não estavam presentes? E porque Ben não entrou na igreja?
Todos esses personagens não seguiram em frente pelo mesmo motivo: ainda tinham assuntos pendentes. Todos cometeram atos cruéis em vida, e ainda não tinham conseguido a redenção por esses atos. Resumindo, eles ainda têm tempo a pagar no “purgatório”. Como disse Desmond, “ainda não estavam prontos”.
• E Daniel Faraday, porque não entrou na Igreja? E Miles? Charlotte?
Porque esses personagens não fizeram parte da maioria dos momentos que levaram aquelas pessoas a estarem juntas na igreja. Eles provavelmente tinham outra “igreja” pra ir, se encontrar (inclusive com Lapidus, talvez), “lembrar e seguir em frente”.
• Por que Desmond conseguia viajar no tempo?
Desmond tinha uma caracteristica peculiar: ele era resistente à energia eletromagnética. No universo da série, esse tipo de energia é o que controla o eixo temporal. Por ser aparentemente um bolso de energia eletromagnética (daí a sua resistência à mesma), Desmond conseguia ter espasmos de viagem no tempo. Porém, como ele mesmo disse inúmeras vezes, “o que está feito, está feito”, o que significa que ele não pode alterar nada no eixo temporal. Isso inclusive ocasionou o melhor episódio da série pra mim, “The Constant”.
• O que isso tem a ver com a capacidade de Desmond em descer até a “luz”?
A resistência à energia eletromagnética fez de Desmond uma peça-chave nos planos dos dois irmãos, porque só alguém com esse tipo de resistência poderia descer até a luz sem ser morto. O “Homem de Preto” precisava de Desmond para descer até a luz e apagá-la pra sempre. Jacob precisava dele para apagá-la por um momento, para que o Homem de Preto perdesse sua imortalidade e pudesse ser finalmente morto (no caso, por Kate e Jack). Feito isso, Jacob precisava de alguém para se sacrificar, voltando até a luz apagada para reacendê-la. Esse mártir veio a ser Jack.
• Por que Desmond conseguia ver a “realidade paralela”?
Isso é nada mais do que algo que Desmond fez a série inteira: ele tinha visões do futuro. Porém, ele não entendia exatamente o que era aquela outra realidade e, como os telespectadores, acreditava se tratar de uma realidade paralela, para onde ele podia levar todos ali. Ironicamente, Desmond achava que, descendo até a “luz”, ele acharia o caminho até essa outra realidade. Ele realmente achou, mas não da maneira que esperava.
• E as pessoas que só existem na realidade paralela? Exemplo: filho de Jack?
O filho de Jack, pra mim, simboliza um desejo que ele nunca pôde realizar. E olha só quem era a mãe: Juliet. Que também nunca pode realizar esse desejo. E que teve um pequeno início de relação com Jack, que também jamais pôde florescer. Coincidência?
• E Walt? CADÊ WALT?
Sinceramente, nunca entendi essa obsessão com esse personagem. Ele era um pirralho paranormal, que foi à ilha com seu pai, mas saiu muito antes de todos os outros, nunca participou dos eventos verdadeiramente grandes na ilha, e teve uma vida inteira pela frente, com seus próprios grandes momentos. Jamais foi de grande importância para a mitologia da série. O que, exatamente, resta de mistério com relação a ele?
• Tá, e o que a realidade paralela tem a ver com a ilha?
Parece que tudo o que aconteceu na ilha em seis anos de série, no fim das contas, não serviu pra nada.?Essa é mais uma questão que eu não entendo. As pessoas, por alguma razão, se sentiram lesadas pelo fato de que a realidade paralela acontecia, na verdade, em um futuro muito distante. A sua única ligação direta com a ilha era a memória dos seus participantes. Isso, pra mim, é ter TUDO a ver com a ilha. A ilha é o centro da vida de todas as pessoas que estavam dentro da igreja. Tudo o que aconteceu na ilha, em seis anos de série, serviu para que aqueles personagens tivessem participado de eventos cataclísmicos juntos, desvendando mistérios sobre a própria natureza de tudo que existe. Esse elo fortíssimo entre os personagens é o que levou a cena final, onde todos têm que se reencontrar. Se não fosse o que aconteceu na ilha, a “realidade paralela” jamais precisaria acontecer.
• OK, mas eu esperava que as realidades fossem se intercalar de alguma maneira (tirando Desmond, que sempre pôde ver o futuro mesmo).
Justamente. Eu também. E foi isso que me deixou boquiaberto ao perceber que não era bem assim. Um plot twist. Os roteiristas levam você por um caminho, para no fim jogar uma revelação que muda tudo. Um dos utensílios mais comuns na arte de se contar uma história. Nada de novo aqui.
• Pelo menos o final poderia não ter sido tão feliz.?Última cena: Jack, vendo o avião se salvar com seus amigos (e o seu amor), fechando os ollhos e finalmente morrendo. Nós, telespectadores, sabendo que ele não vai poder ter uma vida ao lado de Kate, que só vai reencontrar todo mundo ali em muitos, muitos anos. Rapaz, se isso é final feliz, eu não sei o que é fim triste.
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Percebam que tudo o que eu escrevi aqui tem uma ligação muito nítida: os personagens. A ilha, os mistérios, a origem da vida – tudo isso sempre foi um pano de fundo fantástico para o real ponto forte da série, que é a história pessoal de cada um ali, e como elas se intercalam.
Foi muito gratificante descobrir a resposta pra cada mistério. Porém, mais gratificante foi ver como Jack, originalmente um mártir covarde, fraco e adepto da ciência, se manteve um mártir, mas se tornou corajoso, forte e deu pelo menos um pouco de crédito à fé. Ou como Locke, mesmo com todas as mudanças na sua vida, sempre foi enganado e subestimado em toda a sua vida, até mesmo quando ele imaginava ser realmente especial. Ou como Charlie, originalmente o rockstar presunçoso e cheio de si, demonstrou ser uma pessoa de coração bom e morreu pra salvar a mulher que amava. Ou Richard Alpert, aparentemente um imortal frio e calculista, foi revelado como um sobrevivente de história tristíssima. Não vou nem entrar no mérito das inúmeras redenções de Sayid, ex-torturador do exército iraquiano, ao longo da série.
E o que dizer de meu personagem preferido, Desmond Hume? Pra mim, a verdadeira epopéia que ele sofreu para conseguir estar ao lado de Penny, amor de sua vida, é muito mais significativa e importante do que qualquer explicação que pudessem dar sobre sua resistência ao eletromagnetismo, suas viagens no tempo, e qualquer outro detalhe que tenha a ver com os grandes mistérios da série.
Desenvolvimento dos personagens > explicação detalhada de mistérios sobrenaturais.
Isso é o que eu acho. Fico feliz que Calton e Damon pensaram, aparentemente, da mesma maneira, e conseguiram dessa maneira me dar uma série que provavelmente é a melhor que eu já vi
E como tudo em Lost é aberto a interpretação… qualquer um, claro, tem todo o direito de discordar.