Apesar de eu me considerar até liberal em termos de livre mercado, tem setores que não dá.
Transportes é um deles. Não dá pra ficar pensando em lucros com transporte público. Não dá pra pensar 1 minuto sequer se economicamente vale a pena que o onibus/metro vá ou não vá praquele ponto ali longe pois só vão arrecadar de umas duas duzias de pessoas.
Não.
Tem que ir até a porra das 2 duzias de pessoas. Mesmo que a linha fique deficitaria, pois certamente outras linhas lucrativas vão cobri-la.
Não dá pra ficar pensando em não gastar pra colocar ar condicionado em onibus no verão do Rio pois isso vai diminuir margem de lucro. Não. Não tem que ter lucro mesmo.
E na Europa, apesar de muitos serem privado/publico, o raciocinio passa um pouco por esse lado.
Eles vendem cartões diários, semanais ou mensais. Só tem o motorista pra checar se as pessoas possuem os cartões, e muitas vezes ele não checa. Só que pouco importa porque os que pagam são suficientes pra manter o sistema funcionando com boa qualidade. Se algum momento tem um surto enorme de gente não pagando e eles detectam isso em um mês que entrou pouco dinheiro e o sistema ficou deficitario no geral, no mês seguinte eles espalham alguns fiscais, falam pro motorista cobrar mais fortemente e recuperam o fluxo normal com as multas recolhidas e o retorno da compra dos cartões pelo receio que as pessoas passam a ter de serem pegas nos meses seguintes.
Fim. Sem complicações.
A venda de cartões temporais é uma das coisas que mais diminui a questão do "Schwarzfahren" (termo alemão que significa viajar sem pagar, ou literalmente "viajar no escuro"). No Brasil então, onde existe o questão do vale transporte, ficaria mais fácil ainda, já que todo empregador pagaria os cartões mensais para os empregados.
Mas a questão da lucratividade é que não dá para "internalizar as externalidades" da mobilidade urbana de forma completa. Cidade, e principalmente cidade grande, é uma coisa complexa. Tão complexa que nem o mercado consegue resolver, afinal de contas, não necessariamente um organismo complexo dá conta do outro, e talvez esse seja o problema do livre mercado também na questão ambiental. Neste sentido, pode ser até benéfico "esclerosar" um pouco o organismo urbano para torná-lo mais governável.
O transporte público pode não dar retorno para o seu operador direto, mas o faz para a cidade. Se a rede de metrô, pelo menos durante os fins de semana, funciona de madrugada, a vida noturna sai ganhando. Da mesma forma, se o transporte é eficiente, o tempo médio dos deslocamentos cai e a sua previsibilidade aumenta. Isso é bom para o trabalhador, que tem opções de trabalho mais numerosas, já que seu raio de deslocamentos viáveis aumentou, e para os empregadores, que também podem recrutar mão-de-obra num raio maior. O mesmo vale, é claro, para estudantes e escolas/faculdades, para consumidores e comerciantes e por aí vai. E isso é um impacto econômico que talvez possa ser mensurado em algum trabalho acadêmico.
Mesmo quando o cara mora numa região onde não é viável, para o prestador do serviço, colocar busão ou metrô à disposição, ainda há prejuízo para a cidade se ele não estiver interligado, pelos mesmos mecanismos que eu expus. Fora o ganho em qualidade de vida, que não é algo mensurável.
Alguém acha que Nova York, Londres, Tóquio, Berlim, Seul seriam as cidades que são sem seu transporte eficiente? É evidente que o dinheiro do subsídio retorna para o caso destas, e muito.
Por outro lado, este tipo de pensamento não pode ser um "cheque em branco" para a cidade onerar seu orçamento excessivamente, prejudicando a prestação de outros serviços essenciais. É por isso que eu sou a favor de mecanismos para "racionalizar" a economia da mobilidade urbana, e o mais razoável de que eu ouvi falar até hoje é o pedágio urbano. A rua foi feita com dinheiro público. Se você quer ocupar um espação nela com uma perua, então pague para isso. Isso reduz ou até elimina o subsídio para o transporte individual. Como mais gente vai migrar para o transporte público, a lucratividade deste aumenta, e o subsídio para este cai também. Enfim.
Mas eu concordo em gênero, número e grau com você. Mobilidade urbana em massa não pode ser privado, sequer concedido. Isso ao menos idealmente, no Brasil atual, eu não sei se funciona. Mas o que eu posso dizer é que a rede de transportes em Berlim pioraria pra caralho se a administração dela, que é de uma empresa pública, fosse concedida para a iniciativa privada. Porque daí ia começar o cabo de guerra de interesses, a cidade querendo beneficiar o cidadão e as empresas buscando o lucro.