Independe de ser bitolado ou não... Você como "quase fã" deve ter tomado um porre de Ciro Gomes, inclusive dos possíveis podres, ninguém vai ter uma informação privilegiada a ponto de te tirar desse estado de quase-fanzice.
Na verdade, não. 90% do que acessei foi de entrevistas e palestras do próprio Ciro, e me admirei em como o discurso dele se aproxima da minha visão em vários aspectos. E a minha pesquisa foi muito pontual: verifiquei que de fato ele passou por vários cargos do Executivo e não localizei denúncias de corrupção contra ele. De resto, simplesmente acreditei na fala dele. Então vou agradecer se descobrir por vocês que ele mente ou se contradiz.
Tudo isso é o mínimo que um candidato a presidente não deve ter né? Se em nossas eleições muitas vezes somos obrigados a votar em candidatos que não passem nesses critérios, isso é um demérito do candidato e uma infelicidade da nossa situação política. Um outro critério que deveria estar aí é "ter uma visão errônea ou simplória dos fenômenos sociais", ou trocando em miúdos, ter um discurso ruim ou meia-boca.
O modo como eu listei foi uma forma de destacar as qualidades que aparentemente ele tem e me levariam a, até aqui, confiar o voto nele (e olha, acho que muitos candidatos da última eleição seriam desclassificados):
- Muitos anos de vida pública e nenhum indício contundente de corrupção (Aécio não passaria neste teste);
- Sem aliança com personagens da política que sabidamente são enfiados na lama (Dilma não passaria neste teste);
- Experiência com vários cargos administrativos sem que se tenha conhecimento de alguma incompetência notável (ói Dilma perdendo de novo);
- Sem deslumbramento por ideias de extrema-esquerda ou extrema-direita (Luciano Genro e os pastores, fora);
- Discurso pró-distribuição de renda e outras bandeiras de esquerda (aqui já entra uma preferência pessoal minha);
- (Aparente) coerência e firmeza no discurso e práticas que não destoam (Marina balançaria neste quesito).
Mas vamos lá. Você propôs discutir as ideias de Ciro Gomes. Mas só citou uma ideia clara apresentada por ele*. Pelo que vi a seu respeito, ele é um Olavo de Carvalho no debate político: com retórica e posições firmes discorre sobre vários assuntos, o que passa uma forte impressão. Entretanto, primeiramente, assim com o Olavo, em seu discurso ele sempre quer se colocar como o único que presta, equidistante de todos os demais que cometem vários tipos de erros. Por isso seu pedido de "indícios de extremismo ideológico" é impossível, Ciro não pode ser extremo em nada (antes fosse!), pois ele em seus acertos é equidistante de todos que cometem ora um erro, ora outro. Ele não faz parte de um grupo de pessoas com ideias bem definidas, ele é seu próprio grupo, é um candidato a salvador da pátria. Talvez seja por isso que não pare em um partido.
Em segundo lugar, fora de sua área de especialidade, a economia (e olhe lá! não boto minha mão no fogo) suas posições são rasas e não resistem a uma análise mais cuidadosa fora do contexto do discurso falado - já viu algum bom escrito do Ciro? Afinal a linguagem escrita é a linguagem ideal para aprofundar e solidificar o que é falado vocalmente. Ele tem livros, não é um Lula, mas é óbvio que seu talento é no discurso falado e suas "grandes ideias" não resistem a uma sistematização e análise rigorosas, ao debate puramente intelectual longe das câmeras. E isso no caso do Ciro é tanto bastante necessário quanto mais difícil de fazer , pois suas ideias não estão contidas em um sistema coerente de pensamento fechado e defendido por uma tradição de políticos e pensadores, mas sim em impressões soltas do próprio Ciro (e decerto restringidas sob a condição de contorno de serem convenientes para ele do ponto de vista político). Nesse sentido ele é parecido com Enéas - para além de sua figura bastante extravagante, Enéas também tinha um discurso bastante forte que atraia muitos direitistas, mas os seus escritos sobre suas propostas eram simplórios e as ideias puras, separadas da figura do Enéas, decerto eram incapazes convencer alguém com mínimo de ceticismo, mesmo se simpatizasse com o nacionalismo meio Estado Novo do Enéas. Mesmo com ideias ruins pelo menos as ideias de Enéas vieram antes, a estratégia depois. Também isso ocorre na maioria dos bons políticos e ativistas. Não vejo isso no Ciro.
Haran, para essa crítica fazer sentido, você teria que me trazer alguma fala de Ciro em que não fica claro qual é o posicionamento dele, ou duas falas que se contradissessem, ou alguma crítica que não faça sentido no plano fático. Eu tenho assistido bastantes entrevistas dele, e enxergo muitas opiniões polêmicas, passíveis de rebate, mas não essa obscuridade que você vê. Eu precisaria de algum exemplo.
Mas o que eu quero dizer ao ver com bons olhos o fato de não ser filiado a uma ideologia de "extremos" é que eu, pessoalmente, não concordo com nenhuma delas. Pelo que pude tirar da fala dele e do histórico de partidos e governos, ele tem uma tendência de centro-esquerda, pró-empresariado, pró-capitalismo, mas com o protagonismo mantido nas causas sociais. Sem o discurso lunático que muitas vezes se ouve do PCdoB e do PSOL e sem os absurdos proferidos por PP, PRB e cia.
Btw, o cúmulo são aquelas reflexões dele sobre "perda de identidade cultural", que ele tenta passar como se fosse uma grande iluminação pessoal a respeito do assunto, no fundo é quase uma conversa de primeiro anista tomando breja.
Aí é divergência filosófica. Mas veja, é uma teoria coerente com a defesa que ele faz insistentemente das instituições nacionais e da necessidade de determinado protecionismo por parte dos Estados de menor poderio econômico. Você pode discordar da tese, mas é como eu falei: a defesa que ele faz disso é bem clara. Por outro lado (e por isso eu não gosto de filiados aos extremos), uma das características do período em que ele foi Ministro da Fazenda foram medidas liberais que, dizem, circunstancialmente fizeram bem ao país. Eu não acredito que para tomar ações eficazes você deva necessariamente seguir uma cartilha ideológica.
*O posicionamento dele sobre impeachment. Eu sou a favor do impeachment, então para mim isso é um ponto negativo dele. Agora ok, digamos que eu fosse contra o impeachment... ainda assim não veria nesse argumento um grande mérito do Ciro. Pois tá mais do que óbvio que esse argumento é algo extremamente estratégico e conveniente para ele. Poderíamos ter até previsto a sua posição de antemão, se tivéssemos parado para pensar e lançar uma previsão sobre ela...
Você cita que ele foi contra o impeachment do FHC e isso daria a ele credibilidade. Temos que investigar essa postura por outras fontes que não o próprio Ciro. Ele está falando a verdade? Deve estar... Mas aposto que essa posição foi algo de pouca importância, algo automático e inercial, talvez expresso só nas ocasiões onde ele fosse obrigado a expressar-se (votações, entrevistas, etc), ou seja, nada tão longe do básico. Mas aqui ele relembra agora quase como se um grande marco da vida política dele, justamente para construir uma narrativa em torno de sua posição atual sobre o impeachment. Ora, alguém se lembrava dessa sua posição da época antes dele apresentar essa narrativa?
Bom, ele diz que deu entrevista, foi às ruas e publicou artigo contra. Não fui verificar, mas acho que seus adversários já teriam desmascarado se fosse mentira. Mas não tenha dúvida de que ele usar esse tema na militância, hoje, é uma estratégia. Não precisa achar que não existe propósito além da consciência republicana (que, se aconteceu, só pode ter sido a razão à época), mas há que se admitir que existe coerência.
Esse tipo de coisa é muito comum no discurso dele. Lembro no
outro tópico (prequel desse seu tópico do Ciro), sobre a discussão dele com Rodrigo Constantino, você disse que Ciro "não questionou a ideia dos cortes - pelo contrário, afirmou-se favorável, tendo inclusive posto em prática enquanto gestor". Mesmo tipo de jogo argumentativo. Ele cita algo de sua biografia - algo sobre o qual ele não é fonte confiável - e de quebra eleva a sua figura (perante os interlocutores e perante a audiência). Esse tipo de frase não deve ser levada a sério como um argumento de plausibilidade para o que quer que ele tenha interesse defender, não ao menos quando ele cita algo de sua biografia que é esperado ou soe natural que o fizesse. Se ele fosse um deputado petista na época e ainda assim fosse contra o impeachment, contrariando o partido, aí sim seria digno de nota.
Não entendo, Haran. Você diz: "as despesas públicas devem ser reduzidas". Eu pergunto: "onde?". Você "Ah, devem ser reduzidas". Eu: "sou a favor, mas não é assim 'tem que reduzir'. Eu reduzi, mas sabia o que estava fazendo. Você vai reduzir a deus-dará e assumir a responsabilidade?".
Ciro Gomes, claro, aproveitou a discussão para se enaltecer, mas o argumento fez todo o sentido para destacar que ele não está questionando reduzir os gastos - TANTO que ele próprio reduziu -, mas sim essa ideia truísta de que é fácil e só não fazem por preguiça.
Por fim:
"[Ciro] justifica que a maioria das trocas foram decorrência de decisões dos partidos que iam de encontro com seus princípios". Você comprou essa? Tem que investigar quais situações foram essas e que princípios foram esses, essa mera frase não deve justificar o comportamento partidário bastante anormal do Ciro. Ouvi falar que a mudança do PPS se deu porque o PPS rompeu com o governo do PT e ele não quis entregar o cargo. Isso parece uma questão de princípio para você? Para mim parece ou interesse em cargo, ou sendo bastante bonzinho, no mínimo discordância política simples.
Eu acho que a primeira troca, do PDS para o PMDB, pode até ter sido por princípio. As outras foram circunstanciais: PSDB ele foi fundador; PPS foi para lançar candidatura própria; PSB pode bem ter sido o que você falou. Princípio nenhum, mas, porra, se fosse pra manter um trabalho em que estou envolvido eu também mudaria para outro de mesma linha; PROS eu ouvi falar de alguma discordância com a cúpula do partido, que acho que começou quando ele não foi o indicado à candidatura; PDT foi, imagino, para se candidatar em 2018 por um partido forte.
De qualquer forma, quando aceitei a possibilidade de "mudança por princípio" eu tinha em mente a saída dele do governo Lula quando começou o fisiologismo, na verdade não foi nem mudança de partido.
Problema nisso tudo aí: provavelmente se desentende demais e tá pouco f***** pra partido. O que ameniza um pouco: nunca houve uma mudança do tipo PCB->DEM. E quando as pessoas dizem "já foi de N partidos!", muitas vezes querem insinuar que ele é um político sem ideias próprias, capaz de se transformar conforme o momento. Se é que os partidos realmente têm alguma ideologia, ele se manteve razoavelmente na mesma.
Se eu sou liberal e encontro um político liberal de meu interesse, sendo quase fã, não vou convidar o Felagund para discorrer sobre ele, pois ele é distante de mim no espectro político. Ele só acrescentaria se fosse um demérito muito óbvio do político, mas se fosse algo tão óbvio eu já teria sabido antes.
Haran, aqui eu discordo radicalmente. Eu acho discutir política com aqueles que têm a mesma linha de pensamento que eu uma perda de tempo quase tão grande quanto discutir com os extremistas que não estão dispostos a discutir. Gosto de entrar em discussões políticas com você, o Grimnir, o Calib, etc, que podem trazer pontos de vista que eu nunca tive.