Sobre isso, poderíamos inverter a lógica. Está cheio de direitoso por aí que chama a tudo e a todos de comunista (incluso o PSDB, o Serra e a puta que pariu), convictos de que um tal marxismo cultural é o câncer da modernidade e que apenas um restrito grupo (eles próprios), portadores da moral e dos bons costumes, resistem, acossados por todos os lados. Uma nova direita adolescente que por não se ver representada na direita que aí está, nega a existência de tendências desse espectro no país.
Como apontaram acima, o espectro político é mesmo complexo e heterogêneo tanto no campo da direita como na esquerda. Postulados teóricos de ambos os lados respondem de maneiras diversas a variáveis como "trabalho", "capital" e "propriedade privada", conformando uma miríade de arcabouços teóricos que pendem para um ou outro lado. Mas na real, não acho exagero chamar algumas das atitudes a que assistimos durante os eventos correntes de fascistas.
[Pagz e Bruce, vocês reconhecerão trechos dessa postagem de alguns de nossos debates no facebook

]
Agora, para mim é inaceitável esse pessoal que acaba de descobrir que é preciso protestar nas ruas hostilizando militantes de partidos como PSOL, PCB e PSTU, chamando-os de... oportunistas?

Quando começaram os movimentos, quando toda a mídia e a opinião pública condenavam as manifestações, antes que ganhasse toda essa proporção, esses "oportunistas" já estavam lá tomando borrachada da polícia e respirando gás lacrimogênio. Aliás, muito antes disso, eles estavam nas ruas, caminhando
pari passu com os movimentos sociais, encampando uma série de lutas em defesa dos oprimidos enquanto o grosso da sociedade civil permanecia na inércia. Foram bandeiras desses partidos que enfrentaram a polícia junto aos moradores do Pinheirinho, quando da desocupação criminosa promovida pelo governo de São Paulo. O PSTU, como deixou ver texto publicado pela Rede Brasil Atual, teve 12 militantes assassinados por fazendeiros enquanto se colocavam em defesa dos índios. Então, na real, "abaixem as bandeiras" o caralho! Esse propalado apartidarismo vem dissimulando a face mais conservadora, autoritária e despolitizada dos levantes. Estão incitando a violência contra pessoas que apenas carregam o símbolo de suas lutas. Militantes que há tempos vivem enfrentamentos com a tropa de choque agora são agredidos por aqueles aos quais chamam de companheiros. É pouco coerente, aliás, que uma manifestação que bata na tecla da livre manifestação proíba que pessoas carreguem consigo o estandarte que há tanto tempo tremula sobre suas lutas.
O que rolou em São Paulo, onde manifestantes de esquerda foram covardemente agredidos, onde atiraram objetos em chamas contra eles, onde queimaram suas bandeiras, não tem outro nome: fascistização, sim. Gritam "troquem a bandeira dos partidos pela bandeira nacional" ecoando, sem que tenham consciência disso, Mussolini, enquanto comunidades nas redes sociais incitam o ódio irrefletido à militância e o "V de Vingança" das ruas mais e mais se parece "V de Veja".
E Pagz, eu não acho que nacionalismo esteja necessariamente vinculado à direita. Nossa própria história dá mostras disso com o ISEB e o nacionalismo progressista do PTB de inícios dos anos 1960. Aliás, o internacionalismo que você mencionou, presente em determinadas correntes marxistas é alvo de crítica mesmo no espectro da esquerda. E eu mesmo não fecho nem um pouco com essa tendência.
Quero deixar claro que não é mera questão de "chegamos primeiro, caralho! por que não podemos brincar também?" Essas disposições autoritárias cristalizam o que vejo como uma falsa consciência política, que se baseia exclusivamente em um moralismo conservador. São os que afirmam que não existe mais direita ou esquerda, perdendo de vista completamente a noção de projeto político. Ser ligado a um partido político, por si só, não torna ninguém menos digno de marchar. E isso tampouco é causa de vergonha ou mácula para que tenha que ser escondido. Um movimento plenamente democrático dá lugar à pluralidade. E outra coisa: esse propalado apartidarismo não é nada isento e o temos visto encobrindo posturas muito claras, como um anti-petismo que tenta ganhar seu espaço.
Não estou defendendo o governo PT, fique bem claro, mas apenas acho que se é pra dar um salto de consciência política, que não se esvazie o debate sobre o que a política realmente é.
Vou quotar uma publicação de um camarada no facebook:
Não aguento mais a chacota falaciosa do anti-partidarismo travestido de apartidarismo. Não aguento mais a inocência, ignorância ou má-fé mesmo de gente que se levanta "momentaneamente" "contra a corrupção", insistindo em não perceber que a guinada direitosa começa quando o povo é concitado a simplesmente achar "lindo o movimento", a dizer que "o povo acordou", fingindo não saber que as bandeiras sociais são tocadas por muita gente, em geral filiada a paridos sim, e negligenciadas pelos grandes partidos enquadrados no jogo pretenso-democrático instaurado - estes sim oportunistas!! Estou farto de ligar a TV aberta e assistir a uma estressante cobertura que faz questão de repetir os mantras "sem partido", "o gigante acordou" "uma minoria de vândalos" e o caralho a quatro, se negando a dar espaço a gente capaz de fazer reflexões sérias a respeito do momento histórico (eventual, ainda que fruto de uma conjuntura viciada). Basta ver a Veruska Donato indagando ao representante do MPL: _Mas, e o restante das reivindicações? A pec 37, a corrupção, o Feliciano?
Percebo que há entre as multidões pessoas e grupos totalmente desmobilizados e não são apenas os intitulados "manifestantes mais exaltados", mas todos os que oportunamente se aproveitam pra pintar a carinha de verde e amarelo, enrolar-se numa bandeira nacional (que de maneira nada isenta traz as palavras ORDEM e PROGRESSO) e esquecer-se que há pouco mais de um mês bradavam pela redução da maioridade penal, e que frequentemente, julgam necessária até a pena de morte. Me enojo com o bando de COXINHAS que teimam em não perceber o quanto a fantástica profusão de pautas tem sido reorientada para uma única prática: a desmoralização clara e o ataque ao PT e à presidente Dilma. E, ainda pior, vai-se clareando a calhordice que impulsiono o enfraquecimento das próprias reivindicações, que sem pauta de coesão, vão se encaminhando para um carnaval de cores. Nesse "carnaval primaveril", os arlequins REACINHAS vão conquistando a fagueira colombina, "despertada" pela luta pelos transportes e direito à cidade. Enquanto isso, o pobre, preto, marginalizado, violentado e vandalizado pierrô, integrante dos coletivos de mulheres, de atingidos por barragens ou de expropriados pelas ingerências da FIFA/COPA de 2014, esse pierrô filiado ao PCB, PSTU, PCO, à Consulta Popular e até ao PCdoB e ao PSOL, esse, vai ficando cada vez mais com cara de quarta-feira de cinzas.
Não dá pra prever que rumos essa coisa vai tomar. A proliferação de pautas (muitas delas pautas fantasmas) e a completa ausência de direcionamento esvazia de sentido o grosso das manifestações. Centenas de milhares nas ruas não significa necessariamente um salto de consciência crítica. Sobre esse temor de um golpe, penso que seria o contra-senso dos contra-sensos que a esquerda passasse a temer as ruas quando a direita e o direitismo parecem finalmente ter perdido esse medo. Eu ainda estou nas ruas e tenho me esforçado junto a algumas pessoas para pautar discussões e politizar o debate no grupo que vem organizando os protestos aqui em Lavras (cidade de 90 mil habitantes e que botou 12 mil manifestantes nas ruas) e acho que tem surtido algum efeito.
É importante que essas manifestações não se tornem mera propaganda da Brahma ("Imagina a festa!") e que a hashtag #saímosdofacebook não seja meramente substituída por #saímosdofacebookmastamobombandonoInstagram. Esse momento é uma grande oficina, um grande laboratório político. O momento deve ser valorizado, repito! Mas deve também ser pensado, criticado e deve-se pelo menos buscar construir consensos que dêem algum direcionamento. Tarefa árdua.