Vou escrever um pouquinho sobre o que eu vi e vivi nas manifestações de Sampa:
Bem, o movimento todo nasceu pelo aumento de 0,20 centavos na tarifa. Isso é sabido por todos. O aumento por sí só já atraiu muit agente para as manifestações, o que foi legal, mas ainda tava longe de virar o mundo de gente que virou.
Mas o Governo do Estado e a PM deram um tiro de borracha no próprio pé, na quinta feira passada quando barbarizou o movimento e a violência policial chocou a todos. O movimento que até então tinha entre 20 a 30 mil participantes explodiu, e na segunda o ato já contava com mais de 100 mil espalhados por todos os cantos de SP.
O que incomodou e ainda incomoda é a forma que a consciência política desse movimento se guiou. A principio, a luta por tarifas mais baixas e pelo transporte publico gratuito é uma luta da esquerda, e foi assim que se iniciou. COm o crescimento do movimento, gente de tudo quanto é linha política se juntou, e até ai tudo bem, tinha uns doidos lá do Mises Brasil levantando cartazes pela privatização do transporte publico, tinha anarquistas, comunistas, tinha até gente saudosista do militares, mas o que mais tinha era gente "apolitica".
E vamos aqui esclarecer bem quem são esses: São, em sua maioria, jovens de classe média/alta que não gostam de política, que não se preocupam em conversar isso com colegas, que acha um porre quando alguem puxa o assunto, eles não gostam de partidos por considerar todos iguais e que nenhum deles "realmente os representa". Até ai, tudo bem, esse tipo de manifestação é sempre heterogênea e essas pessoas tem espaço e são importantes para o corpo do movimento. O problema é quando essas pessoas se tornam a maioria dos manifestantes e acabando impondo essa visão "apartidária/anti-partidaria" como lema da manifestação, quando vira o pensamento dominante entre os manifestantes. Foi mais do que comum ver militantes de partidos não eleitoreiros como PCO, PSTU, PCB e outros movimentos sociais, como MST, MTST, Construção Coletiva entre outros serem hostilizados por levantarem suas bandeiras.
Ora, existe algo mais injusto? Tais movimentos lutam em causas sociais a décadas, muito dos militantes que lá estavam estão desde o primeiro dia de manifestações, levando suas bandeiras e seus discursos. Gostando ou não, a manifestação também foi construida por eles, e eles precisam sim ter sua voz.
Mas o movimento já estava "contra ideologias". As bandeiras foram proibidas de serem levantadas,movimentos que sempre lutaram nos movimentos sociais foram impedidos de se fazer presentes, o discurso "sem partido, todos pelo Brasil"ganhou força. Ora, esse não foi o lema dos anos dos militares? A extinção dos partidos que "não representavam os brasileiros" foi base para o regime se instituir. Existe uma enorme descrença da população nos partidos, e muito justificada por sinal, porém forçar a saída desses dos movimentos é um ato autoritário e anti-democrático, além de uma grande injustiça com a luta de anos dos partidos que sempre se identificaram com as causas sociais.
Veja bem, não estou aqui falando que só a esquerda deveria controlar o movimento, claro que não, mas ela tem sim que se fazer presente, afinal o MPL nasceu na esquerda, sempre dialogou com a esquerda e se considera de esquerda, nada mais normal do que a esquerda lá, a direita "pensante"é bem vinda, os anarquistas e libertários também, todos são, porém nenhum pode, assim que se fazer maioria, tentar eliminar os "adversários" do movimento.
A crença de que ser "apartidário" e "contra ideologias" é algo neutro é uma falácia. Ser "sem ideologia" é ter uma ideologia. Defender o "apartidarismo" como justificativa para exigir impeachment da Dilma/Haddad e trazer assuntos estranhos a manifestação como "prisão dos mensaleiros" e "retirada do Renan Calheiros do senado" é desfocar totalmente o movimento. O "apartidarismo" mostrou-se uma mascara para o anti-petismo de boa parte da classe média/alta paulistana.
Existe muita coisa de errada no Brasil, disso acho que ninguém duvida, porém não dá pra se fazer manifestação "contra tudo". Isso é exageradamente genérico, enfraquece o movimento e nos afasta da luta inicial: reajuste das tarifas.
Foi muito dito que "não era apenas por 20 centavos", e realmente não é apenas isso, mas é isso TAMBÉM, essa foi a grande faisca que levou todos a rua, esse foi o tema central. Levar a manifestação para outros espectros pode ser um tiro no pé.
Agora, com o objetivo inicial atingido, acredito que os movimentos se fragmentes e se reduzam, alguns lutaram pela moralização da política, como se essa causa tivesse algum caráter político em si, outros lutaram pelo transporte gratuito, outras contra a Copa e assim por diante. Não acredito que nenhum deles terá o mesmo numero de gentes do que a inicial, afinal o transporte publico é um agregador de gente, de ideologias, é o que todos, esquerda, direita, "apartidários" e todo o resto tem em comum. Com isso conquistado, não imagino um movimento tão impressionante como tivemos até agora em SP.