Haran
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Veja bem, não existe um anseio liberal legítimo.
A sua leitura de “anti-estado” no lugar de “anti-Brasil” soa como leitura conveniente. Como você apontou, temos dois grupos relevantes: de intelectuais com ideologia e de massa. Estamos obviamente falando do segundo, e nele é absurdo assumir que o entendimento geral existe sobre as possibilidades de redução do aparato do estado e suas implicações.
No Brasil existe a falsa visão de que há super impostos contra pessoas. Quando um político promete “reduzir” essa carga, não há de se confundir isso com uma ideologia anti-estado: a pessoa recebe bem a ideia pela possibilidade de pagar menos e receber mais! É importante destacar que, enquanto o cidadão quer de fato pagar menos impostos, ele não está disposto a abrir mão dos benefícios trazidos pelo estado - especialmente nas atuais circunstâncias onde a importância do SUS está evidenciada.
Tanto Bolsonaro quanto partido novo surfaram nessa onda de falácia política populista de reduzir tributação sem explicar muito quais seriam os impactos na vida do brasileiro: cursos profissionalizantes, acesso universal à educação, bolsa família, regulamentação de preço de combustíveis, e por aí vai.
Te sobram duas alternativas: ou os anseios liberais residem em uma clara contradição, ou eles existem só numa elite ideológica.
É por isso que insisto na leitura anti-Brasil e como essa falaciosa tendência liberal se aproveitou disso para tentar incubar ideias de estado mínimo. Aparentemente fracassaram; até hoje não se discute seriamente as ideias essencialmente liberais.
Existe uma relação muito complicada entre o brasileiro e o Brasil. O abandono do estado é tão intenso em regiões carentes que se cria naturalmente uma antagonização - e essa se estende para outras classes sociais. A ideia de pagar impostos raramente se traduz, no campo de entendimento, em benefícios para os cidadãos - eles são pagos com a eterna impressão de que uma mega máquina de corrupção está sendo financiada. Acredito que o @Mercúcio pode falar melhor sobre isso - se não me engano foi o objeto de estudos dele.
Discordo. O partido novo manteve um discurso extremamente populista, inconsistente e contraditório. O papo de “liberal na economia, conservador nos costumes”, convenhamos, não é nem um pouco intelectual. A única coisa que houve foi a apropriação populista do elemento anti-brasil que citei acima.
A (falta de) consistência de discurso do novo começa a ficar evidente em episódios como Amoedo falando que desconhecia que o Salles, membro do seu partido, tinha virado MINISTRO. Apenas após a crescente impopularidade do governo Bolsonaro que Amoedo deu conta de que seu partidário era MINISTRO, e então o afastou do partido.
Ué, você havia falado
Sobre a mentalidade liberal da população na forma de anseios políticos legítimos, aí iremos discordar. Por mais que exista uma bolha, há um profundo sentimento anti-estado, anti-brasil. Percebe que há uma diferença?
Mas agora, querendo priorizar "anti-imposto" e "anti-Brasil", critica o uso do termo "anti-estado"? Primeiramente, sobre "anti-Brasil", eu disse que não compreendia em que sentido se dava esse caráter "anti-Brasil", esperava que você esclarecesse... daí fico surpreso que, ao invés de definir melhor que sentimento é esse, me fale que faço "leitura conveniente" ao evitar o termo "anti-Brasil"... Como posso fazer uma leitura "conveniente" com respeito a um adjetivo que não compreendo a aplicabilidade e não me posicionei no mérito?
Em segundo lugar, a leitura "anti-Estado" também não foi minha, eu respondi nesses termos porque você me perguntou nesses termos (e até por isso usei aspas): se há um sentimento "anti-Estado", ele estaria - defendi eu - incluso no que chamamos de "liberal", enquanto você havia defendido uma diferença entre as duas tendências. Mas se você acha que o termo "anti-Estado" não é o mais apropriado, por mim tudo bem, não faço questão desse termo e também não acho que seja muito apropriado, me remete a anarquismo e libertarianismo...
Seja como for, eu até apontei que o grosso dos liberais esperam educação e saúde do Estado, tanto no meu post anterior quanto no post de out/2018 que deixei referenciado. Quer dizer, não reconheço grande tensão conceitual no fato de o cidadão querer mais serviços e assistências sociais, especialmente em um país onde esses aspectos são tão falhos. O mesmo poderia falar sobre anseios de mais segurança ou menos impunidade, por exemplo. Não vejo nisso uma grande tendência anti-liberal ou pró-Estado, querer diminuir o Estado não significa querer fazê-lo em todas as suas facetas. Até o próprio Partido Novo defende saúde e educação estatais, e inclusive em certas oportunidades evita falar em "estado mínimo" para falar em "estado menor". Contradição lógica ou filosófica não há. Talvez haja impossibilidade prática, factual. Um exemplo de tentativa de defender isso foi o Ciro Gomes, que achava que o Estado brasileiro estava em pandarecos, tudo ia pro juros da dívida, não dava nem pra cortar 1 bilhão.... Para argumentar nesse sentido, precisaríamos ir aos números e fatos concretos, a discussão teria que entrar num nível maior do rigor... deixo essa tarefa pra você já que é você que está apontando a contradição.
Eu apontaria o que você chamou de "anti-imposto" como uma tendência liberal (socialista ou conservadora que não é) e popular... Apontaria como tais também uma tendência anti-mordomias, que acaba degenerando em uma antipatia a funcionários públicos (fora exceções como médicos, policiais, professores, pelos motivos já discutidos), antipatia que não é de hoje né. Mas enfim, o quão o liberalismo isoladamente é popular é uma questão a se pensar e pesquisar, no meu post falei meramente sobre "anseios liberais, conservadores, reformistas", e posteriormente apontei que "desses três adjetivos, ora um prevalece, ora outro, dependendo da pessoa ou da agremiação, e me falta um termo para sintetizar esses anseios". Quer dizer, fui propositalmente vago, pois não tenho opinião solidificada sobre o que unifica esses anseios, e não afirmo que aquelas três facetas são homogêneas na população. Fiz questão de colocar "reformistas", aliás, por reconhecer que a coisa não se reduz a liberalismo e conservadorismo. E nisso creio que fui satisfatoriamente vago, já que é difícil pensar em um movimento que não queira reformas de algum tipo (daí que dispensei o "etc"). Enfim, não afirmo e nem nego que as tendências liberais estão mais concentradas numa "elite": se há uma alteração substancial, obtida com apoio popular, do grupo político que domina o governo, e se os anseios populares são multifacetados, é natural que surja um padrão de distribuição desses anseios no que diz respeito a escolaridade ou renda, por exemplo.
Ser "populista, inconsistente e contraditório" não significa que não seja intelectualizado - intelectualizado não é só aquilo que agrada ao intelecto do Amon Gwareth. Por exemplo, Ciro Gomes, na minha opinião, é populista e cheio de equívocos, mas (em certas situações) intelectualizado. Se é uma intelectualidade satisfatória sob este ou aquele aspecto, são outros quinhentos. Ciro Gomes também consegue ter uma linguagem popular, falar com o povão num palanque, por exemplo, não é intelectualizado 100% do tempo. Olavo de Carvalho é outro que também é intelectualizado e tem apelo popular. Já o João Amoedo, não consigo imaginar ele falando por mais de 5 min em um comício... Ou sendo compartilhado por tias do Zap, como Bolsonaro.
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