Oromë
Purge 'em all
Tá dá! Pelo menos uma maldita vez, antes do prazo dado.
Nifelheim estremecia cada vez mais violentamente, enquanto Samael permanecia de braços abertos, e a colossal massa branca descia em direção aos Finerim ali reunidos. A gravidade dos dois corpos atraía um ao outro, e a força resultante faria em pedaços qualquer ser presente que não as próprias divindades.
Com um constante e infindável estalar, as areias do deserto eram destruídas e reduzidas a minúsculas partículas. As nuvens se agitavam no céu, sendo atraídas pelo terrível empuxo, descendo e circulando a lua até desaparecem, enquanto os gases que compunham suas estruturas eram violentamente condensados, e então destruídos.
Quando ela por fim parou de se aproximar, Samael abriu seus olhos, e, estendendo sua mão em direção a Aracnel, fez um gesto para que ele desse início ao seu trabalho.
Um brilho de satisfação surgiu nos olhos do Senhor dos Insetos. Ele já havia aguardado tempo demais. Dando suas costas à rocha colossal, e fincando suas patas na areia branca do deserto, ele ergueu o abdômen, e incontáveis fios negros saltaram em direção à estrutura, cobrindo seu branco fantasmagórico com o negro oriundo das trevas mais profundas de Garr.
Hallgrimr soube então que era sua hora, e cresceu até sua cabeça roçar nas estrelas do firmamento. O gigantesco corpo de ferro erguia-se como um colosso sobre o da lua, enquanto sua enorme barba flamejante brilhava como um sol no Reino dos Mortos. As duas esferas, a de metal e a de luz, eram agora minúsculos pontos em uma mão que poderia arrancar montanhas de seus berços. Dançando, elas agora seguiam seu caminho até o corpo principal da prisão, se colocando uma sobre a outra, de acordo com a vontade do Artífice.
O martelo de Hallgrimr se ergueu lentamente acima de sua cabeça, enquanto o Finerim deixava de lado todos os outros pensamentos e focava sua vontade na obra que estava prestes a ajudar a criar. Com a velocidade de um raio e a força de mil gigantes, o martelo desceu, golpeando metal, luz, trevas e matéria espiritual.
O trovão resultante ecoou por todo o Reino Espiritual, e o terror já teria tomado seus habitantes, não fosse a presença de Samael em seus corações, apaziguando-os.
Enquanto isso, o Deus da Morte sentia as rachaduras que se alastravam pelo corpo principal da lua, conforme o martelo do Artífice se chocava com sua superfície. Luz, Trevas e metal agora escorriam para dentro dela, encontrando seu caminho nas fissuras abertas.
Era hora de dar o próximo passo. Tocando o coração de sua irmã, uma porta se abriu entre os domínios de ambos, e Daevaorn soube então que chegara sua vez. Por meio de sua vontade e controle, a energia pura e caótica da Vida adentrou em Nifelheim, brotando do chão como árvores iridescentes de pura energia, crescendo até alcançar a lua e envolve-la em sua essência. A força vital de Garr agora preenchia o corpo celeste, encontrando seu caminho entre as fissuras causadas pelos golpes de Hallgrimr.
Sete vezes mais seu martelo caiu sobre a lua, e então ela não mais parecia ser uma lua, mas sim uma estrela, pois o fogo irrompeu de cada abertura, e no momento seguinte nada mais havia além de uma grande esfera incandescente, um pequeno sol no qual luz e trevas dançavam em meio às cruéis e descontroladas chamas.
Assim como Samael esperava, ele não poderia unir tão facilmente elementos tão contraditórios em sua existência. Não era a coexistência deles que ele almejava, mas sua verdadeira união em uma única coisa. Para tal, ele necessitaria de um elo, algo que fosse comum a todos eles, a raiz de toda a existência. De outro modo, a esfera de caos absoluto que haviam criado entraria em colapso, e a sorte estaria sorrindo para todos se apenas Nifelheim fosse consumida.
A preocupação agora estampava as feições dos Finerim ali presentes, pois sabiam qual era o perigo daquela obra, e o que ela faria com eles e com todo aquele Reino, na vaga suposição de que Garr e muitos outros planos não fossem atingidos também.
Mas Hallgrimr gargalhava de alegria, pois não apenas tinha à sua frente uma criação que em breve seria maior do que todos eles, de certa maneira, mas como também sabia de cada detalhe dos planos de Samael. Tolo seria o Senhor dos Mortos se desejasse que o Artífice trabalhasse às cegas em uma obra de tal magnitude.
E duplamente tolo ele seria se, ciente do problema desde o princípio, não tivesse já em suas mãos aquilo de que necessitasse. Algo presente na origem de cada um deles, a centelha que os tornava não apenas irmãos entre eles, mas sim de toda a criação: a Luz de Nor’jahal.
Segurando seu martelo com ambas as mãos, e o elevando o máximo que pôde acima da cabeça, o sorriso desaparecia do rosto de Hallgrimr, dando lugar a uma furiosa expressão de determinação inigualável, enquanto o Finerim se preparava para colocar todo o seu espírito naquele que seria o último golpe.
O Cetro resplandecia na mão esquerda de Samael, e sua Luz preenchia o coração dele e de seus irmãos. Sim, até mesmo o de Aracnel, pois a Luz de Nor’jahal não era meramente luz, e sim a centelha primordial de toda a Criação.
E essa mesma Luz agora abraçava a caótica estrela, como uma mãe que segura
uma criança em prantos, na esperança de acalmá-la. E então, com um urro que fez tremer cada montanha de Nifelheim, Hallgrimr desceu seu martelo, e uma luz sem igual cobriu o Reino dos Mortos, enquanto em Garr os humanos assistiam maravilhados as estrelas da constelação de Libra, a Balança do Senhor dos Mortos, resplandecerem como sóis noturnos.
E assim como a luz veio, ela também se foi, e, por um breve momento, parecia que havia levado a obra dos Finerim junto dela, pois onde antes se encontrava o maciço corpo celeste, se via apenas o céu de Nifelheim. Ainda assim, Samael sorria com satisfação e um leve orgulho podia ser visto nos olhos de Hallgrimr, e logo em seguida os demais também perceberam. Seus olhos se maravilhavam enquanto as cores que preenchiam o céu, a terra e a própria essência dos Finerim ali reunidos começavam uma lenta e infinita dança, entrelaçando-se, unindo-se e então se separando novamente, dando à luz à cores que nem mesmo aqueles olhos divinos haviam testemunhado ainda. Quando o Senhor dos Mortos ergueu seu Cetro e a Luz de Nor’jahal se juntou à dança, os corações dos Finerim pararam, e muitos deles souberam que jamais veriam espetáculo tão belo novamente, pois em breve sua criação estaria preenchida apenas pela essência profana de Horfael. O pesar teria os tomado, não estivessem deleitados pela beleza sem igual que agora presenciavam.
A miríade de cores que jamais veriam novamente tornava clara agora a forma de sua obra, e ainda assim as divindades não compreendiam sua natureza. Ela era e não era. Era física, espiritual, e ainda assim nenhuma das duas coisas. O que quer que haviam criado, era algo ainda único no universo em que conheciam, e apenas o próprio Nor’jahal, que tudo sabe acerca daquilo que existe e daquilo que não existe, assim como daquilo que deveria ser e daquilo que não deveria ser, dela tinha conhecimento absoluto. Dentre os Finerim, apenas Samael, em cuja morada ela havia sido construída, e Hallgrimr, que a modelara, detinham uma compreensão aproximada da verdadeira essência de sua criação, e tal conhecimento guardariam para eles. Por enquanto, ficariam apenas gratos por tal feito não poder ser repetido sem a ajuda de todos os seus irmãos.
Pela segunda vez, Horfael causava tormento ao Deus da Morte, pois se antes ele corrompera a maior dádiva de seu Pai, agora ele também mancharia a mais bela obra feita pelas mãos dos Finerim. Sua primeira, e talvez a última, em conjunto.
Mas, ainda que desejasse admirá-la por eras mais, ele sabia que havia chegado a hora de lacrar aquela divindade amaldiçoada de uma vez por todas. Quem sabe um dia ele descobrisse uma maneira de destruir Horfael permanentemente, e eles poderiam admirar sua criação novamente, mas, até lá, ela seria o preço que pagariam para remover aquela ameaça de Garr.
Samael chamou então por Kai'ckul, e uma abertura se fez na fina parede que separa os dois mundos, pois tanto os Sonhos quanto os Espíritos caminham lado a lado, e por vezes reflexos de um mundo poderiam se fazer vistos no outro. O próprio deus, sempre sereno e impassível, se fez presente junto da abertura, enquanto a cela onírica que continha seu odiado prisioneiro se aproximava lentamente em direção ao Reino Espiritual. Conforme ela atravessava os domínios, a cela se transformava em correntes de um branco fantasmagórico e sinistro, eco dos sentimentos do Deus da Morte para com o Deus Insano.
Agora, a esfera voltava a se esvaziar de sua cor, pela vontade de Samael. Ele não permitiria que nem mesmo uma mísera centelha da Luz de seu Pai fizesse companhia ao seu odiado inimigo. E se o seu ódio era grande, o que ele via nos olhos de Horfael poderia consumir em chamas sua própria existência. À cada uma das divindades ali presentes ele lançou um olhar cheio de fúria e desprezo, e então explodiu em gargalhadas, como se soubesse de algo que eles ainda não sabiam, como se aquilo fosse meramente um incômodo, pelo qual eles pagariam dez, cem, mil vezes mais caro.
Se era apenas prepotência, ou medo, os Finerim ainda não sabiam dizer. Mas, qualquer que fosse a surpresa que ele preparara, se de fato houvesse alguma, ela seria caçada e aniquilada com força total, pelo menos por parte do Deus da Morte. Tão logo aprisionasse a divindade insana, seria a vez de seus seguidores prestarem contas, no Reino dos Mortos. E, para eles, não haveria brandura na justiça de Samael.
Impassíveis, os deuses assistiam enquanto as correntes arrastavam Horfael para dentro de sua eterna prisão, em meio a gargalhadas histéricas. E, uma vez mais, o coração de todos se contorceu, pois a maravilha de antes dera lugar a um redemoinho de caos e malícia, a vermelhidão insana pulsando como o coração de uma besta saída das profundezas do Abismo.
Havia apenas mais um passo sobrando: colocar a prisão nos céus de Garr, onde ela estaria para todo o sempre sob o olhar de todos os Finerim. Era um ponto sem retorno, onde nenhum deles tinha autoridade absoluta, e portanto jamais teriam poder sobre sua criação novamente. Lá ela permaneceria, imutável, até que Nor’jahall ou um poder maior que o de todos eles decidisse pelo contrário.
E assim, após as luas gêmeas de Garr cruzarem seus caminhos em meio à noite
repleta de estrelas, uma corona de vemelhidão doentia iluminou seus contornos conforme se afastavam, como cortinas que se abriam para o despontar de sua pequena e maliciosa irmã bastarda.
Nascia, naquele momento, o símbolo de terror que viria a assombrar os céus de Garr por gerações e eras ainda incontáveis, tanto nos pesadelos mortais quanto nas preocupações dos imortais que sobre eles governavam: a Lua Vermelha, o Olho de Horfael.
Aprisionado ele estaria para todo o sempre, mas jamais esquecido.
Nifelheim estremecia cada vez mais violentamente, enquanto Samael permanecia de braços abertos, e a colossal massa branca descia em direção aos Finerim ali reunidos. A gravidade dos dois corpos atraía um ao outro, e a força resultante faria em pedaços qualquer ser presente que não as próprias divindades.
Com um constante e infindável estalar, as areias do deserto eram destruídas e reduzidas a minúsculas partículas. As nuvens se agitavam no céu, sendo atraídas pelo terrível empuxo, descendo e circulando a lua até desaparecem, enquanto os gases que compunham suas estruturas eram violentamente condensados, e então destruídos.
Quando ela por fim parou de se aproximar, Samael abriu seus olhos, e, estendendo sua mão em direção a Aracnel, fez um gesto para que ele desse início ao seu trabalho.
Um brilho de satisfação surgiu nos olhos do Senhor dos Insetos. Ele já havia aguardado tempo demais. Dando suas costas à rocha colossal, e fincando suas patas na areia branca do deserto, ele ergueu o abdômen, e incontáveis fios negros saltaram em direção à estrutura, cobrindo seu branco fantasmagórico com o negro oriundo das trevas mais profundas de Garr.
Hallgrimr soube então que era sua hora, e cresceu até sua cabeça roçar nas estrelas do firmamento. O gigantesco corpo de ferro erguia-se como um colosso sobre o da lua, enquanto sua enorme barba flamejante brilhava como um sol no Reino dos Mortos. As duas esferas, a de metal e a de luz, eram agora minúsculos pontos em uma mão que poderia arrancar montanhas de seus berços. Dançando, elas agora seguiam seu caminho até o corpo principal da prisão, se colocando uma sobre a outra, de acordo com a vontade do Artífice.
O martelo de Hallgrimr se ergueu lentamente acima de sua cabeça, enquanto o Finerim deixava de lado todos os outros pensamentos e focava sua vontade na obra que estava prestes a ajudar a criar. Com a velocidade de um raio e a força de mil gigantes, o martelo desceu, golpeando metal, luz, trevas e matéria espiritual.
O trovão resultante ecoou por todo o Reino Espiritual, e o terror já teria tomado seus habitantes, não fosse a presença de Samael em seus corações, apaziguando-os.
Enquanto isso, o Deus da Morte sentia as rachaduras que se alastravam pelo corpo principal da lua, conforme o martelo do Artífice se chocava com sua superfície. Luz, Trevas e metal agora escorriam para dentro dela, encontrando seu caminho nas fissuras abertas.
Era hora de dar o próximo passo. Tocando o coração de sua irmã, uma porta se abriu entre os domínios de ambos, e Daevaorn soube então que chegara sua vez. Por meio de sua vontade e controle, a energia pura e caótica da Vida adentrou em Nifelheim, brotando do chão como árvores iridescentes de pura energia, crescendo até alcançar a lua e envolve-la em sua essência. A força vital de Garr agora preenchia o corpo celeste, encontrando seu caminho entre as fissuras causadas pelos golpes de Hallgrimr.
Sete vezes mais seu martelo caiu sobre a lua, e então ela não mais parecia ser uma lua, mas sim uma estrela, pois o fogo irrompeu de cada abertura, e no momento seguinte nada mais havia além de uma grande esfera incandescente, um pequeno sol no qual luz e trevas dançavam em meio às cruéis e descontroladas chamas.
Assim como Samael esperava, ele não poderia unir tão facilmente elementos tão contraditórios em sua existência. Não era a coexistência deles que ele almejava, mas sua verdadeira união em uma única coisa. Para tal, ele necessitaria de um elo, algo que fosse comum a todos eles, a raiz de toda a existência. De outro modo, a esfera de caos absoluto que haviam criado entraria em colapso, e a sorte estaria sorrindo para todos se apenas Nifelheim fosse consumida.
A preocupação agora estampava as feições dos Finerim ali presentes, pois sabiam qual era o perigo daquela obra, e o que ela faria com eles e com todo aquele Reino, na vaga suposição de que Garr e muitos outros planos não fossem atingidos também.
Mas Hallgrimr gargalhava de alegria, pois não apenas tinha à sua frente uma criação que em breve seria maior do que todos eles, de certa maneira, mas como também sabia de cada detalhe dos planos de Samael. Tolo seria o Senhor dos Mortos se desejasse que o Artífice trabalhasse às cegas em uma obra de tal magnitude.
E duplamente tolo ele seria se, ciente do problema desde o princípio, não tivesse já em suas mãos aquilo de que necessitasse. Algo presente na origem de cada um deles, a centelha que os tornava não apenas irmãos entre eles, mas sim de toda a criação: a Luz de Nor’jahal.
Segurando seu martelo com ambas as mãos, e o elevando o máximo que pôde acima da cabeça, o sorriso desaparecia do rosto de Hallgrimr, dando lugar a uma furiosa expressão de determinação inigualável, enquanto o Finerim se preparava para colocar todo o seu espírito naquele que seria o último golpe.
O Cetro resplandecia na mão esquerda de Samael, e sua Luz preenchia o coração dele e de seus irmãos. Sim, até mesmo o de Aracnel, pois a Luz de Nor’jahal não era meramente luz, e sim a centelha primordial de toda a Criação.
E essa mesma Luz agora abraçava a caótica estrela, como uma mãe que segura
uma criança em prantos, na esperança de acalmá-la. E então, com um urro que fez tremer cada montanha de Nifelheim, Hallgrimr desceu seu martelo, e uma luz sem igual cobriu o Reino dos Mortos, enquanto em Garr os humanos assistiam maravilhados as estrelas da constelação de Libra, a Balança do Senhor dos Mortos, resplandecerem como sóis noturnos.
E assim como a luz veio, ela também se foi, e, por um breve momento, parecia que havia levado a obra dos Finerim junto dela, pois onde antes se encontrava o maciço corpo celeste, se via apenas o céu de Nifelheim. Ainda assim, Samael sorria com satisfação e um leve orgulho podia ser visto nos olhos de Hallgrimr, e logo em seguida os demais também perceberam. Seus olhos se maravilhavam enquanto as cores que preenchiam o céu, a terra e a própria essência dos Finerim ali reunidos começavam uma lenta e infinita dança, entrelaçando-se, unindo-se e então se separando novamente, dando à luz à cores que nem mesmo aqueles olhos divinos haviam testemunhado ainda. Quando o Senhor dos Mortos ergueu seu Cetro e a Luz de Nor’jahal se juntou à dança, os corações dos Finerim pararam, e muitos deles souberam que jamais veriam espetáculo tão belo novamente, pois em breve sua criação estaria preenchida apenas pela essência profana de Horfael. O pesar teria os tomado, não estivessem deleitados pela beleza sem igual que agora presenciavam.
A miríade de cores que jamais veriam novamente tornava clara agora a forma de sua obra, e ainda assim as divindades não compreendiam sua natureza. Ela era e não era. Era física, espiritual, e ainda assim nenhuma das duas coisas. O que quer que haviam criado, era algo ainda único no universo em que conheciam, e apenas o próprio Nor’jahal, que tudo sabe acerca daquilo que existe e daquilo que não existe, assim como daquilo que deveria ser e daquilo que não deveria ser, dela tinha conhecimento absoluto. Dentre os Finerim, apenas Samael, em cuja morada ela havia sido construída, e Hallgrimr, que a modelara, detinham uma compreensão aproximada da verdadeira essência de sua criação, e tal conhecimento guardariam para eles. Por enquanto, ficariam apenas gratos por tal feito não poder ser repetido sem a ajuda de todos os seus irmãos.
Pela segunda vez, Horfael causava tormento ao Deus da Morte, pois se antes ele corrompera a maior dádiva de seu Pai, agora ele também mancharia a mais bela obra feita pelas mãos dos Finerim. Sua primeira, e talvez a última, em conjunto.
Mas, ainda que desejasse admirá-la por eras mais, ele sabia que havia chegado a hora de lacrar aquela divindade amaldiçoada de uma vez por todas. Quem sabe um dia ele descobrisse uma maneira de destruir Horfael permanentemente, e eles poderiam admirar sua criação novamente, mas, até lá, ela seria o preço que pagariam para remover aquela ameaça de Garr.
Samael chamou então por Kai'ckul, e uma abertura se fez na fina parede que separa os dois mundos, pois tanto os Sonhos quanto os Espíritos caminham lado a lado, e por vezes reflexos de um mundo poderiam se fazer vistos no outro. O próprio deus, sempre sereno e impassível, se fez presente junto da abertura, enquanto a cela onírica que continha seu odiado prisioneiro se aproximava lentamente em direção ao Reino Espiritual. Conforme ela atravessava os domínios, a cela se transformava em correntes de um branco fantasmagórico e sinistro, eco dos sentimentos do Deus da Morte para com o Deus Insano.
Agora, a esfera voltava a se esvaziar de sua cor, pela vontade de Samael. Ele não permitiria que nem mesmo uma mísera centelha da Luz de seu Pai fizesse companhia ao seu odiado inimigo. E se o seu ódio era grande, o que ele via nos olhos de Horfael poderia consumir em chamas sua própria existência. À cada uma das divindades ali presentes ele lançou um olhar cheio de fúria e desprezo, e então explodiu em gargalhadas, como se soubesse de algo que eles ainda não sabiam, como se aquilo fosse meramente um incômodo, pelo qual eles pagariam dez, cem, mil vezes mais caro.
Se era apenas prepotência, ou medo, os Finerim ainda não sabiam dizer. Mas, qualquer que fosse a surpresa que ele preparara, se de fato houvesse alguma, ela seria caçada e aniquilada com força total, pelo menos por parte do Deus da Morte. Tão logo aprisionasse a divindade insana, seria a vez de seus seguidores prestarem contas, no Reino dos Mortos. E, para eles, não haveria brandura na justiça de Samael.
Impassíveis, os deuses assistiam enquanto as correntes arrastavam Horfael para dentro de sua eterna prisão, em meio a gargalhadas histéricas. E, uma vez mais, o coração de todos se contorceu, pois a maravilha de antes dera lugar a um redemoinho de caos e malícia, a vermelhidão insana pulsando como o coração de uma besta saída das profundezas do Abismo.
Havia apenas mais um passo sobrando: colocar a prisão nos céus de Garr, onde ela estaria para todo o sempre sob o olhar de todos os Finerim. Era um ponto sem retorno, onde nenhum deles tinha autoridade absoluta, e portanto jamais teriam poder sobre sua criação novamente. Lá ela permaneceria, imutável, até que Nor’jahall ou um poder maior que o de todos eles decidisse pelo contrário.
E assim, após as luas gêmeas de Garr cruzarem seus caminhos em meio à noite
repleta de estrelas, uma corona de vemelhidão doentia iluminou seus contornos conforme se afastavam, como cortinas que se abriam para o despontar de sua pequena e maliciosa irmã bastarda.
Nascia, naquele momento, o símbolo de terror que viria a assombrar os céus de Garr por gerações e eras ainda incontáveis, tanto nos pesadelos mortais quanto nas preocupações dos imortais que sobre eles governavam: a Lua Vermelha, o Olho de Horfael.
Aprisionado ele estaria para todo o sempre, mas jamais esquecido.
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