Como a maioria das pessoas, tenho sentimentos conflitantes no que tange aos movimentos de ontem. Mas, porém, contudo, entretanto, todavia, uma coisa que eu não faço é a análise rasteira de que as pessoas que participaram do ato, ontem, se igualam àquelas que participaram das manifestações em prol do Bolsonaro.
Em linhas gerais, o que diferencia os grupos é que os defensores do Bolsonaro foram para as ruas por serem negacionistas da pandemia. Eles foram com o intuito de provar o ponto de que não se deve usar máscaras, que se vacinar é irrelevante, que os comércios devem ficar abertos a qualquer custo, dentre outros absurdos gritados por quem, de bom grado, abriu mão de usar a máscara e o bom senso.
O grupo que estava nas ruas, ontem, por outro lado, compõe-se, heterogeneamente, de pessoas que, desde o início da pandemia, acreditou na gravidade da doença, defendeu o isolamento social — com o Estado fazendo o seu papel, claro, e não deixando o povo morrer de fome—; defendeu que o governo providenciasse máscaras eficientes para a população; defendeu a Ciência e a importância da vacina para todos. E, motivado por isso, o grupo de pessoas que foi para as ruas, no dia 29 de maio de 2021, sabia dos riscos de ir, mas também sabia do fato de que, após mais de ano de espera, não dava mais para esperar que o governo começasse a ter o bom senso de agir com responsabilidade.
Viver em um Estado Democrático de Direito pressupõe fazer escolhas difíceis. Os riscos de ir às ruas eram imensos; os de não ir, também. Mas quem tem um cadinho mais de condições de lidar com a merda toda, tem comprado máscaras, álcool, e tudo o mais. Só que isso não basta; porque há pessoas sendo infinitamente penalizadas pela pandemia por não terem o mínimo do mínimo. Por esse viés, acho complicado querer crucificar as pessoas que tentaram fazer alguma coisa; e usar a cartada da falta de prudência é, a meu ver, desonesto.
No frigir dos ovos, a coisa se resolveu mais ou menos assim: quem foi entendeu os motivos de quem não pôde ir; e quem não foi, entendeu os motivos de quem foi, porque pôde ir. Entre um ponto e outro, há uma infinidade de variáveis. Eu, por exemplo, não fui. Não tenho comorbidades, embora minha imunidade seja um lixo, mas convivo com pessoas que têm.