Realmente a vida de leitor de HQs inteligentes não é nada fácil neste país do futuro (incerto) e da vanguarda do atraso. Das cinco melhores publicações regulares, uma (Dylan Dog) parece estar com os dias contados; outra, Hitman, sai a cada mudança de estação!
A edição anterior de Hitman, a cinco, saiu, em janeiro! No entanto, creio que se fosse possível, o editor Eloyr Pacheco tornaria esta publicação semanal!
Qual seria a causa da baixa popularidade de uma HQ tão inteligente como Hitman?
Uma forma de responder a esta pergunta é tentar situar o personagem no universo das HQs: o personagem de Garth Ennis insere-se numa área nebulosa, a meio-caminho entre O Justiceiro e o humor anárquico da Mad. Não há heroísmo ou qualquer questionamento ético ou moral nesta série. Prevalece um "caos" de cinismo e decadência generalizada que se revelam em páginas e diálogos sujos e amorais marcantes.
Pelo que se afirmou acima, o publico desta HQ é formada por leitores receptivos à sátira desenfreada de Ennis, o que leva à óbvia conclusão de que esta série pede leitores apaixonados por quadrinhos, e com uma memória razoável para os chavões e lugares-comuns que permeiam as edições do mainstream.
Caso fosse adaptado para o cinema, Hitman teria como diretor alguém como Robert Rodrigues, autor do filme A Balada do Pistoleiro, ou seja, uma produção que aliaria a violência cômica a uma boa carga de "cultura terceiro mundo" e uma coleção de citações para iniciados!
Portanto, Hitman é o que podemos chamar de personagem cult!
Há outros deles, que nunca venderão toneladas de gibis como os X-Men, Batman ou o Homem-Aranha, mas que não são "malditos" no Brasil, como é acontece com Hitman! Da mesma DC Comics, Hellblazer não é um mega-sucesso, mas se mantém até mesmo na terra do samba e carnaval!
A maior das ironias é que, a cada leitura, fica a impressão que não poderia haver personagem mais bem adaptado ao Brasil do que o Hitman. Da mesma maneira que o Quarteto Fantástico não parece viver em outro pais, mas sim em outra dimensão; Tommy Monaghan e sua turma não parecem viver em Gotham City (uma paródia de Nova York), mas numa grande metrópole da América Latina.
Para sustentar esta tese, este número 6 é perfeito. Na Gotham City do personagem há corrupção policial; não falta superstição e misticismo para todos os gostos; a Mulher-Gato é a "cachorra"; as ruas são sujas e tomadas por freqüentes tiroteios e balas perdidas; nesta aventura, Monaghan acende uma vela para Deus e outra pro diabo; e no Brasil, gente fina como Natt é mato...
Há ainda duas características que aproximam Hitman do Brasil. A primeira é o próprio Monaghan: o malaco com superpoderes, um cara lúcido que procura ser íntegro à sua maneira (Tiegel é prova disso), preocupado em não levar um tiro à toa e sem a menor ilusão sobre a sua condição de Zé Mané!
A ultima característica que nos aproxima deste universo é explícita nesta aventura. Sixpack é um verdadeiro murro no estômago de todos aqueles que ora subestimam, ora superestimam os chamados párias.
Como o Seu Kreison, do Casseta & Planeta, Sixpack é a mediocridade encarnada (um Homer Simpson alcoólatra e megalomaníaco), resistente e impulsionada por um orgulho insano.
Ao contrário de uma Macunaíma ou de um João Grilo, Seu Kreison e Sixpack nem espertos são. Mas a persistência, no caso do último, revela que o personagem não é revolucionário ou reacionário. Na verdade, é a gargalhada para toda pretensão redentora própria dos chamados formadores de opinião!
Talvez, para muitos leitores brasileiros, em Hitman a dose de escárnio seja perturbadora.
Leitores de HQs uni-vos para salvar a HQ mais politicamente incorreta do momento!