Gigio
Usuário
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Quando foi lançado, em 1996, Infinite Jest foi uma sensação tão grande quanto têm sido os livros do Bolaño por estes tempos. Eram pilhas e pilhas nas livrarias, e ninguém podia deixar de ter o seu volume. Mais do que isso, o livro se tornou quase que instantaneamente um cult, com leitores que afirmavam terem feitos duas, três passagens em seguida pelas suas mais de mil páginas. Como o livro parece ter bastante fama também aqui no Brasil (até já vieram me perguntar sobre ele no Skoob), acho que vale a pena abrir um tópico a respeito, mesmo que não exista tradução para o português. (Essa, a propósito, seria uma tarefa e tanto, que provavelmente seria tão comentada quanto as recentes de "Moby Dick" e "Anna Karenina"...)
Em um panorama geral, a história envolve dois núcleos principais: a Academia Enfield de Tênis, uma espécie de internato para jovens talentos do tênis; e a Casa de Reabilitação Ennet, um centro de recuperação modelo para viciados em todos os tipos de drogas. Em torno deles Wallace cria uma quantidade enorme de personagens, que vão sendo apresentados dentro de pequenos recortes de seus cotidianos, que tomados isoladamente já costumam funcionar como contos excelentes. Mas nessa apresentação fragmentária já começa a complexidade do livro. Sem uma lista das aparições de cada personagem pode demorar algumas centenas de páginas para realmente começar a fazer sentido quem é quem...
Uma das principais habilidades do Wallace, ele mesmo reconhecia, era a representação de diferentes tipos de pessoas. Ele tinha aquele talento dos escritores que são capazes de observar alguém e depois reproduzir, no papel, os seus maneirismos. Todos os seus personagens transmitem um grande senso de realidade, porque não se conformam a apenas um pequeno conjunto de características fechado, mas se enriquecem a cada vez que aparecem na história. Eles continuam crescendendo e crescendo, em um nível cada vez maior de detalhamento.
Não se deve pensar com isso, no entanto, que seja um livro estritamente realista. Muitas coisas fora do comum acontecem e até um aspecto de ficção científica não deixa de estar presente. A relação entre realidade e fantástico tem uma dimensão própria, em uma medida totalmente particular ao Wallace, ditada pelo fluxo da sua imaginação. Por exemplo, logo nas primeiras páginas ele apresenta em uma nota (ele adorava notas, elas ocupam mais de 100 páginas) uma relação completa da filmografia de um dos personagens, com as respectivas sinopses. Algumas delas parecem excessivamente bizarras, enquanto outras até poderiam ser algo do Tarantino... Mas todas acabam sendo incorporadas de alguma forma ao texto e de forma totalmente coerente com o restante da narrativa.
Uma outra coisa que não pode deixar de ser mencionada nesta lista mínima de características de "Infinite Jest" é o uso que Wallace faz da linguagem. Pode acreditar: como outros grandes escritores, ele tem um nicho próprio, uma forma única e inimitável de escrever. Isso envolve uma série de outras particularidades: uso de palavras raras (Wallace era obcecado pelo OED, tem até um comentário no "review" da Amazon), uso de termos coloquiais e gírias das ruas, neologismos, informalidade quanto a ambiguidades, etc.
Ah, mais uma coisa: humor. Todo o livro é permeado de momentos de ironia e situações hilárias...
O que faz um cult? Ao menos neste caso acho que algumas causas podem ser identificadas. Uma linguagem própria, exclusiva para os iniciados. Uma narrativa atual, que fala sobre as questões do nosso tempo. E acima de tudo ambição, ambição de ser um livro sobre muitas coisas, uma reunião de incontáveis referências e incontáveis reflexões, um livro que esteja à altura da própria vida.
[Editando: não lembro o que quis dizer com "momentos de ironia", mas para uma crítica mais adequada a respeito, vejam "Um tipo americano de tristeza", artigo de Caetano Galindo.]
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Quando foi lançado, em 1996, Infinite Jest foi uma sensação tão grande quanto têm sido os livros do Bolaño por estes tempos. Eram pilhas e pilhas nas livrarias, e ninguém podia deixar de ter o seu volume. Mais do que isso, o livro se tornou quase que instantaneamente um cult, com leitores que afirmavam terem feitos duas, três passagens em seguida pelas suas mais de mil páginas. Como o livro parece ter bastante fama também aqui no Brasil (até já vieram me perguntar sobre ele no Skoob), acho que vale a pena abrir um tópico a respeito, mesmo que não exista tradução para o português. (Essa, a propósito, seria uma tarefa e tanto, que provavelmente seria tão comentada quanto as recentes de "Moby Dick" e "Anna Karenina"...)
Em um panorama geral, a história envolve dois núcleos principais: a Academia Enfield de Tênis, uma espécie de internato para jovens talentos do tênis; e a Casa de Reabilitação Ennet, um centro de recuperação modelo para viciados em todos os tipos de drogas. Em torno deles Wallace cria uma quantidade enorme de personagens, que vão sendo apresentados dentro de pequenos recortes de seus cotidianos, que tomados isoladamente já costumam funcionar como contos excelentes. Mas nessa apresentação fragmentária já começa a complexidade do livro. Sem uma lista das aparições de cada personagem pode demorar algumas centenas de páginas para realmente começar a fazer sentido quem é quem...
Uma das principais habilidades do Wallace, ele mesmo reconhecia, era a representação de diferentes tipos de pessoas. Ele tinha aquele talento dos escritores que são capazes de observar alguém e depois reproduzir, no papel, os seus maneirismos. Todos os seus personagens transmitem um grande senso de realidade, porque não se conformam a apenas um pequeno conjunto de características fechado, mas se enriquecem a cada vez que aparecem na história. Eles continuam crescendendo e crescendo, em um nível cada vez maior de detalhamento.
Não se deve pensar com isso, no entanto, que seja um livro estritamente realista. Muitas coisas fora do comum acontecem e até um aspecto de ficção científica não deixa de estar presente. A relação entre realidade e fantástico tem uma dimensão própria, em uma medida totalmente particular ao Wallace, ditada pelo fluxo da sua imaginação. Por exemplo, logo nas primeiras páginas ele apresenta em uma nota (ele adorava notas, elas ocupam mais de 100 páginas) uma relação completa da filmografia de um dos personagens, com as respectivas sinopses. Algumas delas parecem excessivamente bizarras, enquanto outras até poderiam ser algo do Tarantino... Mas todas acabam sendo incorporadas de alguma forma ao texto e de forma totalmente coerente com o restante da narrativa.
Uma outra coisa que não pode deixar de ser mencionada nesta lista mínima de características de "Infinite Jest" é o uso que Wallace faz da linguagem. Pode acreditar: como outros grandes escritores, ele tem um nicho próprio, uma forma única e inimitável de escrever. Isso envolve uma série de outras particularidades: uso de palavras raras (Wallace era obcecado pelo OED, tem até um comentário no "review" da Amazon), uso de termos coloquiais e gírias das ruas, neologismos, informalidade quanto a ambiguidades, etc.
Ah, mais uma coisa: humor. Todo o livro é permeado de momentos de ironia e situações hilárias...
O que faz um cult? Ao menos neste caso acho que algumas causas podem ser identificadas. Uma linguagem própria, exclusiva para os iniciados. Uma narrativa atual, que fala sobre as questões do nosso tempo. E acima de tudo ambição, ambição de ser um livro sobre muitas coisas, uma reunião de incontáveis referências e incontáveis reflexões, um livro que esteja à altura da própria vida.
[Editando: não lembro o que quis dizer com "momentos de ironia", mas para uma crítica mais adequada a respeito, vejam "Um tipo americano de tristeza", artigo de Caetano Galindo.]
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