Voltando ao ponto central do tópico, parece haver um forte componente linguístico na questão mesmo:
Inglês:
Race (biology),
Variety,
List of dog breeds
Italiano:
Razza,
Varietà,
Razze canine
Espanhol:
Raza,
Raza de perro
Alemão:
Rasse,
Rasse (Botanik),
Liste der Haushunde legal que repetindo a palavra e juntando, temos uma risada: haushundehaushunde
Português:
Variedade (biologia)
Fora do contexto dos animais selecionados artificialmente, como animais domésticos e de fazenda, parece que desses exemplos apenas a língua alemã e inglesa ainda permanecem usando 'raça' como um ranking taxonômico (raças de parasitas,
raças de abelhas) análogo ao de subespécies. E é, como 'subespécie', um ranking relativamente pouco objetivo, sendo classificado como "informal" na wiki em língua inglesa.
"Variedade", mesmo no italiano "varietà", parece ser aplicado, como ranking taxonômico, principalmente em botânica.
De qualquer forma, poderia-se perguntar "por que os homens modernos não são divididos em subespécies?", de forma que essa questão linguística não parece tocar o cerne da questão, trata-se apenas da troca de uma palavra por outra. Também não penso que a existência e utilidade do conceito de etnia deva minar a questão, pois poderíamos imaginar um cenário com diversas subespécies, cada subespécie tendo uma ou mais etnias, ou mesmo um cenário onde certas etnias fossem compostas por mais de uma subespécie. O fato de ser útil o conceito de etnia, especialmente em humanidades, não necessariamente mina o conceito de subespécies humanas em ciência.
Não posso, obviamente, dar um julgamento tão qualificado, mas não vejo argumentos convincentes usando-se genética. Como definir um número suficientemente grande de genes para separar uma espécie em duas ou mais subespécies, tendo em vista que de qualquer forma pode haver compartilhamento de 99% de genes entre duas espécies diferentes? Nesse sentido, temos diversas subespécies de tigres, por exemplo:
Não é óbvio se a variabilidade genética dessas subespécies de tigres é maior que a variabilidade humana, de modo a justificar geneticamente a divisão dos tigres em subespécies e vetar aos humanos modernos divisão de mesmo tipo. Mesmo se a variabilidade dos tigres for de fato maior, não acho que essa é uma questão importante, e duvido que tenha sido encarada como fator determinante no processo que estabeleceu a classificação dessas subespécies. Pelo contrário, uma certa separação reprodutiva (seja devido à distância ou isolamento geográfico, ou diferença de hábitos, de fenótipo, etc) parece ter sido o fator determinante. Assim a exigência de dada variabilidade genética como condição necessária e não cumprida para estabelecer a existência de raças/subespécies humanas me parece uma condição colocada de antemão para justificar uma conclusão previamente já tomada (a de que não há raças ou subespécies humanas).
Nesse sentido, divago se, por exemplo, uma espécie alienígena muito desenvolvida, usando telescópios ultrapotentes, ou mesmo 'poderes' como aqueles do sentinela de Asgard do filme Thor, ao estudar os humanos a distância, classificaria ou não os humanos em subespécies, como nós classificamos esses tigres. Penso que se eles olhassem os humanos como eram há uns 20 mil anos, com populações bem separadas, com características corporais e comportamentais bastante distintivas e que raramente se reproduzem entre si (ainda que em princípio fossem capazes de fazê-lo), penso que eles poderiam sim ter classificado, justificadamente, os humanos em várias subespécies, assim como nós classificados aqueles tigres.
Com a globalização isso acaba se perdendo: é como se por algum motivo estranho todas aquelas subespécies de tigres passassem a se encontrar e a se reproduzir entre si, com o tempo a classificação perderia o sentido - mesmo no caso de ainda restarem tigres muito parecidos, em aparência e genética, a alguma subespécie de tigre como ela existia antes desse processo de miscigenação, esses tigres não existiriam como um grupo suficientemente separado dos demais (historicamente, geograficamente, geneticamente, reprodutivamente, etc), para justificar uma classificação taxonômica especial.
Assim, pelo que entendo da questão até o momento, interpreto que a existência ou não de raças humanas não é uma questão definida pegando-se indivíduos separadamente e comparando: colocando um negro e um branco lado a lado, totalmente isolado de suas populações, seria impossível saber se constituem ou não subespécies distintas, mesmo se fôssemos oniscientes em relação ao seu conteúdo genético. Esse negro e branco poderiam ser, talvez (talvez!), de raças/subespécies separadas, se vivessem em continentes distintos, cujas populações perderam contato por milhões de anos, cada população com membros bastante parecidos entre si mas distintos da população do outro continente; mas esse mesmo negro e branco constituem uma mesma raça/subespécie se são brasileiros, ou por que não ocidentais ou meramente terráqueos, do séc. XXI.
Isto posto, parece ter havido uma certa influência não-científica, uma influência ética, no entendimento científico de raça, devido aos maus feitos resultados da influência de doutrinas raciais em geral, de forma que a palavra 'raça' caiu em desuso no meio científico e até mesmo se perguntar sobre a existência de raças humanas é um tanto quanto mal visto, e precisa-se colocar a questão com boa dose de delicadeza, dose desnecessária para curiosidades científicas de outro tipo. Por exemplo, parece que há uma discussão se os neandertais constituem com os sapiens uma mesma espécie (a visão mais ortodoxa é que não). Imagino um cenário onde os neandertais fossem membros da nossa sociedade, essa mesma questão não seria tão facilmente discutida, e é possível que inclusive a visão ortodoxa (após o advento e queda de doutrinas raciais) ditasse que sim, sapiens e neandertais seriam considerados uma única espécie, pois, entre outras coisas, não seriam tidos como distantes o bastante geneticamente.
Concluiria assim que não existem raças humanas, em segundo lugar devido à globalização, e em primeiro lugar por uma questão ética: o conceito científico de subespécie é um tanto quanto vago e baseado em convenção, então o que ganharíamos cientificamente estabelecendo raças humanas não compensa a problemática ética ou o impacto social que isso criaria. É uma justificativa quase espiritual, por assim dizer, o benefício intelectual não compensa certo prejuízo espiritual que o conceito traz.