Ilmarinen
Humano Saltitante
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Re: Sobre ananos, meões e traduções
Citação:
Post Original de Lingwilóke
Como eu disse, é uma paixão danada... Por exemplo, se no leitor anglófono o epíteto Dark Lord evoca de alguma maneira a Lúcifer e há todo um contexto que não só confirma mas também reforça isso, não é necessário saber que em tal carta Tolkien chamou Sauron de daemon e Melkor de diabolous.
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Aí é que a gente meio que se engana, sabia, que com todos esses elementos, Dark Lord, menção a uma encarnação humana de "Maleldil" ( o equivalente de Ilúvatar nessa obra de Lewis) na Terra, etc, etc , etc a maioria dos críticos literários jornalísticos* ingleses da época não pegou o subtexto religioso e filosófico de Out of the Silent Planet? Ou fingiu que não para poder criticar o livro e suas idéias dissimulando a percepção de seu conteúdo religioso e sua relevância. E podemos ver que até aqui no Brasil, foi a conta de se alterar Dark Lord de Senhor das Trevas ou similar pra Senhor do Escuro e tem muito leitor brasileiro que fica míope e deixa de ver todas as alusões bíblicas do SdA só porque leva ao pé-da-letra o comentário de Tolkien sobre o repúdio à Alegoria e a confunde totalmente com Analogia.
*( por essas e outras que eu andei discutindo na Wiki em inglês, com a qual contribuo, dizendo que dar excessivo valor a coisas acadêmicas e textos jornalísticos como fontes secundárias ao mesmo tempo em que se menosprezam webpages confiáveis é um erro)
Dê uma olhada nessa discussão histórica do Orkut, apesar do deletamento de diversas mensagens, inclusive do pobre católico inteligente que começou o tópico e foi recebido a pedradas ( o orkut intepreta mensagem de perfil deletado como se fosse spam e some com elas )e vc verá que o fanatismo das pessoas que não querem ver o simbolismo já começa a parecer o da Santa Inquisição que eles mesmos tanto gostam de criticar. Alguém ai lembra de Fëanor?
Citando Nietzsche cujas influências sobre Tolkien estão sendo estudadas cada vez mais:
Citação:
"""Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você" - Nietzsche (Além do Bem e do Mal)""
E isso era algo que o próprio Tolkien não queria senão não teria feito tanta analogia nas cartas pra explicar sua mitologia pros outros, não teria reconhecido a influência da Virgem sobre a Galadriel, não teria chamado Melkor de Diabolus e nem Elendil de figura "estilo Noé" etc,etc..
Num sentido eu até entendo: minha geração foi uma que pegou Tolkien para ler quando ele era "cult", era um hábito esquisito ler o autor aqui no Brasil. Eu cresci dos quinze aos 19 anos sem conviver com nenhum outro leitor de Tolkien até entrar na faculdade Daí com as traduções literárias "populares" da Martins Fontes o hábito de se lê-lo foi disseminado. Mas o brasileiro meio que está vivendo um vácuo de crença, por um lado é a abordagem evangélica fundamentalista que parece que tenta enfiar o Gospell pela goela dos outros a qualquer preço e que chega a dizer que católico não é cristão por causa de fanatismo doutrinário e arrogância, por outro é o materialismo desmesurado dos nossos dias e a perda de valores morais, tornando tudo sem sentido e sem gosto.
Como a onda de popularização de Tolkien aqui no Brasil acompanhou a propaganda cinematográfica e o culto que as atuais bandas de Rock dão ao autor ( começando pelo disco temático do Blind Guardian e agora chegando a dezenas de bandas novas com nomes tolkienianos), eu já reparei que muito fã novo brasileiro, jovem e até não tão jovem, tende a pegar Tolkien como nova "religião". E ser igualmente fundamentalista em se interpretá-lo ao pé da letra, achando que tudo o que ele diz para todo mundo ,toda hora reflete sempre "a verdade" dos fatos. Haja vista a proporção cõmica que o assunto das asas dos balrogs atingiu entre a gente com o brasileiro chegando a forjar justificativas não acolhidas em nenhum lugar em inglês, disseminando boatos e lendas urbanas para justificar uma intepretação só em um assunto onde qualquer exame literário atento da matéria mostra que Tolkien deixou a questão dúbia , provavelmente, de propósito
Esse pessoal fica com uma tendência de ficar perplexo e até de se revoltar na hora que descobre que Tolkien embutiu propositalmente ( "inconscientemente na redação mas conscientemente na revisão" como ele mesmo alegou), um simbolismo "católico-cristão" na sua obra, porque, de repente, é como se descobrissem que Tolkien tem uma faceta que parece fazer dele mais um "evangélico", só que disfarçado, tentando doutriná-los com um "cavalo de tróia" literário.
É irônico que isso aconteça com Tolkien porque foi C.S.Lewis que confessou que queria que Narnia fosse "teologia infiltrada" por debaixo dos narizes dos "dragões vigilantes". Isso tudo reflete um descompasso que nossa sociedade global tem sofrido em relação à época de Tolkien e Lewis. Na época deles, os fanáticos eram os caras que não tinham uma religião e colocavam Nietzsche e Wagner e a ciência positivista num trono ou numa "Torre Negra", Como aqueles famosos do "Heil Hitler"!!Eram eles que tentavam doutrinar os outros e preconizavam a disseminação do culto da ciência e do método experimental como a panacéia pra resolver tudo. Era esse povo que estava por cima.
Aqui no Brasil , Monteiro Lobato foi um intelectual, agnóstico ou ateu e positivista que embutia idéias assim nos seus livros, ainda bem que ele era bondoso, inteligente e culto demais para ir tão longe nessas idéias na literatura infantil do Pica Pau Amarelo . Mas dê uma olhada em O Presidente Negro e você ficará assustado com o fato de que ele podia, por exemplo, advogar a esterilização da raça negra aceitando uma versão mitigada da mesma doutrina racialista dos nazistas. Então a obra literária de Tolkien e Lewis era uma forma de reação contra essa doutrina predominante na época. Só que hoje o pêndulo oscilou pro outro lado.
Os fanáticos atuais são , por exemplo, os mesmos religiosos cristãos puritanos que, nos EUA, baniram o ensino de Darwin e da teoria da evolução no ensino secundário, os mesmos que endossam dois mandatos do presidente Bush e os mesmos que apoiam uma invasão do Iraque com o fajuto e absurdo argumento de se querer encontrar armas de "destruição em massa" num país já pobre e claudicante depois de anos de embargo econômico.Basicamente o lado de Lewis e Tolkien ganhou a Guerra e se perverteu , virando exatamente a mesma coisa que eles combatiam e usando suas crenças como pretextos pra justificar sua fome de poder, ganância e arbitrariedade. Então, não é pra menos que a juventude atual esteja em busca de "religião alternativa" e tenda meio que a tentar ignorar o simbolismo religioso de Tolkien, de J.K .Rowling, da Stephanie Meyer de Crepúsculo ( que faz a mesma coisa que Lewis, a saga inteira de Bella e Edward é smuggled theology também).
Por aí a gente vê uma coisa, fanático que é fanático mesmo, seja de que procedência ou tendência que for, não faz obra literária pra passar adiante ideologia pessoal e doutrinar os outros, zealots são pessoas que não querem que leitores aprendam a decodificar simbolismo, porque pra fazer isso eles têm que fazer uma coisa que mina sua base de poder, deixar os outros pensarem por conta própria e até ensinar metodologia pra fazer isso.
É sempre bom mesmo ficar de olho pra não se deixar influenciar mas o perigoso , muitas vezes, não é ser derrotado por "eles" é se tornar igualzinho a "eles"*no processo de se fazer a resistência. Foi o que aconteceu com Fëanor, tá vendo que dá pra se usar a filosofia de Nietzsche literariamente e como ensinamento para nossas vidas sem virar ateísta ou agnóstico?
Foi isso daí que transformou os EUA e Israel no tipo de força que são hoje, politicamente perniciosos e corruptos, e com a maior parte da população totalmente crente de que tudo que eles fazem é para o "bem maior" e ignorante dos efeitos da política externa deles sobre o mundo.
Passar a reconhecer a importância do simbolismo e das crenças cristãs subjacentes à obra de Tolkien não vai fazer lavagem cerebral em ninguém
assim como eu posso ler o Presidente Negro de Monteiro Lobato ( livro que ficou fora de catálogo durante décadas porque a doutrina racialista caiu do pedestal) e não sair querendo esterilizar nenhum negro até, porque, se eu fizesse, deveria ter que começar esterilizando meu tatataravô paterno e , provavelmente, me apagando da existência ...
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So great is the bounty with which he has been treated that he may now, perhaps, fairly dare to guess that in Fantasy he may actually assist in the effoliation and multiple enrichment of creation.
Tolkien no ensaio "On Fairy Stories"
Edição mais recente por Ilmarinen : 01-12-2009 em 10:18