O livro Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, apresenta uma sociedade do futuro em que os livros são proibidos. Os bombeiros não são mais os sujeitos que aparecem para apagar incêndios, mas os responsáveis pela incineração das edições clandestinas encontradas.
Mas foi o próprio Bradbury quem afirmou certa vez que, para se destruir uma cultura, era desnecessário queimar livros.
Basta fazer com que as pessoas deixem de lê-los.
Talvez o principal problema das campanhas de incentivo à leitura seja o excessivo foco no livro como objeto. Um objeto é apenas um objeto. É frio e sem vida se está desligado do elemento humano.
Preocupa-se demais com a queima – ainda que simbólica – dos livros. E, para evitar a sua extinção, coloca-se livros à disposição das pessoas. O governo fornece volumes e volumes para escolas, para a alegria de algumas editoras.
Porém, se não houver leitores interessados nesses livros tão disponíveis – e que na internet aparecem aos milhares gratuitamente -, poderemos fazer fogueiras de São João com todas as primeiras edições de Grande Sertão: Veredas e ninguém vai se importar.
Dizer que o livro é uma viagem, que o livro torna você mais culto, mais preparado para a vida, que ele leva você para lugares nunca dantes navegados, aos confins da imaginação… nada disso adianta. Quando esse discurso chega ao homem adulto ele vai encontrar olhos já endurecidos.
O poeta inglês William Wordsworth dizia que o menino é o pai do homem. E se o menino aprendeu a associar a leitura a uma atividade enfadonha, a desconfortáveis carteiras escolares (aliás, senhores educadores, anualmente vocês acabam com a coluna de milhares de crianças), a provas sem sentido de interpretação da obra, não tenha muita esperança na formação de um bom leitor.
Novamente, como não se deve parar de repetir, antes da escola a responsabilidade é dos pais.
Ele, esse mau leitor, vai olhar para a tal campanha – que diz que o livro é uma viagem – e vai pensar que não é com ele, que com ele a mágica não funciona.
O bom leitor, porém, vai concordar.
Mas, ora, o bom leitor não precisa ser convencido. Aliás, o conceito de bom leitor é assunto para um outro artigo.
A verdade é que quanto mais cedo você procura salvar um leitor maiores são as chances de se obter sucesso. Quanto mais voltada para esse leitor for voltada essa ação – e menos para o objeto livro -, também.
O leitor é a estrela nesse processo. O livro – digamos que seja de um autor genial – por si só é brilhante, mas sem o leitor sua luz não se propaga.
Se você salva um livro, você salva um livro. Se você salva um leitor, salva centenas de livros.
No final do livro de Bradbury – se você não gosta de saber finais, pare de ler por aqui -, os rebeldes vão se esconder em uma comunidade. Nela, como não existem mais livros fisicamente, cada pessoa se responsabilizou por decorar por completo uma obra.
Elas se apresentam como “Dom Quixote”, “Mobydick”, “David Coperfield”, além de muitos outros: os nomes dos livros que escolheram guardar em sua memória. Certamente cada livro tem mais de um guardião para garantir que a informação não se perca no caso de alguém morrer.
Uma das cenas mais bonitas é a do pai, no leito de morte, a ensinar o filho as últimas frases do livro que ele guardara de memória e do qual agora o menino passaria a ser guardião.
Considero isso muito simbólico. O livro salvou-se, mas antes salvaram-se os leitores naquela comunidade onde certamente havia amor pela palavra – falada ou escrita – e pela liberdade.
Idéias não podem ser queimadas.