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Notícias Por que pais que não leem desejam tanto ter filhos leitores?

Fúria da cidade

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Rodrigo Casarin
29/01/2019 10h52


"Crianças Lendo", do francês Édouard Vuillard.

No final do ano passado, o Ministério da Cultura e Esporte da Espanha, em parceria com a federação de editores locais, divulgou uma pesquisa apontando que 49,3% dos espanhóis são leitores frequentes, acompanhados de 12,5% de pessoas que leem ocasionalmente. Um outro número seria motivo para comemorar: a quantidade de pessoas que dizem nunca ler caiu de 40,1% para 32,8%. José Guirao, o ministro responsável pela pasta de cultura, no entanto, criticou: disse que ainda é um problema gravíssimo ter um país onde quase um terço dos habitantes nunca lê. Concordo com ele.

Uma reportagem publicada neste domingo pelo El País, contudo, olhou para alguns pormenores da pesquisa. Crianças de 10 anos estão lendo uma hora a menos por semana do que liam em 2017 e o número de adolescentes de 15 anos que se dizem leitoras caiu de 70,4% para 44,7%, uma redução impressionante. O veredito dos especialistas sobre o fenômeno aponta para algo um tanto óbvio: os jovens estão deixando de ler livros para passar mais tempo com o celular na mão, curtindo fotos no Instagram e assistindo a vídeos no Youtube.

Ao indicar uma solução para o problema, uma leitora assídua ouvida pela reportagem enfatizou: "Não podemos exigir nada dos jovens se nós não damos o exemplo. Se queremos que leiam, devem nos ver lendo". O recado é claro: uma pessoa que não lê e que não dá o exemplo da leitura dificilmente conseguirá fazer com que o outro leia. É aí que lembro de um conhecido que há alguns anos resolveu ter filho e agora se desespera com a formação do moleque. O causo é dele, mas a história se repete aos montes por aí. Outro dia, enquanto conversávamos, ele veio com a grande questão:

– Cara, como faço para que meu filho leia mais? Ele está com uns problemas na escola, a professora disse que ele lê muito pouco, em casa mesmo a gente nunca vê ele lendo.
– Você e sua mulher costumam ler? – joguei no ar mesmo sabendo da óbvia resposta.
– Não. Não consigo me concentrar num livro, tô sempre cansado… – blá blá blá.

Para encurtar o papo, o camarada quer que o filho seja um leitor porque sabe que ler é importante, mas ele mesmo não tem a leitura como hábito. Penso desde então: por que pais que não leem desejam tanto ter filhos leitores? Por que dizem se importar com a leitura, ainda que não leiam? A pergunta também pode ser encarada de maneira mais ampla, sem ter filhos na parada: por que tanta gente considera que ler é importante, mas não lê?

Ainda que eu tenha diversas possíveis respostas, é essencial que cada um nessa situação tenha uma discussão consigo e chegue ao próprio um parecer. Agora, para quem deseja ver o filho lendo, o melhor é começar a ler também. Existem alguns caminhos para isso, como sentar a bunda na cadeira e meter a cara num livro ou seguir essas outras sugestões menos diretas. Na reportagem do El País, a assídua leitora fala que todo dia há um momento para a leitura na casa onde vive, antes de todos dormirem.

Seguindo passos semelhantes, uma possibilidade é que os pais reservem um momento do dia para lerem junto com os filhos. Se não quiserem fazer isso diariamente, que guardem uns três dias na semana para tal. Sentem e leiam juntos por, digamos, meia hora. Essa leitura pode até ser dividida entre livros que todos leiam (em voz alta, por exemplo) e livros que atendam ao interesse de cada um, permitindo que apenas compartilhem o momento de silêncio e imersão nas páginas que têm em mãos. Ler não é um hábito que brota do nada, precisa ser plantado e bem cuidado para que exista – e normalmente dê ótimos frutos.

https://paginacinco.blogosfera.uol....e-nao-leem-desejam-tanto-ter-filhos-leitores/

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O fato de muitas crianças e adolescentes não terem interesse em leitura não tem a ver necessariamente com a falta de interesse dos pais, pois muitas vezes a própria criança ou adolescente não tem interesse nisso, por qualquer motivo que seja (mesmo quando os pais são leitores aficionados). E o contrário também acontece, como por exemplo, eu mesmo sempre gostei de ler desde garoto, mesmo sem ninguém na família que tivesse tal hábito. Mas varia muito de um caso para o outro, não há uma fórmula que se repita em todo lugar com todo mundo e o interesse (ou a falta dele) em ler livros é um assunto complexo que não dá pra reduzir a uma só causa.
 
Em outros tempos, quando a educação de pais para filhos era algo bem mais rígido, havia uma grande imposição para que os filhos seguissem e perpetuassem da mesma maneira vários hábitos.

Mas depois que isso passou, hoje vemos claramente que o hábito de leitura muda e se diversifica entre as gerações.

Eu nunca dependi dos meus pais em relação a interesse, pois isso veio de forma natural e eles sempre me deixaram muito a vontade.

Apenas adquiri algumas influências por eles já terem coleções adquiridas de alguns autores e da mesma forma que eles tinham predileções que não curti. Assim é a democracia e não uma tradição mantida por imposição.

Por isso pra mim, estimular é algo positivo e aceitável, mas quando vira uma imposição se torna nocivo e prejudicial e isso não é garantia que é uma solução ideal.
 
O fato de muitas crianças e adolescentes não terem interesse em leitura não tem a ver necessariamente com a falta de interesse dos pais, pois muitas vezes a própria criança ou adolescente não tem interesse nisso, por qualquer motivo que seja (mesmo quando os pais são leitores aficionados). E o contrário também acontece, como por exemplo, eu mesmo sempre gostei de ler desde garoto, mesmo sem ninguém na família que tivesse tal hábito. Mas varia muito de um caso para o outro, não há uma fórmula que se repita em todo lugar com todo mundo e o interesse (ou a falta dele) em ler livros é um assunto complexo que não dá pra reduzir a uma só causa.
O que você fala é verdade, mas ainda assim, as crianças ainda imitam muito o que os pais fazem.
Assim dizendo, sem ver nenhum tipo de dado, acredito que existe uma probabilidade muito maior de uma criança se tornar uma leitora, casual ou frequente, caso os pais tenham o costume de ler. Outra forma também é a famosa aula de literatura, que é algo que eu mesmo tive muito pouco na escola, o que é uma pena. Uma aula de literatura com diversidade, apresentando vários tipos de livros, é capaz de fazer com que uma pessoa encontra um tipo de livro do seu gosto, além de criar uma rotina de leitura, o que leva ao costume (ou não).
Outra coisa que vale apresentar, é o fato que ler um livro é muito mais trabalhoso, e leva a um tipo de entretenimento bem diferente de um vídeo do youtube por exemplo, estes são curtos, com conteúdo raso e muitas vezes "mastigado" o que diminui o esforço de compreensão, além de ser um entretenimento mais lúdico.
 
Muitas vezes o interesse em leitura começa de uma forma bem simples e espontânea, como por exemplo assistir O Senhor dos Anéis, adorar o filme e ter vontade de ler os livros, e depois procurar livros do mesmo autor, e depois livros do mesmo gênero escritos por autores diferentes, e por aí vai, e na hora que você vê já leu dezenas de livros. Em casos assim não foi ninguém que incentivou a criança ou o adolescente a ler, pois ele mesmo tomou a iniciativa. Em relação ao incentivo vindo especificamente dos pais, como eu disse, varia muito de um caso para o outro, podendo a criança ter o mesmo (des)interesse dos pais ou não. Mas digo isso a partir do meu próprio ponto de vista, já que tenho uma personalidade e interesses muito diferentes da maioria das pessoas da minha família.
 
Mas aí tem que se olhar a regra e não a exceção.
Por exemplo, qual a porcentagem de pessoas com hábitos de leitura terem pais com hábitos de leitura? E qual a porcentagem dos casos o hábito de leitura foi uma coisa espontânea? A quantidade de livrarias e bibliotecas influencia? E os preços de livros? Outras áreas mostram que a tendencia é das crianças seguirem os hábitos de suas famílias, principalmente pais ou irmãos, uma das exceções sé o caso do veganismo que vem crescendo, ou do uso de redes sociais, mas podemos dizer que o primeiro era um conceito muito pouco difundido décadas atrás e o segundo nem existia. E mesmo assim, no caso do veganismo, grande parte da mudança de comportamento já começa num período mais adulto, por volta dos 20 anos.
Eu tendo a acreditar, que a probabilidade de uma criança criar um hábito de leitura, em um ambiente onde outras pessoas compartilham desse hábito, é maior do que a espontaneidade.
 
Eu tive uma certa sorte de que apesar de meus pais não serem leitores, a interatividade tecnológica na minha infância ainda era bem baixa, então nós só podíamos usar o vídeo-game em dias chuvosos, quando não dava pra brincar na rua, e a sorte de ter um monte de livros, atlas, enciclopédias, guias bem coloridos e ilustrados. O mesmo seguiu com os gibis da turma da mônica e os livros da coleção vaga-lume (com ótimas ilustrações diga-se de passagem). Na minha percepção o que falha é a introdução e o como chamar a atenção dos novos leitores. Machado de Assis tem crônicas maravilhosas, Dom Quixote é hilário mas são narrativas muito antigas, o que se tem feito pra alcançar esses novos leitores?
 
Realmente, essas obras são incríveis mas muitas vezes não parecem atraentes para leitores mais novos. Já que você mencionou, lembro que quando eu era garoto li alguma coisa da série Vagalume e também lia muitos gibis.
 
Nossa, a melhor coisa. Lembro até hoje, lendo o escaravelho do diabo, ia até a próxima ilustração por que estava empolgado, e voltava rapidão pra continuar lendo até chegar lá.
 
Eu tive uma certa sorte de que apesar de meus pais não serem leitores, a interatividade tecnológica na minha infância ainda era bem baixa, então nós só podíamos usar o vídeo-game em dias chuvosos, quando não dava pra brincar na rua, e a sorte de ter um monte de livros, atlas, enciclopédias, guias bem coloridos e ilustrados. O mesmo seguiu com os gibis da turma da mônica e os livros da coleção vaga-lume (com ótimas ilustrações diga-se de passagem). Na minha percepção o que falha é a introdução e o como chamar a atenção dos novos leitores. Machado de Assis tem crônicas maravilhosas, Dom Quixote é hilário mas são narrativas muito antigas, o que se tem feito pra alcançar esses novos leitores?
Turma da Monica e Edição vagalume são ótimas lembranças, e ótimos introdutores.
Na minha escola infantil tinha algumas edições da turma da mônica na porta da sala dos professores, lembro-me de passar alguns recreios ali lendo. Vagalume veio um pouco mais tarde, mas li boa parte da coleção.
 
. Na minha percepção o que falha é a introdução e o como chamar a atenção dos novos leitores. Machado de Assis tem crônicas maravilhosas, Dom Quixote é hilário mas são narrativas muito antigas, o que se tem feito pra alcançar esses novos leitores?

No meu caso, desde criança sempre adorei ir ao teatro e o exemplo do Dom Quixote é um típico em que ainda bem jovem li o livro, mas só depois de ter conhecido primeiro a peça teatral na escola, porque a história dele foi muito bem caracterizada e encenada no palco e isso aguçou a vontade de ler essa obra.

O detalhe de livros mais chamativos, entre eles os quadrinhos sem dúvida acho muito importante. Por mais que hajam críticos e odiadores aos montes, mas o fato é que quadrinhos são sim uma excelente forma de trazer e aproximar novos leitores, pois as imagens ilustrativas são ricas e convidativas e com a prática regular da leitura se aprende depois a ler imaginando a história sem precisar totalmente delas. A coleção Vaga-Lume era uma espécie de meio-termo entre os dois por ter algumas ilustrações esporádicas ao longo das páginas e capas bem legais, o que acaba sendo muito válido também.
 
No meu caso, por incrível que pareça, a televisão foi fundamental na minha introdução à literatura.
Muitos filmes, desenhos, séries, faziam referência direta ou indiretamente a obras literárias, desde Tintim, Tartarugas ninjas, Batman (nesse caso, tudo HQ), os filmes toscos do Simbad, o marujo, aquele seriado ruim do Hércules, Chapolin Colorado (com esquetes referenciando desde Shakespeare à Cervantes), Pernalonga e Tom & Jerry (que parodiavam O Médico e o Monstro, Os Três Mosqueteiros, Os contos das Mil e uma Noites), uma porrada de filme dos Trapalhões, as animações da Disney, novela da Globo. Além da biblioteca da minha escola que tinha gibi do Asterix à rodo.

Como fui filho único até meus 16 anos, quando não estava brincando na rua, a minha diversão em casa era a TV.
 
No meu caso, por incrível que pareça, a televisão foi fundamental na minha introdução à literatura.
Muitos filmes, desenhos, séries, faziam referência direta ou indiretamente a obras literárias, desde Tintim, Tartarugas ninjas, Batman (nesse caso, tudo HQ), os filmes toscos do Simbad, o marujo, aquele seriado ruim do Hércules, Chapolin Colorado (com esquetes referenciando desde Shakespeare à Cervantes), Pernalonga e Tom & Jerry (que parodiavam O Médico e o Monstro, Os Três Mosqueteiros, Os contos das Mil e uma Noites), uma porrada de filme dos Trapalhões, as animações da Disney, novela da Globo. Além da biblioteca da minha escola que tinha gibi do Asterix à rodo.

Como fui filho único até meus 16 anos, quando não estava brincando na rua, a minha diversão em casa era a TV.

Uma das coisas mais legais é perceber e aprender desde cedo que existe muitas coisas adaptadas da literatura.
Como o teatro foi algo que entrou e enraizou forte na minha vida, meus pais sempre me contavam desde bem cedo a origem literária de cada espetáculo e dali agucei mais essa percepção com cinema e TV.
 
Texto interessante. Na falta de um tópico mais apropriado, coloco aqui.

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‘Paguei para minha filha de 12 anos ler um livro’​

30% dos jovens da idade dela afirmam que nunca ou quase nunca leem por diversão


Por Mireille Silcoff, Em The New York Times

Uma mãe pagou $100 para a filha ler um livro, nos Estados Unidos
Uma mãe pagou $100 para a filha ler um livro, nos Estados Unidos — Foto: The New York Times/Tara Booth


Paguei US$100 (cerca de R$560) para minha filha de 12 anos ler um livro. Entre as estratégias de mãe, esse foi definitivamente um último recurso, e o valor pago foi certamente excessivo. Não posso dizer que estou orgulhosa — mas estou extremamente satisfeita. Porque o plano funcionou. Funcionou tão bem que sugeriria a outros pais de leitores relutantes abrirem as carteiras e corromperem seus filhos para ler também.

Minha filha é uma garota muito esperta, definitivamente mais inteligente do que eu era aos 12 anos. Mas até o suborno, ela nunca havia lido um livro inteiro por prazer. Lia para a escola, porém fazê-lo era como arrancar dentes, e por conta própria, ela tinha lido alguns quadrinhos e ouvido os audiolivros da série “Harry Potter”. Nenhuma dessas atividades se tornou um ponto de partida para um hábito do que chamaria de leitura profunda clássica — com dois olhos na frente do papel e mais nada acontecendo.
Quando encarei essa verdade alguns meses atrás, parecia uma falha na criação. Mesmo tendo lido muitos livros infantis quando ela era mais nova e vivermos em uma casa cheia de livros, não consegui incutir um dos prazeres fundamentais da vida em minha filha.

Pouco antes da pandemia, uma pesquisa americana desanimadora revelou como a leitura por prazer havia diminuído entre as crianças. Quase 30% dos adolescentes de 13 anos disseram que “nunca ou quase nunca” liam por diversão, um aumento substancial em relação aos 8% que disseram o mesmo cerca de 35 anos antes. Dado que o tempo de tela entre as crianças também aumentou significativamente durante a pandemia, é justo concluir que a leitura recreativa é uma busca cada vez mais ameaçada entre as crianças.

Para aqueles de nós que são leitores de longa data — que valorizam os móveis empilhados com torres de livros prestes a cair; que guardam em mente como amigos as ideias e os personagens que coletamos ao longo dos anos a partir da página impressa — transmitir a importância da leitura não deveria ser difícil. Todos nós entendemos como a leitura enriquece a nossa experiência. No entanto, achei estranhamente difícil comunicar qualquer uma dessas ideias para minha filha relutante em ler. Ela dizia que não gostava de ler. Além disso, ela não se importava em gostar. E não via isso como um problema. Muitos de seus amigos, explicou, simplesmente “não estavam a fim”. Percebi que, se quisesse transmitir a alegria da leitura para minha filha, precisava esclarecer o que a alegria significava para mim.

Certamente, o fato de minha filha ter ganhado um smartphone no ano passado — um iPhone usado com uma infinidade de controles parentais e limites de tempo embutidos — é parte do problema. Antes do telefone, tinha uma criança que era como um tigrão sociável, dando gritinhos de prazer com algo tão simples quanto uma nova sobremesa esfriando na geladeira. Depois do telefone, uma “preguiçosa” monossilábica que só queria ficar no quarto com as persianas fechadas, a porta fechada, debaixo de um edredom, segurando aquele pequeno retângulo como se soltá-lo fizesse sua vida social desaparecer. Se não eram os amigos ou o telefone, era apenas uma coisa: “entediada.”

Você já tentou, alegremente, dizer a um quase-adolescente que está passando por algumas horas de bloqueio parental do telefone para pegar o antigo conjunto de aquarelas? Ou, talvez, tentar origami? A menos que queira que seu cabelo caia instantaneamente de tanto ser olhado com desprezo adolescente através de pequenas frestas, sugeriria não fazer isso.

Mas mantive a esperança com a leitura. Porque via que o que minha filha estava procurando, assim como tantos da idade: uma fuga. Isso parecia apropriado do ponto de vista do desenvolvimento. O problema: o jeito mais fácil para ela encontrar essa fuga era mergulhar no caos viciante do smartphone.

Então, fiz uma campanha. Disse que ela precisava ler porque os romances são a melhor maneira de aprender sobre como funciona o interior das pessoas. Ela disse que poderia aprender mais assistindo às pessoas que seguia nas redes sociais, que estavam sempre expondo os sentimentos.

Eu disse que os livros ofereciam narrativas. Ela respondeu, “Netflix.”
Eu disse que os livros ensinavam história. Ela respondeu, “A internet.”
Eu disse que ler a ajudaria a entender a si mesma e ela disse, “Ah, não, obrigada. Vou só viver.”

Prometi, de forma extravagante, que compraria todos os livros que ela quisesse e construiria estantes de livros em seu quarto, para que pudesse ver as lombadas de todos os livros que amava da cama dela. Ela respondeu, “Mamãe, bem-vinda ao seu sonho”.

Percebi que não podia vencer nossos debates, porque poucos dos argumentos dela contra a leitura me pareciam errados. Sim, ler é uma maneira de ampliar seu universo e descobrir novos mundos — mas a internet inteira também faz isso. Então essas discussões, que nos irritavam, inevitavelmente se reduziriam a eu tentando argumentar sobre cognição e atenção e como a leitura é “boa para você.”

Isso não era o motivo pelo qual queria que minha filha pegasse um livro. Não se tratava de otimizar sua função cerebral, mas de experimentar uma certa mágica sutil. Você sabe quando um autor resume um sentimento que você nem sabia que tinha, e uma centena de lâmpadas se acendem na sua cabeça em uma espécie de epifania? Queria que ela tivesse a chance de sentir isso. Como Neil Postman escreveu em 1982 em “O Desaparecimento da Infância”, um meio baseado em tela, como TV ou vídeo, não pode criar esse tipo de relação porque, por sua natureza, o meio deve preencher todas as lacunas. Os livros deixam espaço para lacunas — e para a invenção interna que podem inspirar.

Então decidi cortar toda a argumentação com uma dureza prática: dinheiro. Disse à minha filha de 12 anos que pagaria 100 dólares para ela ler um romance. Ela disse, “O quê? Sério?”
Então, é claro, ela disse sim.

Conversei com amigos com filhos adolescentes sobre qual livro funcionaria para despertar seu desejo de ler. Enquanto alguns sugeriram coisas como “O Pequeno Príncipe” e “O Morro dos Ventos Uivantes”, o livro sugerido com mais frequência por pessoas que conheciam minha filha foi “Para Todos os Garotos que Já Amei”, de Jenny Han, que havia sido transformado em uma popular série da Amazon Prime que minha filha havia assistido e adorado.

Fechei o acordo: 100 dólares se ela terminasse o livro dentro de um mês. Em seguida, embarcamos em umas férias na praia, junto com meu namorado, para uma romântica ilha grega — um evento prolongado envolvendo corpos de meia-idade em trajes de banho tão constrangedores para uma menina de 12 anos que era melhor não olhar para cima. Perfeito!

As férias duraram oito dias, e antes que o sétimo dia acabasse, minha filha já tinha terminado o livro. Quando voltamos para casa, ela pediu a sequência, e terminou essa também em cerca de duas semanas — sem custo adicional.

Isso levará a ela ler “Mulherzinhas”? A devorar “O Apanhador no Campo de Centeio” e “Dentes Brancos”? Resultará em uma longa vida de leitura cheia de pilhas de livros em seu criado-mudo que ela virá a ver como amigos, professores, animadores e bálsamo para qualquer problema do dia?

Não sei. O que sei é que minha filha agora tem 100 dólares em novos itens da Sephora que eu passei o ano passado me recusando a comprar. Também sei que, juntas, finalmente abrimos um novo portal para ela para a página impressa: um lugar pessoal e tranquilo que imagino — espero — que a sirva por uma vida inteira. Isso parece o melhor dinheiro que eu já gastei.

 
Percebi que não podia vencer nossos debates, porque poucos dos argumentos dela contra a leitura me pareciam errados. Sim, ler é uma maneira de ampliar seu universo e descobrir novos mundos — mas a internet inteira também faz isso. Então essas discussões, que nos irritavam, inevitavelmente se reduziriam a eu tentando argumentar sobre cognição e atenção e como a leitura é “boa para você.”
A mãe já começa errada, ao concordar que a internet inteira também faz o que a literatura pode fazer pelo leitor. O benefício cognitivo é secundário, e o "bom pra você" talvez seja genérico demais pra satisfazer uma criança determinada a não ler nada rs. Em que sentido é bom pra ela? Pelo diálogo anterior, a criança nem parecia disposta a conhecer-se a si mesma, mas apenas em "viver"... >__>"

Sobre isso, gostaria de remeter a um artigo do poeta e crítico literário Emmanuel Santiago, cujos trechos podem dar uma melhor dimensão do que a literatura pode fazer, de fato:

"O texto literário suscita um tipo peculiar de aprendizagem, que opera muitas vezes num nível inconsciente e de maneira assistemática, mas que vai informando (esclarecendo e formalizando) nossa experiência subjetiva. [...]

Além disso, a literatura, por meio da imaginação, engendra um mundo à imagem e semelhança do homem, atribuindo significado humano à nossa vivência da realidade. Nesse mundo, impressões “vagas e desorganizadas” assumem uma forma inteligível.

O texto literário é ferramenta de descoberta de si e do mundo. Por meio dele, percebemos mais claramente o que parece difuso e indeterminado. Uma experiência bastante comum dessa sua propriedade temos quando, ao ouvir a letra de uma música ou ao ler um poema, pensamos “isso parece ter sido escrito para mim”, o que decorre do fato de o texto formalizar e tornar perceptíveis sensações, intuições e afetos que, até então, acumulavam-se informes e caóticos em nossa vida interior. [...]

Como a literatura não se limita à nossa experiência sensível ou subjetiva, mas à imaginação, ela se torna também uma ferramenta de autoinvenção: por meio dela, vivenciamos e concebemos o que não somos e o que ainda não sabemos nem sentimos, transformando-nos durante o processo. Ler um texto literário é experimentar-se outro, abrindo-nos a senda da alteridade. Carregamos um pouco de cada autor, de cada obra que nos marcou, o que significa que fragmentos de leitura passam a nos constituir subjetivamente. Porém, essa marca, esse poder de o texto literário imprimir-se em nossa alma, não tem necessariamente a ver com diversão, muitas vezes confundida com mera distração, ou com qualquer tipo de catarse. Há leituras que são verdadeiramente penosas e perturbadoras, das quais emergimos mais angustiados.

O exercício da alteridade na leitura literária possui ainda outra consequência desejável: vivenciando, na imaginação, emoções e pensamentos que não os nossos, estimula-se a empatia e o respeito às diferenças, tanto do ponto de vista individual quanto do cultural. Além de nos colocar “na pele” de outras pessoas, chamando a atenção para as múltiplas posturas existenciais possíveis, a leitura, facultando a imersão no imaginário de outras culturas e épocas, ajuda a perceber as continuidades e descontinuidades do processo histórico e a relativizar determinados pressupostos que, parecendo universais a nossos olhos, são, na verdade, produtos de uma conjuntura particular. Mirar-se no espelho da diferença é também um modo de nos percebemos de maneira mais consciente.

Recomendo o artigo, partes I e II (logo mais sai a III). Na parte II, por exemplo, ele já abre o texto com uma voadora:

O ensino de Literatura no Brasil, conforme as diretrizes federais, baseia-se num equívoco fundamental: a inclusão da Literatura na área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, quando, na verdade, ela está mais próxima às Ciências Humanas. Isso evidencia uma abordagem do fenômeno literário que tende à unidimensionalidade, prevalecendo um entendimento instrumental da leitura. A matéria da literatura não é a linguagem verbal — esta é apenas o meio pelo qual ela se realiza. A matéria da literatura é a experiência humana em seus múltiplos aspectos — psicológicos, sociais, históricos e, para quem acredita, espirituais —, transfigurada pela imaginação numa forma de expressão simbólica.

Retomando, contudo, a notícia:

Fico feliz pela criança, se dessa experiência ela sair uma leitora. E principalmente se não ficar presa a ler best-sellers açucarados. E feliz pela mãe, se ela de fato conseguir isso com um investimento simbólico de cem dólares. :lol:
 
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