Revi o filme antes de ver o ep. 9. Os problemas de roteiro que eu apontei
aqui [1] continuam sendo incômodos. Em especial, a luta de Luke é passível de crítica em vários níveis: (1) Do ponto de vista de Luke, não havia motivo plausível para ele lutar - é dito que ele queria atrasar o exército inimigo para os rebeldes fugirem, mas fugirem como, se a caverna onde os rebeldes estavam não tinha saída? Rey chegou por acaso. Vai me dizer que à distância ele analisou a geografia do local, viu que daria pra saírem e orientou a Rey...?!?! (2) Se o plano realmente fosse algo desse tipo, Luke teria comunicado aos rebeldes, mas eles adivinham a existência da saída por sorte, através de um pensamento errado ("Luke entrou aqui, deve existir uma saída"). (3) A necessidade do Luke se desgastar através de uma aparição intergalática também era evitável - ele teve décadas para pensar sobre seu papel na atual configuração do mundo, poderia ter acompanhado Rey ao planeta, mas decide partir apenas quando a Rey já tinha partido.. Quer dizer, o aspecto mais surpreendente do ato derradeiro do Luke foi apenas para compensar sua teimosia... (4) Sei lá, valeu a pena o Luke fazer esse sacrifício para atrasar o inimigo por 10, 15, 30 min? Não havia jeito mais eficiente? Nem houve luta de verdade... (5) Vale lembrar que o sacrifício de Luke só se fez necessário por causa da rebelião de Dameron contra a general Holdo e da aventura de Finn que daí se seguiu, o que também era bastante evitável, bastava os personagens terem conversado e terem tido bom senso.... Todo o arco do Dameron não tem cabimento, se houvesse um mínimo de realismo ele teria que ser condenado a morte (ou, ok, sendo um filme da Disney, expulso da Resistência) pela bagunça despropositada que causou, mas o filme vê todo o transtorno como uma "lição aprendida" por Dameron e que o capacitou para liderar os rebeldes, e ainda rendeu um clima bastante alegre na cena final... Enfim, estabelecer que a general Holdo tinha um plano para salvar a todos e que o motim de Dameron foi despropositado serviu à necessidade de surpreender (
gotcha!) à custa da coerência do roteiro e da integridade dos personagens.
Um problema maior do filme é que ele não pareceu se compreender como um segundo episódio de uma trilogia. Não dá pra colocar um monte de questões em um primeiro filme, para no segundo considerá-las pouco relevantes, como os pais da Rey, a origem do Snoke, a devoção de Kylo a Darth Vader, a busca pelo Luke.... A pegada "não é preciso ser Skywalker, cada um é dono de sua história, Força democratizada, bora olhar para o futuro" é bem interessante, poderia ter originado um bom terceiro episódio, ou melhor, um bom filme isolado, como Rogue One. ... mas não cabe em um filme do meio: não harmoniza o bastante com o ep. o 7, e pior, não deixa espaço para continuação... Repare que dá muito bem para pensar que o ep. 7 e 8 formam uma duologia (não tão harmônica, mas vá lá), e fingir que o ep. 9 não existiu. Talvez seja o melhor a fazer com respeito a essa trilogia.
Até faria mais sentido, porque Kylo Ren, uma vez que mata o pai, não parece passível de redenção... E a luta entre Primeira Ordem e Resistência no fundo é um repeteco em miniatura de uma história já contada, provavelmente haverá inúmeras lutas desse tipo no futuro da galáxia, logo é algo cuja conclusão não é de grande interesse....
Enfim, o ep. 9 é horrível, mas boa parte foi porque o ep. 8 decidiu praticamente terminar a história numa pegada de "seremos resistência!" ao invés de prosseguir com os direcionamentos do ep. 7 e preparar terreno para o ep. 9. Teria sido melhor se a trilogia tivesse o mesmo diretor, ou ao menos o mesmo roteirista. Prevejo que os fãs do futuro vão olhar essa trilogia como parte do universo expandido, e vai ser menos canônica do que a hexalogia do George Lucas. Como era mais ou menos o sistema de antigamente (antes do envolvimento da Disney), em que as obras não eram apenas canônicas ou não-canônicas, mas tinham diferentes graus de canonicidade. O que é interessante, e lembra as mitologias antigas, em que havia histórias mais canônicas (como Homero), mas inúmeras histórias menos canônicas e conflitantes entre si. Em Star Wars, G-canon era o maior grau (os filmes de George Lucas), e o C-canon era o grau de continuidade mais padrão, dos livros e quadrinhos... S-canon (secondary canon) eram histórias ainda menos canônicas, e que não entravam na Star Wars Databank, pois contradiziam histórias mais célebres do C-canon... Mais tarde surgiu um T-canon, com a série da TV, The Clone Wars, que passou a reescrever muito do que o C-canon tinha estabelecido sobre as guerras clônicas, mas ainda assim era algo com menos canonicidade do que o G-canon, pois não tinha uma coautoria do George Lucas (G > T > C > S). E faz sentido, afinal a série tem vários elementos estranhos ao espírito da hexalogia, como o retorno de Darth Maul, Anakin ter uma aprendiz, etc.
[2] Esse canon da Disney para a Nova República deverá ser um canon próprio, um D-canon, abaixo do G-canon e quiçá do C-canon...
Curiosamente, George Lucas nunca permitiu que autores escrevessem, no contexto do C-canon, histórias sobre a juventude de Anakin e a queda da República, pois pretendia ele próprio fazê-lo... O mesmo não aconteceu com o período após o ep. VI. Quer dizer, essa história que a Disney empurra em propagandas, de que o ep. 9 é o "fim da saga Skywalker", é forçada pra caramba.
A história Skywalker terminou no ep. III em 2005, ou no ep. VI para os mais puristas. Episódios da Nova República (após a morte do imperador), ainda que GL tivesse planos para escrevê-los, sempre foi com o espírito de começar um novo projeto, e não de dar um prosseguimento a um mesmo arco narrativo...