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Tópico Polêmico: Guimarães Rosa não é um bom escritor

Oi Spartaco.

Nesse ponto eu concordo inteiramente:

"Ademais, suas narrativas, em sua maioria, são repletas de casos fantásticos e imaginários, o que torna a leitura do livro muito prazerosa."

A história do "Grande Sertão: Veredas", por exemplo, é maravilhosa. Também "A Hora e a Vez de Augusto Matraga": uma verdadeira tragédia. E aquele conto "Meu tio, o Iauaretê" também é muito legal.

Mas acho que Rosa poderia ter obtido efeitos muito mais grandiosos e duradouros se tivesse usado uma linguagem simples, ou se tivesse verdadeiro talento poético (o que ele, em meu ver, não tinha). Seus enredos e personagens, porém, são coisa de primeira qualidade.
 
Cara, na boa, achei chatona essa tua retórica. Quer discutir Guimarães Rosa? Ao invés de abrir um tópico com "BOMBA!¹ Não gosto de Guimarães Rosa, leiam minha longa opinião em que provo por A+B que ele não escrevia bem e comentem sobre ela!", tu podia ter ido num tópico que já existe (e deve existir, se não existir, tu cria) e puxado assunto sobre o Guimarães Rosa, não sobre a tua opinião sobre ele. Uma coisa interessante de se levar em consideração em uma discussão é que a nossa opinião pessoal sobre qualquer coisa é plena de irrelevância, o que importa mais é tentar construir um entendimento, já sabendo que no final cada um vai acabar com um entendimento próprio e, possivelmente, mais bem construído do que aquele inicial, etc, etc...

___
¹ "...para dançar isso aqui é BOMBA!"
 
Rodrigo Lattuada, para vc tiro o chapéu.

Vc tem razão: o nome do tópico está muito ruim mesmo (falha nostra). Mas daquilo que vc falou, gostei sobretudo disso:

"Uma coisa interessante de se levar em consideração em uma discussão é que a nossa opinião pessoal sobre qualquer coisa é plena de irrelevância, o que importa mais é tentar construir um entendimento, já sabendo que no final cada um vai acabar com um entendimento próprio e, possivelmente, mais bem construído do que aquele inicial"

Touché, meu amigo, touché.

Ah! Gostei de sua assinatura!

"Oh, for the countless things one fails to do!"

Esse é um uivo que aflige a vida de todos (sobretudo dos escritores)
 
O único livro que li de Guimarães Rosa foi Sagarana (todos os contos). Eu gostei muito da respectiva leitura, tanto pelas histórias em si, como pelos recursos que o escritor utiliza, principalmente os neologismos.

Ademais, suas narrativas, em sua maioria, são repletas de casos fantásticos e imaginários, o que torna a leitura do livro muito prazerosa.

Isso porque Sagarana é o pior livro dele.

Oralidade ficta: criada a partir de modelos orais mediante a palavra escrita.

Quanto a polêmica, eu não vi argumentos bons apresentados para rebater. Guimarães Rosa era um ótimo escritor, para não dizer estupendo, irrepreensível, inefável, ele tinha ipseidade e tantos outros adjetivos. Ele era roseano, esse talvez seja o melhor adjetivo, a melhor explicação. A linguagem de rosa é a sua literatura, como a linguagem de Joyce era a literatura dele. Beckett e Pynchon idem.
 
Nunca li Guimarães Rosa, por isso, "com vênia ao Relator", não entrarei no mérito da discussão.

Mas acho tããão cansativa essa história de dizer TAL AUTOR NÃO PRESTA simplesmente porque EU não gostei do jeito que ele escreve.
 
Uau quantas comparações! Já entendi pq você não gostou do Guimarães Rosa.
Você colocou na sua cabeça que Tolstói , Dostoiévski e Shakespeare são bons e que nada se compara! Tente fazer uma leitura imparcial pra ver se melhora!
Mas mesmo assim as vezes a gente não gosta mesmo de um autor mas isso não quer dizer que ele não seja um bom escritor.
 
Oi Lynoca.

Vou seguir seu conselho:

"Tente fazer uma leitura imparcial pra ver se melhora!
Mas mesmo assim as vezes a gente não gosta mesmo de um autor mas isso não quer dizer que ele não seja um bom escritor."

Mas só queria dizer também que adorei seu avatar! rsss: muito gatinha essa bonequinha dentro da taça. Que drink seria esse? Um Dry Martini?

Beijos:beijinho:
 
Talvez o que esteja te atrapalhando em sua argumentação é que você está tentando analisar o cânone literário como algo fixo... Na verdade, o cânone literário é um produto fundamentalmente cultural. Não dá pra você querer analisá-lo de forma minimamente séria sem tomar isso como base... Assim, quando você fala que Rosa não chega nem aos pés dos grandes gênios das letras, resta não apenas definir quem eles são, mas definir sua posição histórica e a nossa própria posição histórica. Afinal de contas, Shakespeare só se tornou Shakespeare mundialmente com o advento do Romantismo, com toda a tradição de traduções que os alemães criaram sobre o Bardo (Tieck, Schlegel). Outro exemplo engraçado sobre o Shakespeare é o de que ele não escrevia para ser um "gênio nas letras". Como diz o título da coluna da Anica, Shakespeare escrevia por dinheiro. Se ele tivesse que apostar suas fichas em uma obra pra imortalidade, ele apostaria talvez no Venus and Adonis, nos Sonetos... Dificilmente ele apostaria em Hamlet.

O mesmo nós podemos falar do Omar Khayyam: o que nós do Ocidente conhecemos dele é praticamente o que o Edward Fitzgerald traduziu... Fora disso a coisa é praticamente erma! E isso se dá a tal ponto que um cara como o Fernando Pessoa em pleno século XX revive o Omar Khayyam na poesia de língua portuguesa não a partir do árabe, mas a partir de Fitzgerald!

Outros dois comentários:

-- Picasso não pode ser comparado a Michelangelo :timido: Acho que você quis comparar Picasso a Da Vinci, que seria mais plausível...
-- O fato do Rosa ser lido por acadêmicos não diz muito sobre seu valor... Aliás, isso apenas diz respeito sobre nossa cultura, nível educacional ou que outro viés você quiser pegar. Não é uma questão de que ele escrevia ou não para o povo; é uma questão de que o povo não tem educação suficiente para lê-lo. E aí novamente entram os processos culturais...
 
1 - Minha tia, minha vozinha, meu periquito não conseguiram ler Rosa, mas gostaram de ler Tolstoi.
LOGO
Tolstoi > Rosa.

CONTUDO,
SE
Minha tia, minha vozinha, meu periquito não conseguiram ler Tolstoi ou Shakespeare, mas já leram e amaram todos os livros do Paulo Coelho,
LOGO
Paulo Coelho > Tolstoi/Shakespeare

Vendagem e acessibilidade é critério de qualidade da arte agora?



2 - Porcariazinha feita pelo Picasso ao 16 anos...
 
Mavericco, agora você tocou num ponto crucial: o maior paradoxo da história da literatura: que Shakespeare, o maior de todos os escritores, escrevia suas peças sem se dar conta de sua grandeza, e que meramente queria ganhar seu dinheiro.

Um grande ensaio de Ralph Waldo Emerson intitulado “Sobre Shakespeare” faz menção a esse paradoxo:

“Relembremos o texto retumbante do Alcorão: ‘Os céus e a terra, e tudo o que entre eles se encontra, pensais que foi criado por brincadeira?’ [...]
Fosse ele menor, houvesse apenas alcançado a dimensão comum aos grandes escritores, Bacon, Milton, Tasso, Cervantes, poderíamos relegar o fato ao crepúsculo do destino humano; mas esse homem entre os homens, que conferiu à ciência da mente uma temática nova e maior, sem precedentes, e avançou os padrões da humanidade centenas de metros em direção ao caos, que tal homem não se valesse da própria sabedoria... Haverá de entrar para a História que o melhor poeta levou uma vida obscura e profana, dedicando o seu gênio ao divertimento do público.”

Essa questão é um dos grandes assombros dos estudiosos da literatura; é como Emerson diz: “Haverá de entrar para a História que o melhor poeta levou uma vida obscura e profana, dedicando o seu gênio ao divertimento do público.”.

Eu, no entanto, acredito que Shakespeare sabia muito bem de seu valor, e que tinha prazer em inovar cada vez mais, em tornar seu trabalho cada vez mais complexo e variado. Um exemplo disso é que sempre que ele realizava uma coisa de forma que achava perfeita, ele não se repetia, e partia para novos objetivos.

Também acho que a necessidade de escrever rápido, e o pensamento de que sua obra é apenas uma forma de ganhar dinheiro, é algo que pode, de forma estranha, servir de ajuda ao escritor: se você não fica o tempo todo parando e esperando pela perfeição, pela palavra e frase perfeitas, pelo enredo mais grandioso e significativo... se você não se leva tão a sério, acho que o peso de ter de criar todos os dias uma obra original não acaba esmagando-o.

A grande curiosidade a respeito de Shakespeare é a de que ele apenas se preocupou com a publicação de dois poemas hoje pouco lidos (“Vênus e Adônis” e “O Rapto de Lucrécia”), ao passo que pouco ligava para a pirataria que corria solta com suas peças (onde várias versões deturpadas e mutiladas eram publicadas por editores-pirata e vendidas nas ruas). No entanto, existem cada vez mais evidencias (como no maravilhoso livro “Shakespeare at Work”, de John Jones) que mostram que Shakespeare era um grande revisor de suas peças: ele aparentemente fazia várias alterações e correções em suas peças, anos após elas terem sido escritas pela primeira vez: isso demonstraria carinho e preocupação com relação a sua própria obra.

Mas mesmo assim o aparente descaso de Shakespeare para com suas peças continua sendo um dos enigmas mais perturbadores da história da literatura.
 
Cerberus:

Eu sei muito bem que Picasso começou como pintor realista, porém no século XIX existiam muitos realistas, e picasso, muito cedo em sua vida, deu-se conta de que ele não era o melhor em matéria de realismo (fonte para essa afirmação: Picasso, de Gilles Plazy, editora L&PM): muitos outros pintores o superavam (e é claro que existe uma enorme diferença entre tais quadros realistas e alguém que, além de passar horas e horas trabalhando para esculpir David e Pietá, também foi capaz de dominar a arte do afresco (que desprezava - Michelangelo não gostava muito de pintar) e cobrir todo o teto de uma capela com uma das representações mais colossais e terríveis da humanidade.

E, em meu entender, a capacidade de comover muitas pessoas, de várias áreas diferentes, de vários níveis de instrução diferentes, é sim, um dos maiores critérios de qualidade de arte. Paulo Coelho vende muito, é verdade, no entanto todos os críticos, os leitores esforçados, os escritores e conhecedores de literatura o desprezam. Paulo Coelho, porém, pelo menos tem um público: o das pessoas mais simples (ocorre, no entanto, que ele jamais será capaz de comover pessoas que já tiveram o prazer de conhecer a obra de grandes escritores - os clichês vão logo ser percebidos).

Tolstói, no entanto, além de sempre agradar o público em geral (vendia muito na sua época, e vende muito hoje), também sempre deixou todos os críticos e leitores experientes fascinados: ele sempre foi capaz de conquistar a todos, de comover a todos.

Guimarães Rosa, porém, conforme percebi, é muito louvado por estudantes de literatura, professores, alunos de filosofia, e demais mebros de setores acadêmicos. As pessoas em geral, no entanto (e muitos leitores de qualidade, que adoram ler obras complexas) não conseguem ler seus livros, nem gostar deles. Muitas dessas pessoas, porém, continuam dizendo que o autor é grande e importante (apesar de não conseguirem gostar de seus livros).

Acho que devemos sempre tentar criar obras que sejam capazes de obter a admiração de todas as pessoas. As pessoas comuns não são assim tão ignorantes e burras como muitos querem que elas sejam; um exemplo: a minissérie do Grande Sertão fez sucesso, pois ela tratou a história do livro de forma simples e direta.

Conheci muitos estudantes de literatura, e tenho de dizer que muitos deles apresentam um desprezo pelas pessoas em geral que não consigo entender. Qual o valor de ser lido apenas por seus amigos-estudantes e por professores, ou de ser amado por alguns críticos mas não significar nada para as pessoas em geral?

Não quero dizer que o povo deva ser tido como o critério crítico mais importante; não, nada disso. Mas não acho que a criação de uma obra hermética e desnecessariamente complexa deva ser motivo de tão grande orgulho. De que adianta passar anos e anos produzindo um "Finnegans Wake" apenas para um punhado de experts serem capazes de ler?

A moral é a seguinte: produzir algo que é ao mesmo tempo complexo e original, mas que também seja belo e simples; algo que seja extremamente dificil de produzir (que quase ninguém consiga produzir, na verdade) mas que todos possam apreciar (algo que cative a admiração de quase todos)...produzir algo como os afrescos da Capela Sistina: a moral é que isso e muito, mas muito complicado de fazer - não é todos que conseguem produzir arte assim.

Muitos acham que estou sendo arrogante ao criticar Rosa (na verdade estou só dando minha opinião), mas me digam vocês: não é arrogância dizer que a maioria das pessoas são burras e pouco-talentosas apenas por que não conseguem ler "Finnegans Wake"? Conheci muitos estudantes e professores assim, e não posso concordar com eles.

Mas não fique brabo comigo. Mesmo que vc ficar vou continuar apreciando e comentando seus poemas:sim:

Abração
 
Eu não fico brabo, não.

Com relação ao Michelângelo e o Picasso, acho completamente inócuo dizer que Picasso seria incapaz de pintar um teto de igreja. Ele já morreu e não poderá provar a você que está errado. Picasso viveu numa época em que já não se pintavam tetos de igreja, já não se faziam essas coisas exageradamente gloriosas, e comparar as duas situações simplesmente assim é covardia e burrice. Eu pessoalmente acho que os afrescos do Michelângelo são, em sua maioria, bastante desprovidos de inspiração. A mim não me provocam nenhum sentimento especial além de um bocejo ocasional. Para mim, a famosa Capela Sistina é um baita afrescão, sim, mas é muito mais grande do que grandiosa. Ademais, acho que podemos nos ater à questão levantada no tópico e ficar unicamente com a literatura para discutir.


"Paulo Coelho, porém, pelo menos tem um público: o das pessoas mais simples"
E o Rosa tem o público dele, com você bem disse. E daí?
Não é nenhuma novidade no mundo a de que as pessoas simples sejam maioria absoluta.

Você realmente acha que todo o mundo gosta de Shakespeare como você? No Brasil, pouquíssimos o leem no original, e os muitos que o leem traduzido quase sempre vão pelas traduções simplificadoras do Millôr e semelhantes. Ponha as traduções em versos do Nunes ou da Heliodora na frente do leitor comum e veja se lhe agradam. Du-vi-do. Mas falo de leitura mesmo. Ver filme baseado na sua obra não conta, porque a razão é a mesma de a minissérie do "Grande Sertão: Veredas" ter tido aceitação fácil no público.

E por fim, acho uma puta covardia comparar o Bardo, que é praticamente consensual entre a crítica especializada ser o maior escritor de todos os tempos, um cara que teve quatrocentos anos para fixar seu nome e que escreveu numa língua que calhou universalizar-se, com o Rosa, que teve pouco mais ou menos que cinquenta anos para fazer nome e escreveu numa língua sem nenhuma importância no cenário mundial nos últimos quatrocentos anos. Covardia porque é fácil demais apegar-se àqueles nomes do cânone universal que são intocáveis; eles se defendem por si mesmos praticamente.
 
Bem lembrado. Tem um tópico por aí com citações pouco elogiosas de escritores para escritores.
 
"E por fim, acho uma puta covardia comparar o Bardo, que é praticamente consensual entre a crítica especializada ser o maior escritor de todos os tempos, um cara que teve quatrocentos anos para fixar seu nome e que escreveu numa língua que calhou universalizar-se, com o Rosa, que teve pouco mais ou menos que cinquenta anos para fazer nome e escreveu numa língua sem nenhuma importância no cenário mundial nos últimos quatrocentos anos. Covardia porque é fácil demais apegar-se àqueles nomes do cânone universal que são intocáveis; eles se defendem por si mesmos praticamente."

Mas será que eu não ataquei alguém intocável? O pessoal ficou bem chateado com uma crítica ao Rosa aqui no fórum.

Quanto a Picasso, ele próprio provou que não conseguia superar os grandes mestres do passado. Em primeiro lugar, Picasso sempre dizia que, desde muito jovem, conseguia desenhar da mesma forma que Rafael. Ocorre que desenhos seus da infância quase não sobreviveram, e ele (segundo relatos) destruiu muitas dessas obras iniciais, para erradicar as provas de seus aprendizado. Os que sobrevivram, porém, não são brilhantes como Picasso queria que as pessoas acreditassem.

Mais importante que isso, porém, é o relato de uma de suas últimas esposas, Jacqueline Roque. Ela e Picasso foram morar numa casa de campo, e lá, no andar de cima da casa, num sótão, Picasso se retirava para trabalhar. Ele tinha cópias de grandes obras dos antigos: Da Vinci, Rembrandt e Velásquez. Pois bem: ele estava tentando reproduzir as obras, e Jaqueline disse que podia ouvir ele batendo os pés com raiva no chão, e que ele descia depois com raiva, de mau humor, e ficava reclamando de não consegir, de que não estava progredindo. Ou seja: quando ele por fim quis provar para si mesmo que conseguia competir com alguém como Da Vinci, ele apenas estragou seu humor, pois ele não tinha habilidade para realizar o mesmo que Da Vinci. Sempre gostei de pintar, desenhar e modelar, e acredite: afrescos são muito mais complexos do que pinturas a óleo. Então, se ele estava tendo dificuldades com a pintura a óleo, imagina com um gigantesco afresco? Não que seja importante isso: Picasso era mais um artista original do que um artista dotado de ampla capacidade técnica.

Bem, as traduções em verso de Shakespeare, de fato, são mais complicadas para as pessoas. Porém acho que as traduções do Carlos Alberto Nunes usam muitas palavras que tornam Shakespeare ainda mais complicado (parece até o Houaiss traduzindo Joyce). Já a Bárbara é um caso à parte. Quando ela traduz os versos de Shakespeare em livros técnicos (como os maravilhosos "A Linguagem de Shakespeare", de Frank Kermode, e "A imagística de Shakespeare", de Caroline Spurgeon) ela o faz de forma exata: não tenta abreviar nada, e usa um verso livre (não tenta usar decassílabos). Já as suas traduções das peças mesmo (nas quais ela tenta usar o mesmo numero de versos que Shakespeare, mas com decassílabos, de forma que tem de cortar várias palavras e expressões) são muito ruins, não por culpa dela, mas simplesmente por ser impossível usar o mesmo número de versos em português do que no original inglês e ainda por cima respeitar a métrica. Ou seja: as traduções em verso da obra de Shakespeare muitas vezes não são adequadas.

Mas vc tem razão: não são tantas pessoas que lêem o Bardo em verso; as traduções em prosa (como as da L&PM) imperam. E são realmente os filmes e minisséries sobre sua obra que tem maior público; o teatro, porém, também é muito frequentado.

Não estou mais com vontade de discutir Rosa..rss.. Acho que vc tem razão: ele tem o público dele, e ponto final. E como vc disse: os grandes do cânone se autodefendem.
 
Eu sei muito bem que Picasso começou como pintor realista, porém no século XIX existiam muitos realistas, e picasso, muito cedo em sua vida, deu-se conta de que ele não era o melhor em matéria de realismo (fonte para essa afirmação: Picasso, de Gilles Plazy, editora L&PM): muitos outros pintores o superavam (e é claro que existe uma enorme diferença entre tais quadros realistas e alguém que, além de passar horas e horas trabalhando para esculpir David e Pietá, também foi capaz de dominar a arte do afresco (que desprezava - Michelangelo não gostava muito de pintar) e cobrir todo o teto de uma capela com uma das representações mais colossais e terríveis da humanidade.

Guernica? Gostei da sua definição sobre a Guernica... Principalmente o "mais colossais e terríveis da humanidade".

Oh, wait.

De resto, assino embaixo no que o Caliberberus disse e que eu havia dito anteriormente: não tente analisar obras antigas com o contexto hodierno ou moderno ou vice e versa ou tudo junto e misturado... Você só terá a perder.
Gostei da definição da Capela Sistina como um afrescão XD

E, em meu entender, a capacidade de comover muitas pessoas, de várias áreas diferentes, de vários níveis de instrução diferentes, é sim, um dos maiores critérios de qualidade de arte.

Pra não dizer que sou todo do contra, também concordo.

A moral é a seguinte: produzir algo que é ao mesmo tempo complexo e original, mas que também seja belo e simples; algo que seja extremamente dificil de produzir (que quase ninguém consiga produzir, na verdade) mas que todos possam apreciar (algo que cative a admiração de quase todos)...produzir algo como os afrescos da Capela Sistina: a moral é que isso e muito, mas muito complicado de fazer - não é todos que conseguem produzir arte assim.

Sobre essa coisa do "difícil" de se fazer, lanço um questionamento: Kafka levou vinte dias pra escrever A Metamorfose. Assim sendo, foi fácil, você não concorda?
O Rilke mesmo escreveu o ápice de sua obra, ou seja, as Elegias de Duíno e os Sonetos de Orfeu em... Um mês? Por aí, de forma resumida. Também foi fácil, não é mesmo?

Logo, são obras ruins?

Dica para resposta: não ouse dizer sim :ameaça:

Muitos acham que estou sendo arrogante ao criticar Rosa (na verdade estou só dando minha opinião), mas me digam vocês: não é arrogância dizer que a maioria das pessoas são burras e pouco-talentosas apenas por que não conseguem ler "Finnegans Wake"? Conheci muitos estudantes e professores assim, e não posso concordar com eles.

Sim, também acho arrogância. Mas esse é um problema dos leitores. A própria Barbara Heliodora diz que um dos principais problemas de Shakespeare no Brasil é que antigamente se dizia para os alunos que eles não tinha nível para entendê-lo.

E, quanto ao Finnegans Wake, recomendo-lhe ler o último post do grande Daniel F. aqui. O grande lance do FW é só um: ele é uma obra que nos pergunta constantemente: o que nós realmente entendemos quando lemos algo? Eu já li Hamlet no mínimo dez vezes, e não posso dizer que entendi amplamente Hamlet...

Claro que existem outros pontos do FW, como o de construir um texto cujo sentido seja apoiado radicalmente no texto, de modo que a leitura também que ser radicalmente diferente. Existem passagens do FW em que apenas a sonoridade te dá uma saída aceitável para o entendimento; em outras, apenas o conhecimento das referências ou do contexto filológico... E por aí vai.

Mas enfim. Esse tópico é sobre o Rosa, e não sei se vai ficar muito legal nós nos enveredarmos muito sobre outros escritores... Ainda que a discussão tenha fluído naturalmente para esse caso.

P.S.: E quanto ao Shakespeare, tenho uma visão mais prática disso... Mas não vou discutir Shakespeare nesse tópico. Chega de desviar o assunto.
P.S.2.: Sobre seu novo post, lembro-lhe de novo do que eu disse: a arte moderna percebeu que os instrumentos artísticos disponíveis para ela não eram suficientes. É claro que Picasso não conseguiu se tornar um mestre da pintura realista... Pois como sê-lo em pleno Modernismo? Não é que ele não tivesse um amplo domínio técnico... Isso chega a ser um insulto. Ele simplesmente via que essa técnica era insuficiente para retratar a realidade sob sua cosmovisão moderna das coisas.
 
Ah! Sim, Tolstói odiava Shakespeare, é verdade.

Bem...primeiramente devo dizer que aprecio Tolstói como escritor, não como crítico, líder religoso, filósofo, historiador, e mesmo como pessoa (ele era tremendamente arrogante e egocêntrico, algo apontado por Paul Johnson em "Os Intelectuais", e algo claramente perceptível para quem lê os seus diários).

Mas sobre seu ódio de Shakespeare, eis as razões que acredito que o motivem:

1)As opiniões de Tolstói sobre a arte eram muito estranhas; ele vivia querendo misturar a arte com benefícios sociais, e coisas como essa. Seu livro "O que é Arte" critica não só Shakespeare, mas também Bach, Beethoven e Dante. Ou seja: ele era bastante polêmico em relação a arte.

2) Tolstói gostava de arte que fosse realista. Ele próprio buscava o realismo extremo (e acho que seus personagens são alguns dos mais semelhantes a pessoas reais que a literatura já produziu). Shakespeare (e Dostoiévski) o desagradavam por que seus personagens falavam de forma completamente não-natural. Outra coisa que o irritava era que muitos dos personagens de Shakespeare falavam de forma parecida (o bardo nem sempre individualizava todas as pessoas em suas peças; ele se valia muitas vezes de uma forma comum e geral de verso, que podia ser empregada por todos os falantes de uma mesma peça).

3)Tolstói, como ser humano, não era alheio as emoções que todos nós temos. Como egocêntrico que era, ele não admitia que outros artistas fossem colocados como superiores a ele, ou mesmo de seu próprio nível (ele não gostava que disessem que Dostoiévski era seu irmão em grandeza). Pois bem: segundo biografos dele que consultei, ele odiava a posição que Shakespeare tinha como de escritor supremo, e por isso o odiava. É como se ele sentisse que em Shakespeare existia um dos poucos escritores que podiam competir com ele em matéria de grandeza. Ora, a inveja é algo muito humano, e não me parece que Tolstói fosse alheio a ela.

4) As obras de Shakespeare, segundo Tolstói, retratavam os ricos e poderosos como dignos, como modelos, ao passo que pessoas do povo eram apresentadas como clowns risíveis e grosseiros. Ele odiava essa visão conservadora, e isso o fazia odiar Shakespeare.


5) Shakespeare, em sua obra, não parece ter religião alguma, ou crer em qualquer filosofia. A cada obra ele muda sua visão de mundo, e jamais busca afirmar verdade divinas e gerais. Tolstói não gostava dessa falta de quaisquer crenças.

Eis, portanto, algumas das razões para esse ódio de Tolstói por Shakespeare. Acho que o ponto principal, porém, é o de nº 2: as falas artificiais e retóricas com as quais as pessoas em Shakespeare se expressam.

Mas acho que isso é comum entre escritores: uns não gostarem da obra de outros, e não conseguirem entender como existem pessoas que louvam esses outros.

Abração.
 
Nossa!

Só queria agradecer a todos vocês. Sinto que cometi injustiças com Rosa e Joyce, e acho que vou voltar para suas obras e tentar realmente quebrar a casca e sorver o prazer e a beleza que, agora eu acredito, exite em seus livros.

A discussão aqui está num nível ótimo! Finalmente conheci pessoas que tem argumentos sólidos e amparados em maravilhosas fontes.

A todos vocês meus agradecimentos. (Confesso que sempre adorei Diadorim...adoraria ver uma versão shakespereana do Grande Sertão)

Abração.
 
Vamos fazer crítica ao Picasso com base no depoimento da esposa, que sabe deus em que contexto foi dado? Pode ter sido depois de um chifre.
E o que diria a esposa do Da Vinci (?) se lhe perguntassem alguma coisa hoje (numa sessão mediúnica)?

"Olha, não é querer falar, mas o Leozinho às vezes nem fazia nada; era só o estagiário, o preparador das tintas, que fazia tudo..."


Um pintor se analisa pela sua pintura. Se o cara levou um dia ou dez anos para terminar um quadro, que importa?
Se o cara ficou putinho da vida tentando, se queimou e rasgou o quadro dez vezes até concluí-lo, que importa?
Temos todos esses dados também da obra do Michelângelo e do Da Vinci para fazermos o contraponto?
Se não, é novamente covardia ficar endeusando os antigos só porque não temos acesso aos seus podres.
 

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