Mercúcio
Usuário
Não tenho condições de opinar de maneira sóbria sobre esta parada. Sinto-me muito desconfortável, mesmo. O autor parece ter a tendência de ser reativo quanto às críticas negativas, — não o acompanho em nenhuma rede social, e só li Torto Arado (que não gostei, mesmo que quisesse gostar), embora queira, sim, ler Salvar o Fogo. A crítica em questão, por sua vez, parece ter tripudiado em demasia sobre a reatividade do autor. E, aqui, não falo sobre o fato de ela estar exercendo seu trabalho como crítica, falo sobre a questão do ego, mesmo, que fez com que ela lamentasse, por diversos tweets, segundo dizem as pessoas que estão acompanhando o imbróglio, sobre ele não querer dialogar com ela.
Realmente, para o crítico, deve ser extremamente frustrante não conseguir manter o canal de diálogo aberto, mas chega um ponto em que ela tem de entender que a escolha, feliz ou infeliz, de aceitar debater é dele. Há alguns dias, acredito que pouco depois de o autor ter feito o famigerado texto em que se compara ao Vini Jr., uma moça comentou no Twitter que, à época em que fez a crítica do livro novo do Itamar Vieira, a professora chegou a publicar um tweet que dizia algo parecido com: "acabei de desbancar um livro". A mesma moça disse que acreditava que o tweet havia sido deletado, após a confusão toda. Não quero me basear em um suposto tweet, mas se isso foi feito, para quê? (EDIT.: Não era sobre o livro do Itamar que a crítica estava falando. Ela disse que foi delicioso escrever que a poesia da Margaret Atwood é horrorosa).
Achei o tom da crítica dela beirando (tô sendo gentil) o preconceito de classe e flertando (mais gentileza minha) condescendentemente com a ideia de que "ele fala ao povo dele". E isso mirou o texto do Itamar e acertou algo além. Mas as pessoas só se concentram na reação do homem. "Ah, que ele já não aceita crítica."; "Ah, que ele não sabe reagir às críticas". Como o Itamar reagiu a um texto não tão perfeito quanto querem fazer parecer, pode ser um sintoma, mas não o maior dos problemas da literatura atual.
Outra coisa: por mais frustrada que ela estivesse com o fato de ter sido bloqueada nas redes sociais, acho exagerado taxar isso como uma atitude de preguiça mental do autor. É inferir muito sobre o outro. Parece-me que há um excesso de "se dar importância" das duas partes, sabe? Aí as coisas descambam de um jeito irremediável. Pergunto-me quantos textos mais surgirão de pessoas saindo em defesa da crítica literária, dizendo que o Itamar passou da linha, mas que, em momento algum, tocarão no fato de que ele não foi o único que o fez.
Divirjo da relatora, com todo o respeito.
Acho natural que a crítica literária tenha se chateado por ter sido bloqueada e que tenha desabafado sobre isso no Twitter.
No mínimo, eu acho que dá pra dizer que a crítica publicada pela Ligia Diniz é honesta, discute o romance no mérito e explicita o que entende serem as suas fragilidades. Claro, tudo o que ela pontua é discutível, ninguém precisa dizer amém às suas impressões. Daí a situar a crítica por ela escrita no mesmo patamar que as ofensas racistas contra o Vini Jr, me parece intelectualmente covarde, sobretudo considerando que o Itamar tem muito mais poder e influência que a professora da UFMG.
Ah sim... a pecha de racista foi estendida ao "editor branco" da 451, revista que está dando o maior destaque para o Itamar e para Salvar o Fogo, publicou entrevista com o escritor e tudo. A questão que se impõe é: só vale publicar aleluias aos livros do Itamar na 451 ou em qualquer outro veículo?
Um parêntese: por conta dessa polêmica, acabei descobrindo um texto publicado em 2021 no The Intercept Brasil, onde uma jornalista negra, segundo ela afirma, diz ter recebido uma mensagem privada do Itamar, tachando-a de racista, após ela ter publicado um tuíte negativo sobre Torto Arado. Dou o benefício da dúvida quanto à veracidade do relato, mas me parece bastante verossímil, considerando as atitudes adotadas pelo escritor no caso presente.
Bem pode ser que o Itamar seja a grande revelação da literatura brasileira contemporânea, como se tem dito reiteradamente nos meios de imprensa desde o sucesso estrondoso de Torto Arado. Não lhe retiro nenhum mérito (nem poderia, já que não li nada que ele escreveu). Mas acho que a maneira como ele escolheu lidar com o caso, para mim pelo menos, deixou uma impressão bastante antipática. Acho que o texto do Agualusa, cordial e respeitoso com o Itamar, recoloca a bola no centro do gramado.