- É uma pena que Bilbo não tenha se livrado dele [Gollum] quando teve a chance.
- Pena? Foi a pena que segurou a mão de Bilbo. Muitos que vivem merecem morrer e alguns que morrem merecem viver. Pode resolver essa situação, Frodo? Não seja tão apresado em julgar os outros. Nem os mais sábios conseguem ver o quadro todo. Meu coração me diz que Gollum ainda tem algum papel a cumprir, para o bem ou para o mal, antes do final da história. A piedade de Bilbo pode governar o destino de muitos.
- Queria que o Anel nunca tivesse sido dado a mim e que nada disso tivesse acontecido.
- Assim como todos os que testemunham tempos como estes, mas não cabe a eles decidir. O que nos cabe é decidir o que fazer com o tempo que nos é dado. Há outras forças em andamento neste mundo, além da força do mal. Bilbo estava destinado a encontrar o Anel e assim você também estava destinado a tê-lo e este é um pensamento encorajador.
Acho esse diálogo entre Frodo e Gandalf bastante esclarecedor, embora possa parecer confuso. Me lembrei dele principalmente por causa desta frase:
O que nos cabe é decidir o que fazer com o tempo que nos é dado.
Acho que é a mais esclarecedora de todas.
[Pré]Destino é diferente de livre-arbítrio e eles co-existem bem, apesar de parecerem contraditórios.
Vamos simplificar. Por exemplo, por que eu ou você, ou qualquer pessoa que nasceu nos dias de hoje,
nasceu no século passado, espeficicamente???
Por que não nasci no séc. XIX ou no séc. XXIII?!
Isso é destino!
Mas isso não interfere que eu decida o que fazer,
nesta época que nasci.
E toda ação tem uma reação [consequência]: as consequências às minhas atitudes e decisões seriam diferentes se eu tivesse nascido em outra época e eu teria que lidar com elas, tendo-as previsto ou não. Certas consequências são óbvias e explícitas, outras não.
Por exemplo, Frodo não sabia que Bilbo tinha o Um Anel quando foi adotado como seu herdeiro. Ele decidiu aceitar o "apadrinhamento" de Bilbo, sem saber deste fato, mas mesmo assim teve que lidar com essa consequência. E como ele lidou com ela: tendo que escolher entre aceitar levá-lo a Mordor ou não!
Por isso, não devemos confundir livre-arbítrio com controle total e irrestrito sobre o que nos ronda, porque isso não temos e nunca teremos!
Mas como disse Gandalf, embora nas horas escuras não pareça: isso
é um pensamento encorajador.
Diz um provérbio chinês:
o pessimista reclama do vento, o otimista espera que ele mude e o realista ajusta as velas.
Mesmo as piores situações são oportunidades: oportunidade de superação, oportunidade de fazer a diferença, oportunidade de mudar o mundo.
Mas também podemos escolher ficar em casa, de braços cruzados, vendo o mundo se consumir à nossa volta.
O que me lembra Éowyn [por isso eu a amo!!!

]
- Todas as suas palavras querem dizer apenas isto: você é uma mulher, e seu papel é na casa. Mas, quando os homens estiverem mortos na batalha e com honra, você tem permissão para ser queimada na casa, pois os homens não mais precisarão dela. Mas eu sou da Casa de Eorl, e não uma serviçal. Posso cavalgar e brandir uma espada, e não temo o sofrimento ou a morte.
- O que teme, senhora? - perguntou ele.
- Uma gaiola. Ficar atrás de grades, até que o hábito e a velhice as aceitem e todas as oportunidades de realizar grandes feitos estejam além de qualquer lembrança ou desejo.
Ela podia ter ficado, confortavelmente em seu palácio esperando os "homens resolverem" o destino do mundo [como fez uma certa elfa

], mas não... foi à luta! E foi a sua decisão que tornou verdadeira a "previsão" de Glorfindel.
Prever significa visão prévia, ver antes... e não 'decidir antes' ou 'impor antes'.
Nesse ponto concordo plenamente com Tolkien, como dizem os mulçumanos:
Maktub, estava escrito.
Escrito porque foi
visto antes. Deus [ou qual for a divindade que nos rege] vê e sabe o qual será o nosso destino antes que ele aconteça, mas não o impõe e nem decide por nós. Ele apenas sabe - por nos conhecer melhor e por conhecer tudo e todos que nos ronda,
ou seja, por 'dedução' - quais serão nossas escolhas.
Também concordo com o que alguém disse lá atrás: existe uma bifurcação. Me lembro de ter feito um comentário semelhante com um colega na facul de História quando nos deparamos com um texto complexo sobre o assunto.
Chegamos num certo ponto onde há uma bifurcação na estrada, ou seja, existem 2 ou mais opções de escolha. Esse é o livre arbítrio.
Se for uma situação extremamente complexa, com milhares de fatores e consequências, não só sobre a nossa vida mas sobre a de outros ou até mesmo do Mundo [caso do Frodo ao escolher entre levar ou não o Anel a Mordor], pode ser que não importe qual opção escolhamos vamos parar no mesmo desfecho. Não por uma "imposição divina", mas porque não somos capazes de conhecer e controlar todos os outros fatores envolvidos.
Então pra que serve o livre arbítrio?
A diferença entre optar por uma decisão ou outra é que haverá mais dor, mais dificuldades e mais [piores ou melhores] consequências do que se tivesse escolhido o outro caminho.
Novamente, uso como exemplo o caso de Frodo: se, antes de Frodo, Isildor tivesse atirado o Anel na Montanha da Perdição, quanta dor de cabeça teria sido poupada aos habitantes da Terra-Média... e com certeza, a existência de Sméagol teria sido menos sofrida!
Agora, se Frodo tivesse ficado sentado no Condado de braços cruzados a guerra teria chegado até lá com muito mais força e, como ele viu no espelho de Galadriel, os hobbits teriam sido escravizados por Sauron e o Condado destruído.
Acredito que seria provável, mesmo assim, que Sauron não venceria. Fosse pela mão de outro alguém [Aragorn ou Gandalf talvez] ou fosse por uma intervenção maior dos Valar, ou até mesmo de outro humano ou elfo... de um jeito ou de outro, a situação teria se resolvido para o bem, mesmo que demorasse ainda mais tempo! E foi o que aconteceu... Isildur não cumpriu sua missão e Frodo quase não a cumpriu também. Foi pelas mãos de Gollum - ironicamente - que Sauron foi derrotado.
A diferença é que se Frodo não tivesse aceitado a missão, tudo seria bem mais doloroso, complicado e destrutivo não só para o Condado como para o Mundo todo. Teria sido uma guerra com consequências bem mais graves.
Peguemos, no nosso mundo real, outro exemplo da 2ª GM: se Claus Von Stauffenberg [Operação Valquíria] tivesse
conseguido matar Hittler e dar o golpe de estado na Alemanha, o preço que o mundo pagou pela destruição da 2ª GM teria sido BEM menor.
Pra início de conversa, talvez os EUA nem tivessem detonado a bomba atômica... ou talvez tivessem mesmo assim, com alguma outra desculpa esfarrapada... como saber?!
Mas é fato que muito menos gente teria morrido, tanto nos campos, como em seus próprios países [ataques aéreos, saques, fome e etc.]
Enfim... me estendi pra variar

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Ah, lembrei de mais uma coisinha!
'Previsão', quando feita por alguém 'comum' [que não Eru ou um Valar] pode dar absurdamente errado. Seja porque existem variáveis ou seja por serem mal interpretadas. Discutimos isso no tpc "
A Relação Tolkien Shakespeare":
Caso parecido e interessante - embora fora do contexto da discussão - é o de Anakin Skywalker. Ele tinha realmente o poder de prever o futuro, mas não a habilidade para interpretá-lo corretamente: quando viu sua mulher morrendo acreditou que necessitava de mais poder para salvá-la quando, na verdade, seus sonhos eram um alerta: se continuasse a ser arrogante, radical e sedento de poder perderia tudo que lhe era mais precioso.
Percebendo que Anakin era mais poderoso, porém também mais ingênuo, tolo e de mente fraca, Palpatine usa essas premonições para atraí-lo para o Lado Negro da Força.
Moral da história, em todos os casos: o futuro está sempre em movimento, sempre mudando de acordo com nossas escolhas e também com acontecimentos além de nosso alcance. Mesmo se fosse possível prever o futuro só seria possível prever uma das diversas possibilidades, se tomássemos o caminho que levaria a ela. Por isso não é uma idéia muito boa agarrar-se a tais previsões pois a chance de interpretá-la errado são grandes, levando-nos justamente à desgraça que tentamos evitar. E a arrogância é sempre o maior de todos os erros!!!
Achei muito interessante isso que você falou, e a cena a qual você mencionou (a queda do Rei Bruxo) exemplifica perfeitamente tudo.
O Rei Bruxo se agarrou tanto à previsão que (talvez) podemos dizer que ele a interpretou errada - ele esperava que não podia ser morto por nenhum homem mortal. Sua arrogância foi seu maior e ultimo erro.
Também podemos dizer que a previsão se cumpriu, se pensarmos pelo lado de Éowyn - afinal ela era uma mulher e não um homem.
Ou ainda dizer que Glorfindel errou (se ele se referia a um Homem -raça, e por sua vez mortal), ou que acertou (caso se referisse a um homem - sexo masculino)
É até engraçado esse leque de interpretações. Realmente não é muito bom se agarrar a esses tipos de visões.
O que eu quis dizer é:
sendo a previsão do próprio Eru, 100% de acerto no 'destino' do cidadão.
sendo a previsão de um Valar, Maiar, Ainur e Cia: ENORME chance de acerto...
sendo a previsão [ou seja a capacidade de analisar todos os fatores envolvidos e acertar na 'dedução'] de alguém menos capacitado, como um humano ou um elfo: GRANDE chance de
erro [principalmente de interpretação]