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Prêmio Oceanos 2024

Béla van Tesma

Nhom nhom nhom
Colaborador

Prêmio Oceanos anuncia os 60 livros semifinalistas da edição 2024; 37 editoras aparecem na relação​

Obras brasileiras, portuguesas, moçambicanas e caboverdianas estão entre as selecionadas

O Oceanos – Prêmio de Literatura em Língua Portuguesa anunciou nesta sexta-feira (23) os 60 títulos semifinalistas da edição de 2024. Neste ano, a premiação contou com 2.619 livros inscritos, submetidos a dois júris especializados, um de prosa e outro de poesia, formados por profissionais de Angola, Brasil, Cabo Verde, Moçambique e Portugal. Entre os finalistas, estão nomes como Mia Couto, Micheliny Verunschk, Germano Almeida, João Silverio Trevisan, João Tordo, Adilia Lopes, Nei Lopes e Luis Henrique Pellanda.

Um dos destaques da seleção é a quantidade e a diversidade de editoras entre os semifinalistas: as 60 obras foram publicadas por 37 casas editoriais – das grandes às independentes, de diferentes perfis e nacionalidades, como as brasileiras Aboio e Corsário-Satã, a angolana Kacimbo, a moçambicana Gala-Gala, e a portuguesa Poética, entre outras.

Após o trabalho de leitura e avaliação das obras, ao fim de mais de quatro meses, cada júri elegeu 30 livros em prosa e 30 de poesia, de autoras e autores de quatro diferentes nacionalidades: Brasil, Portugal, Moçambique e Cabo Verde. Tanto o júri, quanto o resultado desta primeira etapa enfatizam a proposta do prêmio de valorização da língua portuguesa, segundo o comunicado da organização.

O quesito diversidade também se verifica no perfil dos semifinalistas, composto por escritoras e escritores tanto veteranos com de obras publicadas, quanto por estreantes. Entre os veteranos estão escritores como João Silvério Trevisan (Brasil), Hélia Correia (Portugal) e Mia Couto (Moçambique), na prosa; e Glauco Mattoso e Nei Lopes (Brasil), Adília Lopes (Portugal), e José Luiz Tavares (Cabo Verde), na poesia. Entre os estreantes, para citar alguns nomes entre outros, estão Juliana Slatiner e Ana Johann (Brasil), e Sofia Perpétua (Portugal), na prosa; e Jeremias F. Jeremias (Moçambique) e Vitoria Vozniak (Brasil), na poesia.

Os selecionados

Na categoria prosa, foram eleitos 19 romances, sete livros de contos, dois de crônicas e duas dramaturgias. Parte dessa produção atualiza o passado, em narrativas de ambientação histórica que percorrem do século XVI ao século XX, como se verifica nos romances A capitoa, de João Paulo Oliveira e Costa, e Revolução, de Hugo Goncalves (Portugal), e Os infortúnios de um governador nos trópicos, de Germano Almeida (Cabo Verde). Outra parte dialoga com o presente de um mundo em crise, flagrando a morte, literal ou simbólica; as várias formas de violência, intolerância, fundamentalismo e discriminação; os atentados contra a dignidade humana e animal.

As obras dos brasileiros Airton Souza (Outono de carne estranha), Micheliny Verunschk (Caminhando com os mortos) e Joca Reiners Terron (Onde pastam os minotauros), por exemplo, são expressões dessa contemporaneidade. As tensões sociais, ao lado das grandes questões existenciais, mesclam-se às igualmente várias formas do amor, do desejo, das saudades, e do luto. Todos esses temas são abordados com grande sensibilidade artística pelos semifinalistas.

Quando se considera a poesia, pode-se falar, ainda, de uma outra diversidade, relativa aos estilos. Elas contemplam desde a ressignificação e a subversão do soneto e outras formas tradicionais, como Porca miséria, de Glauco Mattoso (Brasil) e Uma colheita de silêncios, de Nuno Júdice (Portugal), à mescla de gêneros, com poemas em prosa e versos de dicção prosaica ou ainda à maneira de autobiografias, como Ninguém quis ver, de Bruna Mitrano, e Vida e morte de Adília Lopes, de Piero Eyben (Brasil). Pandemia, guerras, as faces da resistência, as trincheiras das identidades, o fazer poético como ficção estão entre os temas presentes nos 30 livros semifinalistas brasileiros e estrangeiros na categoria Poesia.

Vale observar que dois poetas portugueses semifinalistas, Nuno Júdice e Miguel Gullander, faleceram em 2024. O Prêmio Oceanos lamenta profundamente essas perdas, e esclarece que, pelo regulamento, escritores falecidos após a inscrição de seus livros permanecem concorrendo e, caso ganhadores, o prêmio é concedido in memoriam.

Seleção dos finalistas

O prêmio entra, agora, na etapa de seleção dos 10 finalistas entre as 60 obras que chegaram à semifinal. O júri, eleito pelo anterior, é composto, na prosa, pelos brasileiros Carola Saavedra e Cristóvão Tezza; os portugueses António Araujo e Simão Valente; e pela moçambicana Teresa Manjate. Na poesia, pelos brasileiros Ademir Assunção e Luiza Romão; pelos portugueses Helena Buescu e Hugo Pinto Santos; e pela moçambicana Teresa Noronha.

Veja abaixo a lista completa dos semifinalistas:

PROSA

  • A capitoa (Temas e Debates), de João Paulo Oliveira e Costa.
  • A valsa com a morte (Companhia das Letras PT), de João Tordo.
  • As cinco mães de Serafim (Dom Quixote), de Rodrigo Guedes de Carvalho.
  • As filhas moravam com ele (Caos e Letras), de André Giusti.
  • Baldeação (Editora de Cultura), de Luiz Mauricio Azevedo.
  • Caminhando com os mortos (Companhia das Letras), de Micheliny Verunschk.
  • Certas raízes (Relógio D'Água), de Hélia Correa.
  • Compêndios para desenterrar nuvens e outros contos (Leya), de Mia Couto.
  • Eu era uma e elas eram outras (Aboio), de Juliana W. Slatiner.
  • Gambé (Companhia das Letras), de Fred Di Giacomo Rocha.
  • História para matar a mulher boa (Nós), de Ana Johann.
  • Lila (Cepe), de Gael Rodrigues.
  • Mata doce (Companhia das Letras), de Luciany Aparecida.
  • Metal de Sacrifício (Figura de Linguagem), de Luiz Mauricio Azevedo.
  • Meu irmão, eu mesmo (Companhia das Letras), de João Silvério Trevisan.
  • O barulho do fim do mundo (Bertrand Brasil), de Denise Emmer.
  • O caçador chegou tarde (Maralto), de Luís Henrique Pellanda.
  • O Quartel (Tinta da China), de A. M. Pires Cabral.
  • Onde pastam os minotauros (Todavia), de Joca Reiners Terron.
  • Os infortúnios de um governador nos trópicos (Leya), de Germano Almeida.
  • Os primeiros (Editora da Ponte), de Ricardo Prado.
  • Outono de carne estranha (Record), de Airton Souza.
  • Perdeu vontade de espiar cotidianos (Nós), de Evandro Affonso Ferreira.
  • Pontas soltas tardes de neblina (Urutau), de Rogério A. Tancredo.
  • Quando chega o nevoeiro (7Letras), de Caio Meira.
  • Requiem por Isabel (Poética), de Raquel Serejo Martins.
  • Revolução (Companhia das Letras PT), de Hugo Gonçalves.
  • Sem mim não há dia (Urutau), de Fellipe Fernandes F. Cardoso.
  • Sempre Paris (Companhia das Letras), de Rosa Freire D'Aguiar.
  • Tanque (Douda Correria), de Sofia Perpétua.
POESIA
  • Aberto todos os dias (Quetzal), de João Luís Barreto Guimarães.
  • As palavras trocadas (Âyiné), de Laura Erber.
  • Caminhávamos pela beira (Aboio), de Lolita Campani Beretta.
  • Choupos (Assírio & Alvim), de Adília Lopes.
  • Coisa de mamíferos (Editora 34), de João Mostazo.
  • Criação do fogo (Alcance), de Álvaro Taruma.
  • Dialeto das nuvens (Patuá), de Christian Dancini.
  • Doze passos até você (Urutau), de Luciana Annunziata.
  • Gelo (7Letras), de Sérgio Nazar David.
  • Limalha (Corsário-Satã), de Rodrigo Lobo Damasceno.
  • Língua solta (Urutau), de Flora Lahuerta.
  • Metamorfoses do fogo (Cas'a), de Erick Costa.
  • Ninguém quis ver (Companhia das Letras), de Bruna Mitrano.
  • Nos beats do coração de um musaranho (Sete Letras), de Vitória Vozniak.
  • O feiticeiro (Kacimbo), de Miguel Gullander.
  • O livro do figo (Macondo), de Lilian Sais.
  • O rosto é uma máquina aquosa (Ofícios Terrestres), de Ana Maria Vasconcelos.
  • Oitentáculos (Record), de Nei Lopes.
  • Órbitas (Assírio & Alvim), de Paulo Tavares.
  • Os desertos (Folheando), de Marcos Samuel Costa.
  • Perder o pio a emendar a morte (The Poets and Dragons Society), de José Luiz Tavares.
  • Porca Miséria! (Clóe), de Glauco Mattoso.
  • Ressurgências (Patuá), de José Manoel Ribeiro.
  • Rostos desabitados [e] fragmentos do escuro (Gala-Gala), de Jeremias F. Jeremias.
  • Teoria da ressecção (Patuá), de Tatiana Pequeno.
  • Txaiuirá (Urutau), de Jorgeana Braga.
  • Última vida (Dom Quixote), de Fernando Pinto do Amaral.
  • Uma colheita de silêncios (Dom Quixote), de Nuno Júdice.
  • Uma volta pela lagoa (Luna Park e Fósforo), de Juliana Krapp.
  • Vida e morte de Adília Lopes (Urutau), de Piero Eyben.

O prêmio

O Oceanos é realizado via Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet), pelo Ministério da Cultura, e conta com o patrocínio do Banco Itaú, da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas da República Portuguesa, o apoio do Itaú Cultural, da Biblioteca Nacional de Moçambique e do Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde; e o apoio institucional da CPLP. O Prêmio Oceanos é administrado pela Associação Oceanos em parceria com o Itaú Cultural.

Texto extraído da PublishNews
 

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O Oceanos – Prêmio de Literatura em Língua Portuguesa divulgou a lista com os dez finalistas da sua edição de 2024. Essa é a última etapa da seleção antes do anúncio final dos vencedores, no dia 5 de dezembro, no auditório do Itaú Cultural.

De 60 semifinalistas, 30 de prosa e 30 de poesia, eleitos entre 2.619 obras inscritas, o júri intermediário do Prêmio Oceanos escolheu cinco finalistas em cada categoria.

Brasil, Cabo Verde, Moçambique e Portugal estão representados no conjunto, que conta com cinco brasileiros (Airton Souza, João Silvério Trevisan e Micheliny Verunschk, na prosa; Juliana Krapp e Rodrigo Lobo Damasceno, na poesia); dois cabo-verdianos (Germano Almeida, na prosa; José Luiz Tavares, na poesia); um moçambicano (Álvaro Taruma, na poesia) e dois portugueses (Hélia Correia, na prosa; Nuno Júdice, na poesia).

As obras finalistas são, na prosa:
  • Caminhando com os mortos (Companhia das Letras), de Micheliny Verunschk
  • Certas raízes (Editora Relógio D’Água), de Hélia Correia
  • Meu irmão, eu mesmo (Alfaguara), de João Silvério Trevisan
  • Os infortúnios de um governador nos trópicos (Editorial Caminho), de Germano Almeida
  • Outono de carne estranha (Record), de Airton Souza
e, na poesia:
  • Criação do fogo (Alcance Editores), de Álvaro Taruma
  • Limalha (Corsario-satã), de Rodrigo Lobo Damasceno
  • Perder o pio a emendar a morte (The poets and dragons Society), de José Luiz Tavares
  • Uma colheita de silêncios (Dom Quixote), de Nuno Júdice
  • Uma volta pela lagoa (Círculo de poemas), de Juliana Krapp
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Ah. Eu tentei ver mas não tinha o preview.
Deu preguiça de pedir amostra para o Kindle.
Acho um desaforo não ter a prévia de todos os livros ainda rs.
 
Seja como for, chamem de preconceito se quiserem (de certo modo, é mesmo) — eu não leria um livro que começasse com desse jeito aí. :lol:
 
Ah. Eu tentei ver mas não tinha o preview.
Deu preguiça de pedir amostra para o Kindle.
Acho um desaforo não ter a prévia de todos os livros ainda rs.
ué, para mim aparece a opção de ler a amostra...

enfim, ta aí um trecho do primeiro capítulo, pra quem se interessar:
Quanto mais socava a pica no cu de Zuza, mais Manel escutava o barulho das picaretas. Dos enxadecos. Das mãos repletas de calos. Das velhas enxadas enferrujadas. Dos pedaços de paus. Das bateias roçando levemente sobre a água. Das pás afundando no chão amarelado dos barrancos e dos paredões, quase acinzentados de terra, que formavam a cava. Ao mesmo tempo que sentia as pupilas dilatando, longe das pequenas anatomias do céu, a sua língua salivava cada vez mais. O suor descendo de seus cabelos e molhando boa parte do corpo parecia querer, a qualquer custo, reviver as margens, embora minúsculas, do rio Sereno no meio dos peitos dele.

Para não gemer alto, manteve os lábios entreabertos.
Vagarosamente pressionou a língua contra o céu da boca. De vez em quando, deixava sair, por entre os dentes, uns grunhidos bem baixinhos, evitando que outros garimpeiros pudessem ouvi-los foder. Os dedos das mãos, ora côncavos, ora perpendiculares, manuseando os espaços vazios entre Manel e seu macho, nunca dariam conta de desenhar as primeiras vertigens de um crisântemo. Das coisas que mal conseguia controlar, estava a fraqueza sentida nas pernas. A vontade era de chupar o pescoço de Zuza até marcá-lo, ainda com a pica toda dentro do cu dele. Pressionar as palmas das mãos contra a bunda de seu homem até sentir as carnes rígidas. Bater forte na bunda dele até deixá-la avermelhada. Passar várias vezes a língua no orifício da orelha e morder bem devagar. Botar toda dentro e, vez ou outra, fazer bidões dentro do cu de Zuza. Dizer a ele baixinho:

“Te amo.”

Enquanto grunhia, Manel forjava as pupilas contra o escuro, mantendo os olhos abertos o máximo que podia. A carne do rosto, totalmente enrijecida, nutria o sentimento guardado pelos redemoinhos. Ainda assim, tinha certeza de que lá fora uma camada fina de neblina cobria os casebres de Serra Pelada, aumentando o cheiro da solidão. Talvez, naquela hora, vários garimpeiros pudessem estar batendo uma punheta, pensando no que tinham deixado em Marabá ou no Maranhão. As mãos cheirando a saliva e aquela sensação de cócegas nas veias da pica. Alguns ainda sujos de brejais, com as unhas abarrotadas de minúsculas serranias. Nas proximidades da agência da caixa econômica, o marechal dormia tranquilamente.

Naquele instante, enquanto Manel sentiu a cabeça da rola, melada de cuspe, entrar e sair de maneira frenética, nem mesmo o marechal e seus bate-paus seriam capazes de amedrontá-lo. Nem as formigas. A cobal. A tristeza de não ter conseguido ser escafandrista. Nem mesmo a felicidade de ter-se tornado meia-praça, naquela semana, diminuiria a sua vontade de jorrar gala dentro do cu de seu macho. Ele não pensava em Trizidela. No cascalho. No rio Mearim. Nas pepitas de ouro no fundo da cava. No bamburro.

Manel, por conta dos gemidos baixinhos, sabia que não tinha como manusear dentro da boca todos os vocábulos que o conduziriam ao desenho de uma varanda. Ainda que escutasse, naquela hora, a palavra ouro emergir em forma de grito da boca de qualquer garimpeiro, ele não seria capaz de sair daquele torpor. Por isso, de vez em quando, acariciava as minúsculas concavidades dos dedos das mãos, ao mesmo tempo que sentia crescer a irremediável vontade de esfregar os pés enfunados, um sobre o outro, na tentativa de tirar de cima deles a sensação úmida dos pântanos. Naquela noite, nenhum argumento contra o amor povoaria facilmente a sua imaginação.

Mantendo as pernas rígidas, mas separadas por pouco menos de meio metro uma da outra, Manel fez de tudo para que Zuza não suportasse o peso de seu corpo suado. Ao se manter entrando e saindo, em um único ritmo, era como se naquele instante ele tivesse descoberto outra receita de como escavar mais profundamente os poucos metros do barranco em que trabalhava sem necessitar um dia entender de escafandros.

A cada enfiada que dava na carne dura da bunda de Zuza, o meleiro provocado pelo suor descendo do corpo de Manel refazia o som estranho do chão do garimpo sendo cavado incessantemente. Com o corpo completamente curvado, quem olhasse a cena, de longe, enxergaria nitidamente os cabelos dele quase formando uma pequena auréola disforme, cinzenta e defumada pela fumaça da lamparina. Era como se os casebres do garimpo necessitassem apenas de duas ou três girândolas para significar alguma coisa comovente, como uma pequena enseada.

Naquela posição incômoda, Manel, só com os olhos, sentiu os ombros de Zuza retesados. Os braços estirados davam a sensação de que ele estivesse mantendo os lábios colados e pressionando a língua contra os dentes. Menos ansioso. Ao enxergar as mãos de Zuza apertando os punhos da rede, o garimpeiro compreendeu que aquilo ajudava a explicar o medo que os dois sentiam naquele instante. O mais estranho foi ouvir a respiração de Zuza sair compassadamente. Não entendeu por que cada vez que socava a pica, com força, no cu daquele macho, ele tinha a impressão de que emergia, para dentro de seu nariz, o irremediável cheiro do melechete. O fedor ficava mais intenso como se brotasse, de uma só vez, dos corpos de todos os garimpeiros.

Os dois homens, nuzinhos, trancados no único cômodo do barraco de Zuza, tentavam, de qualquer maneira, atravessar os fonemas das palavras bateia e bamburro, abraçadas, diariamente, às carnes deles. Zuza e Manel buscavam compreender os sentidos dos horizontes se distanciando dos igapós e de deus. No entanto, permaneciam em silêncio porque qualquer barulho poderia ser escutado pelos garimpeiros que dormiam nos barracos próximos.

Embora somente Manel sentisse vontade de elaborar um monólogo, a partir de alguns hieróglifos, foi obrigado a deixar morrer dentro de si esse pequeno sonho, apenas vergando os dedos dos pés.

Mesmo mantendo a cabeça completamente fixa na direção das costas de Zuza, Manel deixou seu corpo quase formando uma linha reta. Os músculos retesados. As retinas circunspectas o suficiente para não chorar. No mesmo movimento, contraiu as pernas. Às vezes, sentia-se praticamente pregado em um dos degraus das adeus-mamãe nas quais costumava subir ou descer para a cava todos os dias. Com as mãos completamente vazias, ele parecia fazer um movimento circular como se o marechal o tivesse obrigado a fazer girar, sem parar, uma bateia cheia de pepitas e sete gotículas de mercúrio reluzindo bem no meio de suas retinas.

Com o barraco iluminado apenas por uma lamparina, a meio metro de distância, era impossível distinguir um homem do outro. Nuzinhos, eles formavam uma coisa só. Parados, aparentavam ser um dos formigas carregando um saco atulhado de cascalho dependurado na cabeça. Ao se moverem, os dois machos elaboravam a figura de um garimpeiro com o corpo quase curvado, segurando firme uma picareta nas mãos e cavando sozinho, de maneira frenética, um barranco inteiro.

Quando terminou de gozar, Manel manteve o corpo estático por pouco mais de um minuto, tentando distender as próprias carnes. Parou de fazer o círculo imaginário com as mãos como se deixasse a bateia descurar a sensação de samambaias crescendo no meio da garganta. Fechando os olhos, deixou imediatamente de pressionar a língua contra o céu da boca porque sabia que o monólogo já não seria mais capaz de fazê-lo entender como nasce a solidão dos peixes. Posicionou de leve as mãos por cima das costas suadas de seu macho, mantendo a boca entreaberta, descurvou os dedos dos pés. Aos poucos, foi sentindo a pica amolecer dentro das entranhas de seu homem. Ao voltar a abrir os olhos, de súbito sentiu vontade de passar as mãos nas costas de Zuza, indo de cima a baixo. Acariciando o que ele imaginou ter sido talhado nas manhãs neblinadas de Serra Pelada. Não teve coragem. Arfou um pouco. Deixou o olhar vagar nas palhas escuras que cobriam o casebre de seu homem até sucumbir em si mesmo a vontade de acariciá-lo. Naquela hora, Serra Pelada, pelo lado de fora dos barracos, era benzida por uma brisa capaz de umedecer qualquer corpo, menos o do marechal.

Estava longe de amanhecer quando Manel foi embora do barraco de Zuza. Rente à porta, antes de sair de vez, contraiu as pálpebras. Olhou ao redor. Sentiu vontade de se benzer. No entanto, contrito, desistiu da ideia. Imaginou que seria muita imprudência fazer um sinal da cruz, no meio da cara, poucos minutos depois de ter comido o cu de outro macho. Colocou a mão por cima das sobrancelhas e a única coisa que conseguiu enxergar foi a escuridão espalhada por todo o garimpo. Pensou que, se não fosse o chilreio dos grilos e o coaxar dos sapos que povoavam cada pedaço daquele lugar, a tristeza ali nunca mais teria cura.

Antes de atravessar de vez a porta, Manel conseguiu, às pressas, um jeito de deixar as unhas polidas, usando pequenos gravetos retirados das palhas. Vestiu sua calça de tergal vermelha. Dobrou parte das pernas dela para não empoeirá-las. Calçou a sapatilha de couro cru amarronzado. Passou repetidas vezes as duas mãos no cabelo até sentir que os fios estavam quase penteados, embora o barulho provocado pelas unhas no coro cabeludo o tivesse deixado impaciente. A contundência do cheiro agridoce do alma de flores borrifado por cima do peito, meio descoberto, exalou o cômodo inteiro. Fez desaparecer, por um momento, o fedor do querosene que saía da lamparina acesa. Já vestido, olhou para Zuza, que rapidamente abaixou a cabeça, envergonhado. Quando estava fora do barraco, mantendo a cabeça virada para o lado da rua pela qual seguiria, disse:

“Já vou.”

Ao começar a andar, abaixou a cabeça. De maneira estranha, curvou uma parte do corpo como se tivesse, de uma vez por todas, conseguido abraçar a desilusão de todos os garimpeiros, ou fosse buscar a bateia esquecida no fundo da cava. Voltou a passar as mãos no cabelo.

Não deu tempo de ouvir a resposta de Zuza porque abaixara a cabeça de vez ao deixar o barraco. Sem vontade de olhar para lugar nenhum, manteve as retinas fixas no chão escuro. Cerca de dez ou quinze metros do barraco de Zuza, levantou um pouco a cabeça e viu uma dúzia de pirilampos passar por cima do casebre de seu homem. Eles pareciam voar em direção às escadas adeus-mamãe dentro do despenhadeiro de Serra Pelada. Assustado, Manel apressou os passos. Somente quando estava para chegar ao seu barraco, foi que sentiu a calça melada de gala, nas proximidades da cabeça da pica. Passou os dedos e percebeu que se haviam formado pequenas corolas deformadas. Então voltou a pensar em seu macho. Nas socadas no cu dele. Na vontade de dizer "te amo", sem medo. Nos grunhidos, não mais nos pirilampos. As corolas deram a ele a certeza de que choveria muito naquele resto de noite.

Quando se viu sozinho, Zuza não conseguiu pregar os olhos para dormir. Tentou consternar as pálpebras. Queria silenciar em si a ausência de Manel. A primeira coisa em que ficou pensando foi no último sermão que ouvira, há exato um mês, quando ainda tinha autorização do marechal para ir à igreja assistir à missa. Era tudo tão real que a voz do padre Zacarias parecia soar nos quatro cantos do cômodo. Para fugir daquela lembrança, foi para o quintal. Acocorou em frente à gamela. Usando uma das mãos, lavou algumas partes do corpo como se necessitasse, no escuro mesmo, aguar, às pressas, o terreiro para varrer de manhã cedo. Escutou as folhas secas da mangueira caírem no chão. Voltou para dentro do barraco e desejou ter aprendido a adormecer de olhos abertos. O cheiro forte das palhas úmidas e do querosene da lamparina logo substituiu o odor deixado pelo desodorante alma de flores, usado por Manel. Em pouco tempo, ouviu as primeiras gotas de água caírem sobre as palhas do barraco. Manteve a boca fechada para ver se diminuía a ânsia que passou a sentir. Teria, no outro dia, coragem de perguntar ao marechal, antes de os garimpeiros descerem à cava, se era fácil sentir na própria língua o gosto de sangue de outras pessoas. Se era bom ser um homem sem remorso. Afinal de contas, o marechal estava ali a mando do governo. Era como ele mesmo dizia: “Aqui eu é que sou a pátria.” Ficou deitado em sua rede acariciando a barriga até a aurora acender, lentamente, o garimpo de Serra Pelada.

Ao contrário de Zuza, Manel conseguiu dormir e nem percebeu a chuva torrencial que caiu durante a madrugada. Enquanto dormia, teve um pesadelo. Sonhou que a cava havia se transformado em uma coisa estranha. Em vez da imensa cratera formada por barrancos e paredões repletos de adeus-mamãe, tudo agora parecia estar de um jeito que não dava mais para os garimpeiros descerem. O buraco inundara da noite para o dia. Finas crostas de lodo escurecido estavam incrustadas nas beiradas da concavidade. Impossível voltar um dia a ser esvaziada. Ter seu fundo de terra revolvido. A cava tinha virado metade pântano metade geleira e, no meio da imensa falésia, a imagem grande dos olhos azuis do marechal. As pestanas rodeadas de girinos. Espumas encardidas espalhadas perto das pupilas o deixaram com a aparência de duas vitórias-régias murchas. Ao redor dos girinos, um círculo de berés agoniados como, se naquele momento, não soubessem mais respirar. Feéricos. Os olhos boiavam aparentando envelhecidos antes do tempo. As retinas amaldiçoadas pelos caramujos. Manel chegou a ficar em dúvida se aqueles olhos tinham nascido no meio da cava ou eram mesmo os do marechal. Mas não esqueceu o que dizia sua mãe: “No dia que chegar aqui em casa apanhado, vai levar outra surra que é pra aprender a bater também.” Outra coisa que o deixou espantado, enquanto sonhava, foi ver que havia nascido capim bem rente à beira da ribanceira, com a altura de meio metro. As escadas adeus-mamãe eram para sempre algo inócuo. Tomadas por minúsculos pés de quebra-pedras, quase florando, rodeadas de comigo-ninguém-pode e pés de melão-de-são-caetano. A estrutura próxima à cava estava idêntica a uma oração sem a mínima clemência de deus. Por isso, tinha certeza de que a palavra amém não faria nunca mais sentido em cada metro de Serra Pelada.
 
estava dando uma olhada pelos livros selecionados, e eis que esse acima começa assim (borrado por ser NSFW): "Quanto mais socava a pica no cu de Zuza, mais Manel escutava o barulho das picaretas." 🤭 :rofl:
Pica no Cu
Caretas
Picaretas

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