Nada contra o esporte, mas o ponto do esporte é praticar, não torcer, vejo uma diferença enorme entre as duas coisas, e não compro a ideia de que o futebol televisivo incentiva a educação física (...)
Surpreendentemente, quem tava na mesma vibe desse tópico e quem também meteu essa foi... Muammar Gaddafi.
Na "obra magna" dele, O Livro Verde, o último capítulo foi dedicado justamente a criticar o ato de torcer por times...! Olha o papo:
O esporte pode ser praticado em privado como a oração que o crente reza sozinho no interior do seu quarto ou em público se for praticado coletivamente ao ar livre, como a oração que é rezada pelos crentes nos locais de culto. O primeiro tipo de esporte diz apenas respeito ao indivíduo que o pratica, mas já o segundo diz respeito a todas as pessoas. Esse segundo tipo de esporte deve ser praticado por todos, não devendo ser permitido a ninguém praticá-lo em nome da coletividade. Tal como não seria correto permitir às pessoas a entrada nos templos para assistir às orações dos crentes, também é absurda a presença de pessoas nos estádios para verem jogar um pequeno grupo. Num estádio deveriam ser elas próprias a jogar.
Praticar um esporte é como comer ou rezar e a sua sensação assemelha-se à sensação de calor ou frio. É estúpido pensar num grupo de pessoas desejosas de entrar num restaurante para ver alguém comer. Igualmente estúpido seria uma pessoa aquecer-se ou refrescar-se por pessoa intermédia de outra. Neste sentido é ilógico que a sociedade permita que um indivíduo ou uma equipe monopolize os esportes, cujas despesas são pagas pelo povo, para benefício apenas dos que o praticam. O povo não deve democraticamente permitir que nenhuma pessoa ou grupo — seja ele um partido, uma classe, tribo ou parlamento — o substitua em decisões sobre a definição do seu destino e das suas necessidades.
O esporte privado diz apenas respeito àquele que o pratica sozinho e à sua custa. O esporte pública é uma necessidade coletiva em cuja prática o povo não deve aceitar ser representado, nem física nem democraticamente por ninguém. Fisicamente, o representante não pode transmitir ao representado a maneira como o seu corpo e a sua mente beneficiam do esporte. Democraticamente nenhum indivíduo ou grupo têm o direito de monopolizar o esporte, poder, riqueza ou armas para si próprio. os clubes desportivos constituem os meios organizativos básicos do esporte tradicional no mundo atual. São eles que se apropriam das facilidades públicas postas à disposição pelo Estado para o esporte.
Essas instituições são apenas instrumentos sociais monopolistas semelhantes aos instrumentos políticos ditatoriais que monopolizam a autoridade, aos instrumentos econômicos que monopolizam a riqueza e aos instrumentos militares tradicionais que monopolizam as armas. Tal como a era das massas vai fazer acabar com os instrumentos que monopolizam o poder, a riqueza e as armas, ela vai inevitavelmente destruir o monopólio da atividade social que é o esporte, equitação e outros. As massas que se empenham em votar num candidato que as represente para decidir o seu destino atuam na assunção impossível de que ele as representará e corporizará a sua dignidade, soberania e pontos de vista. Contudo, essas massas, privadas da sua vontade e dignidade, ficam apenas reduzidas a meros espectadores, vendo outra pessoa fazer o que naturalmente deveriam ser elas próprias a realizar.
O mesmo se aplica às multidões que não praticam o esporte devido à sua ignorância. Elas são enganadas pelos instrumentos monopolistas, destinados a diverti-los e estupidificá-los, levando-as a aplaudir em vez de praticar. O esporte, enquanto atividade social, deve ser para as massas tal como o poder, a riqueza e as armas que devem estar nas mãos do povo.
O esporte público é para as massas. Ele constitui um direito de todo o povo para a sua saúde e recreio. É pura estupidez deixar os seus benefícios apenas para alguns indivíduos e grupos que os monopolizam à custa das massas que para isso lhes dão facilidades e pagam as despesas. Os milhares de pessoas que enchem os estádios para ver, rir e aplaudir são idiotas que não souberam praticar essa atividade elas próprias. Acumulam-se nas bancadas dos estádios, praticando a letargia e aplaudindo os heróis que lhes roubam a iniciativa, dominam o campo e controlam o esporte, explorando as possibilidades que as massas nesse sentido lhes fornecem. Inicialmente os locais destinados ao público foram criados para demarcar a zona destinada às massas, da zona destinada aos jogos, i.é., para evitar que as massas invadam o centro dos estádios. Os estádios ficarão vazios e deixarão de existir quando as massas tomarem consciência de que o esporte é uma atividade pública que deve ser praticada e não aplaudida. A situação inversa, uma pequena minoria apática e sem recursos a olhar e a aplaudir, seria mais razoável.
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Parece que ele chegou até a reprimir jogos em estádios lá na Líbia, o filho dele teria precisado intervir para flexibilizar isso, algo assim.