Não lembro dessa permeabilidade bíblica nas crônicas ter me incomodado ou mesmo de ter percebido e julgado dessa forma. Mais um ponto contando a favor da releitura; quero ver quais as minhas impressões depois disso.
Releia, sim. E, talvez, até seja interessante que, dessa vez, você direcione sua leitura para estabelecer relações com a Bíblia. Quando a gente lê com um objetivo específico, fica até mais fácil perceber as referências.
Você disse não se lembrar muito das crônicas e, portanto, não conseguir (sem reler) estabelecer relações entre Aslam e Jesus Cristo/ Deus, então, vou comentar um pouco apenas sobre a que trata da criação de Nárnia: “O sobrinho do Mago”. Embora muitas pessoas prefiram as crônicas posteriores a essa, eu tenho um carinho imenso por ela, porque tudo relacionado à criação me atrai (btw, meu livro preferido de Tolkien é Silmarillion). Eu começo a estabelecer relações do tipo: a criação de Nárnia acontece ao mesmo tempo em que o texto literário é criado, etc.
Quando chegaram a Nárnia, Digory, Polly, o cavalo, o cocheiro, Jadis e tio André tiveram a impressão de estarem em um mundo vazio. Depois, começam a aparecer estrelas no céu. E uma canção, muito linda, começa a ser cantada. Inicialmente, os leitores até podem pensar que o próprio mundo está se criando. Mas, então, tem um momento em que é mencionada uma “Primeira Voz” e, logo depois, fala-se sobre “o próprio Cantor” (sim, com as iniciais “P” e “V” maiúsculas. Assim como o “C”. O Deus cristão é escrito com letra maiúscula, todos os vocábulos que se referem diretamente a Ele, também; essa parece ser mais uma semelhança entre Ele e o “”””deus”””” de Nárnia ).
Depois, Aslam aparece, com todo o seu resplendor: “Era um Leão. Enorme, peludo e luminoso, ele estava de frente para o sol que nascia. Com a boca aberta em pleno canto, ali estava ele, a menos de trezentos metros de distância”.
No decorrer da estória (eu gosto do termo usado por Guimarães Rosa!), Aslam vai tocando o chão e as árvores começam a nascer, vai cantando e as coisas vão sendo criadas, desse modo, temos a criação de Nárnia: “Nárnia, Nárnia, desperte! Ame! Pense! Fale! Que as árvores caminhem! Que os animais falem! Que as águas sejam divinas!” Essa, dentre outras referências, como o comportamento de Jadis (que remonta o comportamento da serpente), tentando fazer com que Digory coma do fruto, realmente nos remete à Bíblia. Como eu disse, no meu post anterior, Lewis cria seus textos de forma magistral. Acredito que o texto de Lewis seja a canção de criação de Nárnia.