Sister Jack
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Decidi criar um tópico separado por causa dos vários posts no tópico do Kurosawa sobre esse filme, indicando que ele já é popular o suficiente para uma discussão separada. E por que o Kurosawa ainda não tem tópicos separados para os seus filmes e, francamente, ele merece.

Agora vai um reviewzinho sem spoilers aí que eu fiz pro filme (me digam o que acharam do review também).

DERSU UZALA, dirigido por Akira Kurosawa, 1974, Japão/Rússia.
O diretor do filme, Akira Kurosawa, tentou se suicidar no começo dos anos 70, logo após um de seus filmes, Dodeskaden, se tornar um desastre na bilheteria. Não só por isso, desde os anos 60, Kurosawa estava com cada vez mais dificuldades em conseguir dinheiro para produção de seus filmes, passando alguns anos parado e, consequentemente, entrou em um certo estado de depressão. Em 72, após se recuperar dos cortes nos seus punhos, Kurosawa fez uma visita à Rússia, no local onde estavam filmando a obra-prima de ficção científica "Solaris", e conheceu o diretor Andrei Tarkovsky. Aparentemente, Kurosawa havia desenvolvido um interesse pelo cinema russo, ou melhor, pelo próprio país e a sua cultura. Se isso tudo está relacionado com a sua obra-prima pós-depressão, "Dersu Uzala", não se pode ter certeza, mas me parece que o encanto do diretor pelo país e pelo cinema de lá influenciou bastante esse seu trabalho.
Parecido com Solaris e outras obras de Tarkovsky, "Dersu Uzala", ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro, tem um clima de aventura minimalista, uma trama extremamente simples, meditativa, porém existencialista, com um ritmo lento, totalmente diferente de seus épicos samurais. A história fala de um grupo de exploradores russos viajando por florestas da Sibéria, tentando construir um mapa da região, liderados por Arseniev, interpretado por Yuri Solomin. Ainda que eles fossem exploradores, nenhum deles estava realmente acostumado com o ambiente, sentindo levemente perturbados pela grandeza do lugar e o isolamento. Arseniev comenta que a floresta as vezes parecia alegre e iluminada, outras horas parecia fria e sombria, como se estivesse repelindo os homens de certas áreas.
Eles conhecem, durante uma noite acampados, o caçador nativo de raça Goldi chamado Dersu Uzala, interpretado por Maxin Munzuk; é essa é a primeira aparição de um dos personagens mais fascinantes e bem construídos da história do cinema. Dersu é baixo, gordo, provavelmente uns 50 anos de idade, áspero e aparentemente bastante resistente. Ele é confiante e extramamente experiente quanto o seu conhecimento da Natureza, porém humilde. Fazendo um contraste cultural forte com os exploradores contratados, obviamente homens da cidade; enquanto eles cantavam canções populares e faziam piadas entre si, Dersu mantinha os olhares atentos na trilha, nas possíveis pegadas, a na Natureza a sua volta. Foi isso o que mais fascinou Arseniev, que acabou chamando o velho caçador para guiar a equipe pelas floresta (levando a resultados bem melhores).
Arseniev examinava, assim como o público, como Dersu tinha uma certa conexão com a Natureza, algo forte, quase incompreensível para eles. Em uma cena linda (das várias espalhadas pelas 2 horas e 20 minutos de duração), Dersu, sentado em uma fogueira isolada do resto do grupo, tomando a vodka que ele ganhou numa aposta de tiro ao alvo com os exploradores, canta uma bela melodia e Arseniev, o qual Dersu chamava de Capitão, assistia de longe. De tempos em tempos, algum pássaro ou animal na floresta respondia a música quando Dersu parava de cantar. E assim continuava; o homem comunicando com a Natureza de sua própria maneira. Esse relacionamento é explorado por Kurosawa de várias formas, desde diálogos do roteiro em que Dersu conta aos exploradores sobre o vento, a água e o fogo como seres vivos, até na fotografia espetacular (uma das mais belas da história) onde os personagens são meio que obscurecidos pelo ambiente em sua volta.
Em uma outra cena do filme, Dersu Uzala e Arseniev se perdem num deserto de gelo que chegou com o inverno. Não estão com o grupo, se separaram para explorar a área sozinhos, e uma ventania apagou a trilha que eles deixaram. Se perderam; nem mesmo a sabedoria incrível de Dersu pode tirá-los desse lugar. A solução que eles acham é pegar as plantas que crescem na região e construir uma cabana bem quente para guardá-los durante a noite mortalmente gelada. Kurosawa mostra com essa cena tensa que o homem nem sempre está sobre o controle da situação, e pode ser dominado quando quiser. Arseniev comenta como o homem é pequeno comparado a grandeza da Natureza. Ironicamente, os dois se salvaram apenas com a ajuda da própria da Natureza.
Dessas situações perigosas e do poder que a vida na mata pode ter sobre a mente e o corpo de uma pessoa, causando depressão, isolamento e solidão, são dessas situações que surge o outro tema universal tratado pelo filme: a amizade. É como quando duas pessoas passam por situações traumatizantes e depois sentem uma simpatia um pelo outro, como se o sofrimento trouxesse a necessidade de aproximação de alguém que entende o que eles sentem. Dersu Uzala e Arseniev se tornam grandes amigos durante o filme, mas não através de diálogos em que um fala um pouco sobre o outro, como esperado (porém, isso ocorre em certos momentos); eles desenvolvem uma conexão profunda, quase espiritual, da mesma forma que Dersu se conecta com a natureza. Sem a necessidade de palavras ou da falta de sentido e honestidade da maioria delas, mas é nas ações e no silêncio que os dois se sentem mais próximos.
Kurosawa é surpreendentemente muito mais sutil aqui do que em qualquer outro filme seu. Apesar dos temas explorados serem óbvios, eles são mais acentuados pelas imagens, pelo ritmo, pelo silêncio, do que falações longas mais relacionadas com o filme do que a situação. É como uma influência de Tarkovsky. Até o final do filme, você vai com certeza entender porque Arseniev e Dersu se amam de verdade, e quem realmente se envolver pela história também vai aprender a amar esses dois personagens. Em alguns momentos, você vai querer abraçá-los e confortá-los sobre a situação, por pura compaixão, tristeza ou felicidade. E até o final do filme, você vai sentir o quanto o filme te transporta diretamente para a floresta, para o selvagem, o natural, longe do seu seguro lar. É raro quando um filme transcende a tela da sua TV ou do cinema, que te faz sentir algo que você já experienciou e nunca conseguiu expressar corretamente, como uma explicação do sentimento que um humano sente por outro; mas aqueles filmes que conseguem isso devem ser celebrados e elevados ao nível em que merecem, e Dersu Uzala deve estar bem perto do topo.
10/10



(essa imagem é linda; quem viu o filme pode confirmar, sempre me deixa emocionado...)
Possíveis tópicos para discussão:
(SPOILERS)
* Que filmes vocês acreditam terem influenciado ou terem sido influenciados por Dersu Uzala? Qual é a verdadeira importância dele na história do cinema?
* Como o filme se compara com o resto da filmografia do Kurosawa? Quais são as maiores diferenças e maiores semelhanças?
* O final: ele fala sobre o lado humano ou o lado natural? O fato de Dersu não se adaptar a sociedade é por causa da sociedade do homem em si ou por causa da sua conexão pela Natureza?
* O filme tem um foco maior aonde: no natural ou no humano?
* O tigre era possivelmente uma representação do espírito da natureza, do Deus Kanga da religião dos Goldi ou só a imaginação de Dersu? O filme é mais racional ou mais espiritual?
* Por que Dersu perdeu a visão? Olhando do ponto de vista espiritual, se ele não tivesse matado o tigre, Kanga, o que teria acontecido? Não foi uma defesa pessoal? Por que Kanga se enfezou com Dersu quando tudo que ele fez foi se defender? Será que ele cruzou o limite do seu poder sobre a natureza?
* O final foi irônico ou trágico? Se Arseniev não tivesse dado o seu rifle, que é um exemplo da tentativa de facilitar a vida das pessoas através da tecnologia, Dersu não teria sido assaltado, assim seguindo o caminho natural. Mas se fosse assim, ele teria sobrevivido lá na floresta, com a visão ruim?
* Será que houve algum subtexto homosexual no relacionamento entre Dersu e Arseniev?
(FIM DOS SPOILERS)
Etc.

Kurosawa e Tarkovsky juntos durante as filmagens de Solaris.