E eu não quero participar dessa barafunda, fujo dela no facebook como o diabo foge da cruz.
Escrevi um textão sobre isso no facebook, que eu preferia não postar aqui, afinal eu não estou em posição de aconselhar ninguém, mas acho que é uma exortação particularmente válida para os dias de hoje:
Nós não podemos fugir da ideologia, ela nos é inescapável. Aqueles que se colocam idealisticamente contrários a ela, que a acusam de ser parcial, de ser um recorte deturpado da realidade, uma recusa a enxergar o todo, não sabem do que falam. Não existe nenhuma afirmação que façamos, nenhuma manifestação verbal do pensamento que seja anti-ideológica, que seja mesmo não-ideológica. Não há palavras não-ideológicas nem nada no pensamento humano que seja pré-ideológico. Talvez a dita ideologia particular (uma abstração, não há ideologia ou pensamento isoladamente produzido) não esteja enformada por princípios político-partidárias, ou ideologias filosófico-políticas, aquelas cunhadas pelo pensador X ou pelo teórico Y. Mas ela existe, ela se manifesta na verbalização do pensamento, e preexiste a ele como uma intencionalidade da consciência.
Dito de outra maneira, a ideologia é o filtro consciente e responsável pelo qual se intenciona a manifestação do pensamento. O pensamento verbalizado não é jamais uma palavra jogada ao vento, não há palavras jogadas ao vento, todas elas se conformam a determinadas estruturas de pensamento, estruturas linguísticas, se operacionalizam mental-verbalmente. Nada do que vocês dizem é simplesmente jogado fora. Quando digo que a ideologia é inescapável, quero dizer que não existe fora de abstração qualquer palavra que seja desinteressada, pura, ela é sempre um meio para um fim, no caso, a comunicação. E o que se quer comunicar? Oras, se se quer comunica algo, a palavra é intencional. O conteúdo da intenção é uma relação do conteúdo da mensagem com a realidade externa.
Nós nunca nos dirigimos 'puramente' ao mundo, sempre nos dirigimos a pessoas. É com elas que mantemos contato, estabelecemos relações. É com o outro que nos descobrimos a nós mesmos e, a partir daí, vamos nos aprofundando no outro, mergulhando no outro. Esse diálogo não tem fim, mas tem substância e os tijolos desse edifício são as palavras. Intencionais. Ideológicas. Antes de qualquer discurso ideológico pronto, nós nos manifestamos intencionalmente, verbalmente, ideologicamente. Essa interrelação é que compõe um discurso humano, um encontro do Eu com o Outro, a ideologia é Valor.
Vocês são responsáveis por TUDO aquilo que falam, seja aqui no fórum, no facebook, twitter, não apenas em artigos acadêmicos, livros. Não serão exigidas análises detalhadas e científicas, um apurado rigor técnico, conhecimentos jurídicos, isso é apenas recomendável. O que é exigido é que vocês entendem o valor da palavra. Ela não morre, não se desgasta, ou se joga no lixo. Ela sempre vive e mesmo quando o valor que a fundamenta está sendo pisoteado no mesmo momento em que ela é proferida, ela continua cheia de valor, fecunda. Ela vive e se reproduz. O envenenamento do discurso público e político no Brasil é exatamente isso: não é uma questão moral de classes sociais se acusando mutuamente, de indivíduos se desrespeitando, é de como todo esse desrespeito, esse desvalor, está desarticulando e corroendo todas as condições de qualquer debate público, faz cair por terra até mesmo as distinção entre público e privado. Há uma óbvia questão política, de classe, mas há algo ainda mais fundamental: a palavra está viciada. Quando se malbarata a palavra, se polui as fontes mais diretas e puras de qualquer discurso, do valor mesmo daquelas relações básicas e plenas de valor e sentido que revelam o ser humano. Nós rasgamos o valor do ser humano a cada momento nessa crise política porque estamos destruindo a palavra.
Vocês são responsáveis pelas palavras proferidas, todos nós somos. A palavra é um dom, uma graça vinda do alto, não é lixo, é um tesouro a ser preservado. Esse é valor dela e das outras ideologias. Quando não há mais o outro, não há mais luta nem mesmo a simples política. And make no mistake... quando a política morrer morre a humanidade junto com ela. Preservem a palavra.