Pelé não foi, a maionese desandou... Normal
Dentro do que já se dá como normal, tudo caminhava bem.
Normal, numa cerimônia que anunciará, na sede da Fifa, uma Copa do Mundo no Brasil, lá estarem Michel Platini, presidente da UEFA, e Franz Beckenbauer.
Normal os campeoníssimos Romário e Dunga estarem à mesa, como convidados e representantes de honra.
Dentro do que já aceitamos como destino, normal, como se dotado de poderes mágicos para tanto, sentar-se à tal mesa o Paulo Coelho.
E normal não estar naquela mesa, no lugar do Paulo Coelho, o mais maravilhoso, genial e incomparável jogador que o futebol de todo o mundo já produziu: Pelé.
Normal o brasileiríssimo - sob tantos aspectos - Pelé não estar ali. Normal. Ele não é amigo do homi; um dia foi crítico, depois se beijaram, e agora não se sabe bem por quê, Pelé ali não estava.
Normal o presidente Lula. Craque, botou todo mundo - Blatter, Platini, Beckenbauer, Teixeira... - no discurso e no bolso.
Craque, aproveitou a platéia mundial e anunciou que não disputará um terceiro mandato em 2010:
-...em 2014 eu já não serei o presidente...
Normal, se aceitará, se por acaso vier a desmentir-se um dia diante de todo o planeta.
Num jogo de recados que só brasileiros entenderão, e assim mesmo só os mais enfronhandos nas coisas da bola, disse o presidente - o do Brasil - mais ou menos o seguinte: não é uma Copa só da CBF, uma festa reservada da iniciativa privada. É uma Copa do Estado, com a responsabilidade do Estado onde se fizer necessário.
Normal, se aceitará, se o Estado se fizer presente apenas na hora de pagar a conta, as raspas e restos que não interessam ao setor privado. Como no Pan.
Normal o presidente Lula errar um pênalti:
-...Platini, eu chorei, o Brasil chorou quando você fez um gol de pênalti em nós na Copa...
Não foi de pênalti. O gol de Platini foi durante o jogo, Brasil 1, França 1, Copa de 86. O Brasil foi desclassificado nos pênaltis, e Lula errou. Normal, coisas do futebol.
Normal, também, coisas do futebol, a canelada de Lula nos argentinos:
- Faremos uma Copa do Mundo pra argentino nenhum botar defeito...
Tudo ia bem. Elogios, salamaleques, loas, até que chegou o momento da entrevista coletiva, da fuga ao roteiro desde sempre estabelecido. E aí o cenário desmilingüiu-se.
Em angustiantes, constrangedores minutos, um mergulho minimalista nas entranhas, no caráter, na alma do futebol brasileiro porção cupular.
Lula falou, e com razão, de uma certa alegria nata dos brasileiros. Romário e Dunga entraram pela mesma brecha. Ricardo Teixeira, também. Mas, aí, um paradoxo. Insuperável paradoxo. Ricardo Teixeira não é um brasileiro alegre.
Conceda-se que seja - não o conheço pessoalmente - um extraordinário tímido, um homem avesso a púlpitos, microfones e platéias. Que seja isso. Mas aquela carranca, sem um único sorriso, a falar da alegria dos brasileiros...
Tudo bem, ele não precisa ser um Policarpo Quaresma, um homem eufórico com o País, com a vida, mas difícil compreender o porquê de tanta sisudez. Mas, até aí, normal. Cada qual, cada qual. Uma questão de substância própria, íntima.
O cenário ruiu, as máscaras caíram, quando entraram em campo os adjetivos e substantivos. Não os pessoais. Quando forçaram o confronto entre o cenário de ocasião e o mundo real. Primeira pergunta de um repórter, não com essas palavras, mas nesses termos:
- Como o Brasil, que vive um bang-bang, com violência nas ruas, pode garantir segurança numa Copa do Mundo?
Pergunta normal, feita em tom aceitável em qualquer cerimônia em qualquer canto do mundo. Em Zurique, Oslo ou Cocorobó. Mas foi o que bastou.
Teixeira, ainda mais carrancudo, perguntou sobre o perguntador:
- De onde ele é? Origem, origem...
Dito isso, baixou o sarrafo. Chutou, numa só enfiada, os Estados Unidos, a Inglaterra (sem citá-la expressamente) e o Canadá - país de origem do perguntador:
- Nos Estados Unidos atiram dentro das escolas, no Brasil pelo menos isso nós não temos (NR.Presidente Teixeira: No Brasil, há mais de 20 anos temos uma média anual de algo entre 35 mil e 45 mil homicídios.)
Isso não é motivo para que não se faça uma Copa, e o mundial talvez seja até um bálsamo, ou um gatilho para a virada, mas a pergunta mesmo seguiu sem resposta.
Prosseguiu o presidente da CBF:
- Temos, em muitos países, brasileiros assassinados (Jean Charles de Menezes, metrô de Londres, baixou no auditório da Fifa em Zurique.)
E arrematou:
-Agora mesmo, há pouco, uma delegação de brasileiros foi agredida por um policial no Canadá...(Confesso minha ignorância, boiei nessa.)
Joseph Blatter, um homem polido, talvez contaminado pelas palmas efusivas da fatia brasileira na platéia, tomou a palavra e foi no embalo:
-...quando anunciada a Copa na África do Sul, a primeira pergunta foi a mesma. Respeitem os convidados, respeitem essa casa.
Presidente Blatter: jornalistas, por incrível que possa parecer, fazem perguntas, muitas vezes incômodas. Quem não quer ouvi-las não os convida, ou impede que eles entrem no jogo. E, claro, pagam o preço por tanto.
A coisa já não andava bem até que veio, em nova pergunta, a estocada final:
- Como, por que o Pelé não está aqui, nesta mesa?
Ricardo Teixeira poderia ter dito qualquer coisa.
O presidente da CBF poderia ter explicado de N formas, poderia ter se desviado, incensado o grande ausente (E ele fez, a bem da verdade, uma concessão ao dizer que Pelé "nos representaria maravilhosamente"), mas não. Ricardo Teixeira preferiu ser substantivo. E adjetivo. Disse:
- Eu não sei onde o Pelé está. Sei que chamei dois jogadores que foram destaque durante minha passagem na CBF, Dunga e Romário...
Que pena. Mas...normal!
por Bob Fernandes