“Existem, não sei se o sabe Nastenka, existem em Sampetersburgo lugares muito insólitos. Nesses sítios, dir-se-ia que não penetra o mesmo sol que brilha para os outros habitantes da cidade: o sol que ali entra parece ser outro, um novo sol, feito de encomenda para os tais lugares. Nesses sítios, minha querida Nastenka, leva-se uma vida completamente diferente, que em nada se assemelha à que se desenvolve junto de nós, que pode existir num mundo desconhecido, mas não no nosso, na nossa época séria, ultra séria. Esta vida é uma mistura de algo puramente fantástico, de encarniçadamente idealista e , simultaneamente – ai de mim, Nastenka -, de grosseiramente prosaico e comum, para já não dizer de insolitamente vulgar. (...) Vai saber Nastenka (parece-me que nunca me cansarei de lhe chamar Nastenka), vai saber que nestes lugares vivem seres esquisitos: os tais sonhadores. Sabe? O sonhador, para o definir pormenorizadamente, não é um homem, é uma espécie de criatura do gênero neutro. Aloja-se na maior parte do tempo, num inacessível refúgio, como se pretendesse até ocultar-se da luz do dia, e, uma vez encolhido em sua toca, metido na sua casota como o caracol, ou pelo menos parece-se muito, neste aspecto, com esse curioso bichinho que é simultaneamente um animal e uma casa e que se chama tartaruga”
Noites Brancas,
F. Dostoievski