Quando começamos a ter contato com a literatura antropológica lemos a obra de Pierre Clastres, “O arco e o cesto”, divulgada em 1966 numa revista francesa de Antropologia, que nos causou grande impressão, por enfocar a homossexual sob um ângulo muito diferente do que estávamos acostumados a olhar. O trabalho foi baseado em pesquisa realizada pelo autor entre os índios Guayaki (do Paraguai), onde a oposição entre homem e mulher era muito clara, organizava e dominava toda a vida quotidiana. No grupo em questão, os homens caçavam com arco e flecha e as mulheres coletavam alimentos na floresta com um cesto. Segundo o autor, a oposição entre homem e mulher era perpetuada através de um sistema de proibições recíprocas: era proibido às mulheres tocar o arco dos caçadores e aos homens tocar no cesto. Qualquer transgressão acarretaria o “pané”, como por exemplo, a má sorte na caça, o que seria desastroso na economia guayaki. Quando um homem não conseguia se realizar como caçador, ele cessava de ser homem, era obrigado a abandonar o arco, inútil para ele, e, renunciando à sua masculinidade, “trágico e resignado” se encarregava de um cesto.
No exemplo apresentado o “pané”, que antecede a renúncia à masculinidade, é um azar, não tem uma base orgânicas e nem é explicado por uma falha na socialização (na identificação com os modelos masculinos), embora possa ser causado pelo desrespeito a um tabu (ser homem e segurar um cesto, o que, em última analise, é um desvio, geralmente “voluntário”, do padrão masculino).
Entre os guayaki estudados por Pierre Clastres, haviam dois casos de homens que foram “obrigados a renunciar à masculinidade” por serem “pané”, mas, o comportamento deles era muito diferente. O primeiro era viúvo e objeto de zombarias, pois, era desintegrado do meio masculino e feminino (não acompanhava os homens à caça e andava com as mulheres, mas, carregava o cesto que uma mulher dera a ele de modo diferente delas e apanhava algumas caças, pouco valorizadas, com a mão). Era um escândalo, como explicou o autor, pois, era homem sem ser caçador. O segundo caso de “pané” era o de um homem que vivia como uma mulher (adotara atitudes e comportamentos peculiares ao sexo feminino) e que, apesar de “pederasta oficialmente reconhecido”, não chamava atenção e não era objeto de zombaria, pois, era integrado ao meio das mulheres. Analisando os dois casos, o autor comenta que o primeiro era anormal e introduzia na sociedade um fator desordem, enquanto o segundo era, até certo ponto, normal.
No exemplo dado, dois homens são “obrigados” a desistir de ser homem por incompetência na função de caçador (econômica), mas, só um adota atitudes e comportamentos peculiares ao sexo feminino. O que não tornou-se mulher é caracterizado pelo autor como: desintegrado, ocioso, nervoso e descontente. O outro fazia os trabalhos com arte, era adaptado, sereno, à vontade e integrado ao meio feminino.
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