Que bom que mais pessoas decidiram ler esse livro maravilhoso!
(Gente, eu amo Jane Eyre demais da conta, e é muito bom poder reler um dos meus livros preferidos e conversar sobre ele).
Como o ritmo de leitura não está acelerado - o que eu até gosto, porque como não estipulamos um prazo para conversarmos sobre o livro, podemos ler e refletir sobre ele com mais calma e liberdade - vou pontuar algumas coisas contextuais.
Quem já ouviu falar sobre Jane Eyre, deve ter se inteirado do fato de que há inúmeros estudos associando esse livro ao feminismo. Obviamente, não se trata de um livro panfletário ou coisa do tipo. O que se pretende dizer é que, em seu livro, Charlotte Brontë abordou algumas das características que, a partir dos anos 60, seriam claramente associadas à primeira onda do feminismo, isto é, o livro faz um panorama da opressão por que a mulher inglesa passava na primeira metade do século XIX.
Esse romance vitoriano assume o contorno de uma obra autobiográfica, porque a personagem principal parece querer relatar os perrengues pelos quais passou na vida. Mas ela o faz com um grau de indignação tão grande que, por vezes, sua narrativa parece ser o manifesto de uma mulher que, de algum modo, tenta se insurgir contra uma gama de opressões. A primeira delas é a noção de que a mulher é inferior ao homem e, por isso, deve se contentar com o pouco de que lhe é permitido desfrutar.
"É de esperar que as mulheres sejam muito calmas; contudo, elas têm os sentimentos iguais aos homens. Elas necessitam exercitar suas faculdades mentais exatamente como seus irmãos requerem; elas sofrem de um constrangimento excessivo, de uma estagnação completa, semelhante àqueles que os homens sofreriam; é muito oprimente ouvir seus colegas masculinos dizer que as mulheres devem se restringir a fazer pudins, cerzir meias, tocar piano e bordar sacolas. Não é justo condená-las ou pô-las ao ridículo se elas tentarem fazer mais ou aprender mais do que tradicionalmente se concede à sua condição feminina." (Tem como não amar a Jane, minha gente?)
Outra das características da primeira onda feminista que podem ser depreendidas do romance de Charlotte Brontë é a da independência financeira. Vinda da situação de orfandade, Jane sabe que precisa se manter, trabalhar, se sustentar, enfim. E, naquela época, só eram ofertadas duas opções de trabalho para mulher: ser professora ou governanta.
Jane é uma personagem que foge à regra do estereótipo submisso: ela é uma mulher forte, decidida, cheia de opinião, justa e que sabe se defender. Ela não aceita o papel de submissão que todos - a tia, a Igreja, o diretor do orfanato, entre outros - tentam fazê-la aceitar.
"Você é boa com aqueles que são bons com você. É o que eu sempre quis ser. Se as pessoas fossem sempre gentis e obedientes para com aqueles que lhes são cruéis e injustos, as pessoas más sairiam sempre ganhando. Não temeriam nada e, assim, nunca se transformariam. Ao contrário, só iriam piorar. Quando somos agredidos sem razão, devemos agredir de volta, e com toda a força. Estou convicta disto: com força suficiente para ensinar à pessoa que nos agrediu a não fazer aquilo de novo".
Acho esse trecho interessante porque ele fala sobre um contexto de opressão e ensina que, enquanto o oprimido não reagir, o opressor continuará agindo livremente. Além disso, quando se fala sobre reagir ao invés de tratar bem quem te agride, fica bastante claro que isso pode funcionar como um reforço para a atitude do agressor. Se toda vez que ele te atacar, você aceitar o ataque como se o merecesse, ele nunca achará que precisa rever suas ações.
P.S.: Não sei se vocês veem "Anne with an E", mas, no primeiro episódio, Anne diz que ama "Jane Eyre" e, no segundo, acho, ela cita, integralmente, uma fala da Jane que eu adoro: "Mesmo que o mundo inteiro detestasse você e a achasse má, se sua consciência a absolvesse de qualquer culpa, você não estaria sozinha".