Agora Berlim chama muito mais atenção por não ter um representante decente pra pelo menos se manter na primeira divisão estando num patamar igual ao de Brasília, mas Berlim tem muito mais história e estrutura que a nossa capital.
Chama a atenção mesmo, e há uma boa razão, creio eu, por trás disso. Vou aproveitar para falar da estrutura do futebol alemão, ao meu precário entender, e a relação com a estrutura social, demográfica, geoeconômica e política.
Ocorre que, como no Brasil, a Alemanha não teve uma liga unificada no seu atual formato até o ano de 1963, fazendo algo parecido com a Taça Brasil.
As razões para que isso decorresse são, claro, (quase) completamente diferentes das nossas. Vou falar no final, só pelo gancho, do processo brasileiro. Antes disso, vou discorrer sobre o futebol na Alemanha, sua fundação e sua evolução histórica. Como isso vem de sombra de ideias muito pouco consolidadas, quem souber mais de História, que me corrija.
A Alemanha como nós conhecemos hoje é uma invenção recente. Embora o Sacro Império Romano-Germânico fosse uma entidade formal que cobria grande parte do atual país teutônico, era muito mais apenas uma
entidade formal. Os Estados que o cumpunham, embora tivessem certos acordos econômicos eram, para todos os efeitos, independentes. É com o surgimento da Prússia (em latim, Borussia), que se consolida a partir do século XVIII, abrangendo a maior parte desses antigos Estados que mais adiante vai aparecer o Império Alemão.
E é dentro desse Império, com suas províncias e reinos muitas vezes com monarcas semi-autonômos (como a Baviera) que vão surgir, como na Europa fora da Grã-Bretanha e na América do Sul, os times de futebol, na virada entre os séculos XIX e XX. E elas eram parte de um fenômeno típico a partir daí, as associações (
Verein) que surgem muitas vezes para a diversão dos trabalhadores e se justificam sociologicamente, unindo em torno de um interesse comum um povo, como sabemos, bastante individualista. Daí talvez a tradição de gestão descentralizada do clube, ao invés da estrutura de proprietário único do futebol inglês, que surge num contexto de capitalismo industrial não-regulamentado, sem a força de um Partido Social-Democrata.
Nessa rede de estados semi-autônomos e recém saídos da independência, os campeonatos se formam primeiramente de uma forma regional. Depois, fazem um campeonato, unificando os campeões dos campeonatos regionais. O regime nazista ia fazer algo importante: sepultar na prática a Prússia, fragmentando-a em vários Estados - e abrindo caminho para uma predominância bávara na economia, décadas depois. As ligas giram em torno das regionais administrativas do Partido Nazista (as
Gaue), mas sua natureza não muda na prática.
Duas décadas depois da guerra, sem grandes mudanças também na estrutura geral, mas é aí que Berlim se ferra. A Alemanha é dividida em dois países, e a Liga da parte ocidental em 5: Norte (Baixa Saxônia, Hamburgo, Bremen, etc.), Noroeste (Renânia do Norte-Westfália, e só ela - o "buraco" de onde vem Borussia, Schalke, Colônia, Leverkusen, Fortuna, Gladbach, para citar times mais conhecidos), Sudoeste (em torno de Baden), Sul (Baviera mais Estados menores) e Berlim Ocidental. Mas Berlim Ocidental é uma região muito menor que as outras, e, encravada dentro da DDR, muito menos ligada à dinâmica econômica. Daí, a pequenez do futebol berlinense, penso eu. Tanto que cada uma das outras ligas tinha duas vagas no torneio nacional, e Berlim só uma.
Como a Alemanha, ocupada em diferentes zonas até a década de 50, não tinha liberdade política e, muito mais e por mais tempo, moral para construir um novo senso nacional, a Bundesliga como conhecemos só se consolidou em 63. Com a fragmentação da Prússia, a Baviera foi a coisa mais forte que sobrou, e daí vem a primazia deste Estado na economia e a hegemonia do Bayern.
Então, os clubes são mais democráticos pela sua origem em associações, a torcida vai ao estádio
em parte por ser uma via institucional de coletivização, de convivência múltipla, a estrutura é descentralizada porque o país é, não tendo tido uma consolidação absolutista no fim da Idade Média. A Itália, que também teve uma unificação tardia, também tem uma rede urbana descentralizada. Só que a rede econômica não é, estando concentrada no Norte.
Aqui no Brasil, isso ocorria por falta de infraestrutura, isso é, a falta de um sistema logístico e de comunicação unificado para se trafegar e até para pensar o próprio País. Havia dificuldades para se viajar e para transmitir jogos para o país inteiro, por TV ou por rádio - não que isso não ocorresse at all, mas limitava o número de transmissões e de jogos estaduais. A estrutura gestativa e política do futebol sempre lembra muito, mas muito, a estrutura socioeconômical à época da fundação dos clubes naquele país. Ela é mais conservadora que a política, porque não tem a obrigação social de mudar.
E aí tá nosso calcanhar de Aquiles. Nosso futebol foi fundado na (desgraça da) República Velha com seus coronés. E é assim que eles são geridos: por senhores ilustres que, por benesse e como instrumento político, fornecem o pão e o circo aos seus subordinados, em suma, ao seu curral político. Essa autonomia da oligarquia de cada Estado nesse período também contribuiu para fechar o futebol em torno de unidades regionais, centrada na capital. Para ser Conselheiro, você tem que ser um torcedor notório, aprovado para entrar no clubinho do Bolinha. Enfim, não pode ser "bola-preta". E entrou, não sai mais, até chamam de "cardeal". Mas se a gente tenta romper com esse passado para instaurar uma ordem verdadeiramente republicana, também deveríamos tentar fazê-o nos clubes.