Metallica - Ride The Lightning ( 1984 )
Metallica - Ride The Lightning
Um review crítico por Stein
Por que eu tive a idéia de fazer esse review para começar? Porque esse é o primeiro bom disco que eu ganhei. Foi quando eu realmente passei a me interessar por música. E só anteontem ( 25 /7/03 ), quando eu peguei o CD novamente para escutar que eu me toquei que à partir desse disco, todos os que se seguiram na minha estante foram bons álbuns.
Racionalizei; o que faz de um disco de trash metal de 1984 tão bom? Especificamente, o segundo álbum de uma banda cujo último álbum, lançado nesse ano, me decepcionou profundamente assim como outros dois da década de 90 que me recuso a comprar.
O disco é composto por 8 faixas, tamanho médio destas próximo à 6 minutos. O primeiro álbum,
"Kill 'Em All" ( 1983 ), bem diferente musicalmente desse, teve uma gravação precária. O que é nitidamente notado no "Ride The Lightning" para quem conhece o anterior é uma voz bem mais madura de Hetfield e o som claro de cada um dos quatro instrumentos. Sobre a qualidade das composições, eu comentarei...
Fight Fire With Fire ( 4:45 )
Começo acústico calminho, explosão decibélica de acordes supersônicos, letra brutal acompanhando a riff, solo fenomenal e finalização apoteótica. Algumas composições do Metallica prosseguiram com essa tradição.
Holocausto nuclear, referências ao Apocalipse bíblico, lugares-comuns que sintetizam a destruição global. Lembremos que estamos nos anos 80, a Guerra Fria ainda gera alguns atritos. Essa temática eu presumo que era um cliché no meio underground.
Puramente e simplesmente brutal. Posso apontar para as similaridades da segunda parte do solo com o mesmo em "Master Of Puppets" música tema do álbum que precede este.
Ride The Lightning ( 6:38 )
Canção tema, já começa com um arranjo fora do comum que vai introduzir à riff que acompanhará a música inteira. É somente um disco imponente de uma banda que acabara de começar. Para serem mais fortes e influentes, o que fizeram? Do amplo tema Mal, constuíram uma canção procurando que esta fosse séria.
Pegue algumas coisas "satânicas" dos anos 70, serve até Black Sabbath. Você sente que aquilo é escrachado, que esse era o intuito, vários vendendo discos com músicas que não são sérias, não feitas para representar algo. ( a não ser para os fanáticos dementes )
Essa faixa me remota ao contrário. O tema não é ridicularizado. O tema, independente de sua importância, está sendo tomado a sério. Tanto que essa faixa é belamente trabalhada por esses músicos em começo de carreira.
Pena de morte, negligência na justiça americana, atos anti-éticos, eu sinto uma ponta de protesto político aqui, que sera impactante no álbum And Justice For Al. Por mais que o tema seja coisa batida de filme de terror B, execução em cadeira elétrica.
O ambiente mórbido é retratado ao extremo por meio da letra. Pessoas más brincando de Deus e não dando a mínima para isso. O dualismo entre o sofrimento e indiferença do condenado. O final iminente deste à medida que a letra prossegue.
Apesar de eu não conhecer muito o trabalho do Megadeth, esse tipo de tema trash parece ser mais influente para o lado deles. Por isso que essa música merece dar crédito à David Mustaine, pois a origem de Ride The Lightning remota a quando este indivíduo ainda estava na banda.
Uma boa pedida também é o desenvolvimento instrumental fenomenal de Kirk Hammet. Momento emocionante e expressivo da música é o solo. E pensar que esse cara se corrompeu e vendeu seu talento para tralhas toscas como Load e Re-Load.
For Whom The Bell Tolls ( 5:11 )
Durante muito tempo esta foi a faixa que eu mais gostava. É feita para headbangers. Especialmente o início, que desenvolve para um pequeno clímax extremamente brutal. Depois disso, a variação musical só está contida mesmo na letra, bem elaborada, apesar de eu achar a melodia harmônica.
É comum em bandas de heavy metal citações literárias, mesmo que só no nome. Posso dar um zilhão de exemplos com o Iron Maiden. For Whom The Bell Tolls ( Por quem os sinos dobram ) é um sermão escrito por John Donne que mais tarde Ernest Hemingway utilizou como título para um livro sobre a guerra civil espanhola.
Desconheço as duas criações literárias. Mas suponho que a letra não tenha muitas relações com ambas. Acho que a citação está aí simplesmente pelo seu efeito, seu poder.
Pelo que interpreto, é um bando de homens armados que lutam no amanhecer pela posse de uma colina (?). Mas isso não diz muito. "Por quem os sinos dobram" no meio local significaria "quem que acabou perdendo a vida na disputa desse amanhecer".
Fade To Black ( 6:55 )
Essa faixa é bem interessante. O começo instrumental é bem deprimente, com um solo melancólico acompanhado depois por uma parte acústica.
Letra pessimista, "se-mate-e-acabe-logo-com-isso". Não vale mais a pena viver, tudo gera uma grande crise existencial. Sofrimento. Redundância em todos esses termos.
Parece um grande cliché novamente, certo? Mas eu tenho muita estima por essa canção. Basta você levá-la um pouco à sério. Não é nada brilhante, mas consegue ser bonito na minha opinião.
Para falar à verdade, considero esta superior às músicas de clima triste que a sucederam, que chegam a ser banais. Inclui Nothing Else Matters e The Unforgiven. E acrescento ainda mais; isso foi um claro marco de início para Nothing Else Matters, vide uma citação na letra.
Sobre a melodia, as grandes frases de efeito da primeira e segunda parte são expressas após arranjos motivadores, de esperança. O que é contraditório visto que a razão de viver é cada vez mais eliminada com essas "frases de efeito".
A terceira parte é uma incógnita para mim. Ela simplesmente não é muito bem encaixada musicalmente, fora do padrão. Novamente, pela segunda vez, me soa familiar à algo primordial dos anos 70, por técnica e entonação do vocal. Curioso.
Após isso, mais um belíssimo solo que a finaliza.
Trapped Under Ice ( 4:04 )
Você está sobre um entulho de neve, possivelmente de uma avalanche, esperando sua morte iminente e congelante.
Existe alguma coisa mais trash do que isso? Eu não consigo pensar... Talvez zumbis se levantando dos túmulos ou alguma temática do gênero.
Note que eu não estou, falando assim dessa maneira pejorativa, dando descrédito à essa música. Ela simplesmente é um tapa-buraco do álbum e para mim faz bastante sentido para esse estágio da banda.
Vocabulário condensado. Criogenia, gelo, cristalização, imobilização e aflição, tudo está aqui.
Noto outro padrão nas boas músicas do Metallica; àquelas sobre alguém que fez alguma cagada grande e agora aguarda ansiosamente pela morte. O viciado em heroína em "Master Of Puppets" ou o soldado que pisou na mina terrestre em "One".
Nada mais à acrescentar eu creio.
Escape ( 4:24 )
De longe, a música mais fora de comum do álbum na minha opinião.
Em primeiro lugar, a temática é de verdadeira esperança. O indivíduo retratado é alguém forte, bem disposto para enfrentar seus problemas. Algo feliz demais para um álbum com músicas sobre aprisionamentos em neve, execuções em cadeira elétrica, filosofia mórbida que leva à morte, entidades antigas alienígenas malignas, escravidão, hecatombe termonuclear e disputas territoriais que novamente, levam à morte.
E pela segunda vez, uma ponta de criticismo político. Rebelião e contestação contra um mundo autoritário e repressor. "Ele" tem consciência disso. E tudo depende "dele". A iniciativa só pode ser tomada por "ele" próprio. E "ele" vai vencer. Isso para mim é bastante motivador.
Outra interpretação possível é de que o personagem é um criminoso detido, novamente incompreendido e julgado, sendo interrogado.
Creeping Death ( 6:37 )
Ah, essa é espetacular. Ela difere das demais até agora por ter background histórico ( fantástico, mitológico ) e por ser incrivelmente épica.
Isso é compreendido do início. Riffs poderosas, que introduzem propiciamente à letra...
...dita cuja, é muito bem bolada. Tudo gera em torno da citação bíblica das Pragas do Egito. Precisamente, após a nona praga da Escuridão, vêm a execução de todas as crianças egípcias nascidas no dia seguinte. Isso inclui o filho do Faraó. Após esse feito, o Faraó finalmente deixará Moisés guiar o povo hebreu rumo à Terra Prometida.
O interessante é que é o próprio Deus Jeová The Deliverer quem executa pessoalmente esse castigo. E a música refere-se à "Morte Horripilante". Então, pode-se considerar que essa "Morte Horripilante" é extensão do Deus Jeová.
Inúmeras citações são encontradas. A condição dos escravos hebreus, a necessidade de registrar os feitos ( claro... pura ficção, mas é o livro mais famoso da história da humanidade ), o "arbusto pegando fogo", as pragas do Nilo de sangue e da escuridão. Monstruoso. Glorioso.
O refrão tem excelente acompanhamento musical, que no instante da interferência divina mórbida condiciona à um clima de julgamento.
Alguém que realmente entende de música já me deu uma explicação para o que caracterizaria a sonoridade "épica" de vários arranjos. Algo em torno de escalas.
As mesmas finalizam a canção com uma proporção grandiosa. Essa faixa é realmente boa demais.
The Call Of Ktulu ( 8:55 )
"The Call Of Cthulhu" é um conto, publicado em 1926 pelo escritor H.P. Lovecraft. Lovecraft confeccionou uma mitologia na qual suas histórias se abrigam de magnitudes nunca antes descritas por escritores de horror / ficção científica.
A premissa pode ser significada dessa maneira; a verdade acerca nosso universo e mundo está condicionada à entidades alienígenas extremamente poderosas e malignas, deuses. Cabe à nós, meros seres humanos, jamais tomar conhecimento sobre essa verdade; ela está além do nosso patético limite de compreensão.
Os personagens que se deparam com uma pequena lasca dessa verdade nas histórias de Lovecraft acabam loucos, extremamente machucados, se matando ou são mortos. É incrível.
Comecei a ler seus contos faz poucos meses; já tenho no meu repertório mais de uma dezena. E digo mais, recomendo à todos, eu pessoalmente acho-os geniais. É uma leitura fascinante, algo totalmente diferente de tudo que você já leu. Suas histórias balanceiam do mais puro horror gótico à ficção científica apoiada em descobertas astronômicas contemporâneas ( anos 20 ) acerca nosso imenso universo.
Cthulhu é um Great Old One. Cthulhu venera o über-powerful-caos-atômico Azathoth. E Cthulhu se encontra em nosso planeta... adormecido, sob a cidade de R'lyeh, no Oceano Pacífico, que se reerguerá quando às estrelas estiverem na posição correta.
E esse momento se encontra mais próximo do que você imagina. E isso coincidirá possivelmente com o extermínio da humanidade. No conto, várias mentes equilibradas ficam ensandecidas por meio de horripilantes sonhos gerados na mente desse Antigo.
Na história, achados arqueológicos, canibais esquimós, cultos de Vodu em Nova Orleans e um navio pesqueiro à vapor são peças do quebra-cabeça. Sugiro que todos a leiam, é muito bom mesmo, na minha opinião. Não darei mais spoilers.
Pois bem... Esse é o background. Novamente, uma citação literária. Você pode interpretar o progresso dessa maravilhosa composição instrumental de acordo com o conto. Mais tarde eu posso dedicar mais tempo para fazer isso.
Início calmo e leve, já bem requintado. Vai desenvolvendo, se transformando cada vez mais poderoso. A percussão entra. Essa música monstro está sendo criada. E o desenrolar anuncia a iminente explosão...
Arranjos brilhantemente elaborados. Desenvolvimento com melodias diferentes simultâneas, porém que geram um ambiente terrível. Você se acostuma e aguarda por mais que será adicionado.
Clímax. Precisão instrumental maravilhosa de Cliff Burton seguido por Kirk Hammet, que dá ainda mais cor e grandeza ao tema desse Great Old One
Solo estonteante, impecável. Esse cara é bom instrumentista. E essa música é elaborada demais.
O tema se sucede, repetindo a abertura do clímax, mas condicionando para outro lado. O produto disso é mais um gesto da grandiosidade do tema.
Breves acréscimos e outro gesto de poder. Se lembram das escalas? Estão aqui. Fazendo um pré-desfecho. O resultado é previsível. Retorno ao tema calmo.
Previsível, algo apoteótico está para vir. Tudo ao mesmo tempo para finalizar por completo essa composição instrumental de qualidade fenomenal.
E com chave de ouro, completa esse ótimo álbum. E essa por sinal, é a minha composição favorita do grupo. Novamente, alguns créditos para David Mustaine. Algo impressionante para um segundo álbum.
Difícil dizer se prefiro essa versão pura ou à do S&M, que rendeu um Grammy ao atual grupo marketeiro capitalista nojento vendido e traidor.
A música The Thing That Should Not Be do álbum seguinte é explicitamente baseada novamente no trabalho de Lovecraft. Portanto, os caras sabiam de alguma coisa.
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E assim termino o meu review. Possivelmente você nunca chegará a ler essas palavras porque eu escrevo demais, mas mesmo assim, que fique assim de referência. Comentários / Críticas / Gestos violentos são bem vindos...
Pretendo fazer o mesmo para o resto dos discos que tenho com exceção do Black Album.