Então, eu pensava o seguinte: não interessa de que medicamento estejamos falando, existe um protocolo para que venha a ser utilizado - os laboratórios realizam os estudos e apontam eficácia, efeitos colaterais e tudo mais, e, com base nesses resultados, Ministério da Saúde, conselhos médicos, hospitais ou seja lá o que for o autorizam/recomendam (ou não) aos seus profissionais. Seria irresponsabilidade da unidade de saúde, ou do médico, arriscar um medicamento que não tem eficácia comprovada nem estudo sério apontando os riscos.
A Florentina de Jesus é um desses medicamentos. Com a premissa acima, os "anti" estariam corretos no mérito e ponto final, pouco importa que inflamados por motivos políticos.
Bem, agora eu estou convencido de que a premissa está errada. E o fato de que ela me parecesse óbvia é que reforça essa frase do Amon: não nos cabe conduzir esse debate.
Segundo esse amigo com que discuti - médico atuante na COVID em vários hospitais, e não tenho motivos para acreditar que suas informações estejam equivocadas -, não é verdade que a prescrição médica seja condicionada ao último grau de estudo científico. Na verdade, muitos dos medicamentos amplamente utilizados nas especialidades mais consolidadas da Medicina, como a cardiologia, NÃO possuem esse lastro - o chamado "nível A de evidência", sistematizado, com todos aqueles altos padrões de verificação (ensaios randomizados com duplo-cegos e tudo mais). A academia e a observação empírica os endossaram ao tempo em que foram caindo em uso corrente.
Quando aparece uma doença como esta, nova e letal, o médico tem duas opções: não fazer nada, tratando apenas dos sintomas até surgirem estudos conclusivos, ou prescrever medicamentos que devem funcionar: por dedução - acadêmica, profissional - ou empirismo - notícias de experiências bem sucedidas (e que também só podem ter partido de dedução). Há uma análise de risco-benefício, e realizada com menor abstração, porque aplicada ao paciente ali em concreto, considerado o seu estado geral, histórico etc: ante a probabilidade de dar certo, qual é a probabilidade de desencadear algo pior? É significativa a ponto de ser mais vantajoso não fazer nada?
Eis a realidade: muitos médicos, inclusive infectologistas que são referências nacionais (como o do Albert Einstein e do Emílio Ribas), quando foram infectados, se autoprescreveram medicamentos "off-label", como a própria hidroxicloroquina: naturalmente, porque acreditaram que eram válidos, com risco-benefício favorável; ao mesmo tempo, não podiam recomendá-las publicamente devido a esse "evidencionismo", que nunca foi um imperativo médico, mas que parte da sociedade passou a acreditar e defender com unhas e dentes, grandemente motivada por política.
Isso não vale apenas para a hidroxicloroquina, que só se tornou o centro das atenções porque políticos irresponsáveis resolveram bancá-la publicamente. A dexametasona, por exemplo, só alcançou nível A de evidência muito recentemente - mas quase todos os hospitais já a utilizavam em larga escala para o tratamento da COVID, porque a dedução e o empirismo apontavam muito claramente para o risco-benefício favorável. Quantas pessoas foram salvas porque a maioria dos hospitais decidiu não esperar?
Isso também não significa que os estudos científicos não abalizem as decisões dos médicos. Um estudo robusto, analisado pelos pares, que aponte para a ineficácia, efeitos colaterais graves ou qualquer indicativo de risco-benefício desfavorável certamente teria peso para a revisão de um protocolo. Mas veja só: nem com a divulgação de um estudo aparentemente inexorável nós, sociedade leiga, podemos tomar um lado tão convicto em militância, simplesmente porque ele não é dirigido a nós, mas aos médicos, e só eles são capazes de julgá-lo - tanto sobre a sua idoneidade, quanto sobre o que exatamente fazer com aquilo.
Nenhum exemplo melhor que o famigerado estudo da Lancet!, que muitos divulgaram, agora suspenso por indícios de fraude. E agora, veja só, têm saído alguns estudos favoráveis à hidroxicloroquina. O que fazemos com isso? Minions, compartilhar, orgulhosos? Isentões, compartilhar, retratando-se? R. Absolutamente nada. Deixamos para os médicos as devidas conclusões.