Gente, que preguiça.
Uma coisa invalida esse texto pra mim:
Martin se insere em uma tendência que têm se mostrado nociva à formação literária das novas gerações. A tendência de fazer com que o leitor se sinta muito inteligente por estar lendo.
Para começar, essa "tendência" é uma percepção (e bem subjetiva) do autor da qual não partilho. Não vejo no meu círculo de amigos e nos espaços que visito e ocupo na internet ninguém que se ache inteligentão por ler (e gostar) de GoT. No fim das contas, parece que o autor está dizendo "Ah, você se acha inteligentão porque lê Martin, mas eu que sou inteligentão porque leio David Forster Wallace".
Agora, é inegável que GoT é muito mais sofisticado que um Código da Vinci da vida (em questão de escopo, técnica, proposta, inovação, estilo e desenvolvimento de personagens) e existem infinitos pontos na reta que vai da "literatura de entretenimento" à "alta literatura". Defender as qualidades de GoT em comparação à literatura de entretenimento "média" não significa que quem o faz se ache um entendedor literário.
Também discordo fortemente da noção de que fenômenos como Harry Potter são nocivos à formação literária das novas gerações. O moleque que leu HP e cresceu pra ler Stephen King e nada mais não acabaria lendo Dostoyévski se nunca tivesse se interessado pelos livros da Rowling. Qual a lógica usada para sugerir o contrário?
À ótima observação do Deriel:
A literatura (como tudo na vida) tem duas qualidades: a objetiva e a subjetiva. A primeira é baseada nas propriedades da obra em si, sua estrutura, sua temporalidades e outras características. Normalmente é disputada, mas não tanto assim. Por exemplo, praticamente ninguém disputa que Shakespeare é O cara, nem que Divina Comédia é uma obra extremamente relevante. Já a segunda qualidade, a subjetiva, é você gostar ou não dela. Aí vale qualquer coisa que te adoce o bico e ninguém tem nada a ver com isso.
acrescento uma pergunta: "Um livro é bom em que sentido?", ou ainda "É bom para quem?". Precisamos mesmo comparar YA com Literary Fiction? Um livro só pode ser considerado bom se estiver no mesmo patamar dos clássicos tradicionais? Não podemos classificar um livro infanto-juvenil ou um livro de fantasia como bons sem precisar usar os mesmos padrões com os quais analisamos Grande Sertão Veredas?
É mais benéfico para o adolescente que está lá no ensino médio lidando com as dores e delícias típicas dessa fase que ele leia Aristóteles e Dante Descobrem os Segredos do Universo ou que ele leia Os Irmão Karamazov? Essa resposta é (ou precisa ser) igual para todo mundo? Eu fui uma adolescente cabeçona que mergulhava nos clássicos desde pequenininha e me surpreendi com o quão diferente (e melhor) foi reler Crime e Castigo aos 20 anos depois de ter lido o livro pela primeira vez aos 14.
O Daniel Feltrin acabou de falar no Twitter:
Gosto de pensar que antes de Ulysses passamos 200 anos tentando dizer o que é um Romance. Depois estamos há 100 tentando dizer o que não é.
E para que fazemos isso?
Minha formação literária começou bem pequenininha, quando entendi por causa dos meus pais que um livro pode servir pra tudo: pra se divertir e aprender, pra viajar para Paris ou pra Nárnia, pra enxergar melhor com meus próprios olhos ou pra ver através dos olhos dos outros. Mas, no fim das contas, um livro serve para qualquer coisa, para o que você quiser, e mais danoso para a formação de novos leitores do que o sucesso de HP e GoT é essa insistência em tratar como válidos apenas os cânones.