OK, agora que já falei sobre como o elfo negro não entra na minha crítica - aliás, pelo contrário, a cena dele é uma das únicas que me passou aquele feeling da trilogia original, assim como a cena que sobrevoa a cidade, que está linda - posso continuar com meu argumento.
Como eu vinha dizendo, sigo com a fortíssima impressão de que hollywood & cia não sabem lidar com a IDEIA da imortalidade dos elfos, e queria que todos os elfos fossem atores de entre, sei lá, 20 e 30 anos, talvez com a exceção dos elfos que excepcionalmente envelheceram, tipo os que foram torturados em Angband ou o Círdan, que tinha barba e parecia mais velho.
Olhem que coisa linda é o
Athrabeth, o diálogo de Andreth e Finrod sobre a natureza da mortalidade e da imortalidade e sobre como elfos e homens encaram a vida, o universo e tudo mais a partir das experiências deles.
Claro que eu não tenho ilusão alguma que um produtor da Amazon fosse conhecer algo tão escondido no HoME, mas uma pessoa minimamente razoável que leia o senhor dos aneis e o silmarillion conseguiria captar a ideia da coisa.
Desde a sociedade do anel eu acho muito significativo e preocupante que a idade dos elfos é RELATIVA. O referencial de qual ator vai fazer cada elfo tem a ver com os FAMILIARES do personagem. Que lambança.
Querem um exemplo?
Elrond e Arwen. Elrond tem mais ou menos 6500 anos no senhor dos aneis. O ator Hugo Weaving tinha mais ou menos 40 anos. Já Arwen tinha mais ou menos 3000 anos e Liv Tyler tinha mais ou menos 23 anos na trilogia.
Eu defendo que os atores deveriam ter a mesma idade, mais ou menos. No mínimo Elrond não deveria parecer ter idade para ser o pai da Arwen, de propósito. "Ah, mas o público ia estranhar". É PARA ESTRANHAR! Isso faz parte do worldbuilding: elfos são imortais. Isso faz a gente sentir o mesmo senso de estranhamento e deslumbre que o Sam quando chega a Rivendell e vê os elfos.
Mas não tiveram coragem de fazer isso.
Depois vem o Hobbit. Legolas tinha mais ou menos a mesma idade da Arwen, e Orlando Bloom tem a mesma idade de Liv Tyler. Lee Pace, que faz Thranduil, é mais novo que eles! O que é ótimo, faz sentido. Ele parece mais velho que o Legolas no filme, mas ok, vou dar o crédito.
Agora a série da Amazon. Na segunda era temos dois personagens queridos e conhecidos do público que só viu os filmes: Elrond e Galadriel. Até aí tudo bem. Faz sentido eles estarem na série, e até faz sentido eles serem personagens centrais. Mas para hollywood os personagens centrais precisam ter arcos de desenvolvimento, precisam partir de um ponto "problemático" e evoluir como pessoas.
Daí vem a série e resolve comprimir a linha do tempo.
Elrond e Galadriel já têm uns bons milhares de anos de idade. A evolução da vida élfica, pelo que me lembro, é de ser criança e adolescente por uns 100 anos e depois virar adulto "de verdade" com uns 300 anos, algo assim (impressões minhas).
Eles já eram adultos há muito tempo na segunda era.
Mas OK, a série mostra cenas da primeira era - acho que vão ser flashbacks curtos por motivos legais dos direitos de adaptação.
Mas ainda assim... Galadriel como imatura impulsiva, Elrond como aspirante a político manipulador... O problema talvez nem seja tanto que tenham colocado esses personagens nessas gavetinhas, mas o medo que eu tenho com o clichê desse "tipo" de personagem. Já consigo imaginar o arco de de desenvolvimento deles, e não faz sentido nenhum.
Mais uma vez: a base para a "decisão" de qual idade eles terão e quais serão os conflitos desses personagens não é feita com base no que faz sentido na linha do tempo da vida e do desenvolvimento desses personagens, mas sim com um critério comparativo, isto é: a série ignora que eles não são "jovens" porque o que interessa é que eles são "mais jovens do que no senhor dos aneis", o que dá a oportunidade de contar uma história de "como eles se tornaram quem a gente viu no senhor dos aneis". E o perigo está na linha do tempo comprimida e pela justificativa dos meios pelos fins.
Acho que essa série teve uma pré produção corrida demais e acho que isso vai ser visível no resultado final. Tudo corrido demais, sem tempo para uma reflexão essencial para dar alma a esse projeto.
Aliás, boa parte do que eu venho reclamando pode ser explicado pela analogia das gavetinhas.
Vamos ter a gavetinha dos proto-hobbits, a gavetinha dos anões, a gavetinha da espada-que-foi-quebrada, a gavetinha de um pseudo-Aragorn, e por aí vai... Fins que justificam os meios. Receita pronta pra dar ruim.