Assim como acontece com diversos personagens de Tolkien, Bombadil é, de fato, uma miscelânea de influências, referências e associações literárias/mitológicas diversas e até mesmo uma pitadinha
de Avatar de Autor, o tropo da TV Tropes. Uma coisa não precisa eliminar a outra, essas analogias e ingredientes diversos coexistem dentro do conjunto de associações simbólicas sem que haja mútua exclusão entre quaisquer delas.
Dentro do mundo de Tolkien, por motivos diversos, quem conhece a obra sabe que vários personagens contêm pedaços e fragmentos de analogias com o próprio autor: Faramir ("As far as any character is 'like me', it is Faramir"), Fëanor, Gandalf, Aulë, Pengolodh, Beren, Aldarion, Bilbo e, acho, até mesmo Melkor, têm algo de Tolkien dentro de si. Por que não Bombadil então?
Quanto ao que Bombadil era e por quê Tolkien resolveu ser tão lacônico e misterioso a respeito do tema, qualquer dia desses, quando eu tiver paciência de escrever
outro texto Ungoliant like ( ou seja, vai dar uma monografia, a coisa é MUITO COMPLICADA ), eu vou dar aquela que me parece ser a resposta infletindo na direção correta.
Só adiantando: a meu ver, existem motivos MUITO BONS E FORTES pra Tolkien ter resolvido sugerir a existência de explicação sem ter dado nenhuma pista forte "in universe" no fim das contas. Situações análogas com aquelas que redundaram na alteração retroativa provável da origem do nome Moria.
Palpite meu: o nome da localização original "real" da criação dos Anões Tolkienianos, estranhamente nunca revelado ( muito suspeito, né?), era, justamente, Moria, o local onde os patriarcas dos anões quase foram sacrificados pra aplacar o descontentamento de Eru em uma situação que remete ao seu análogo bíblico.
Tolkien repudiou o simbolismo por causa do medo de ser associado com idéias simpatizantes ao Zionismo judaico que culminou na criação do Estado de Israel. Uma posição com a qual ele , certamente, concordava até a época da redação do SdA mas, que , posteriormente, deve ter sido revista por ele,
dado o modo com que a idéia acabou sendo implementada em data próxima da conclusão da escrita do livro, em 1948. E, devemos lembrar, Moria é a "Terra Prometida" para a qual os Anões querem voltar na época do SdA, a terra ocupada por inimigos "orientais" que usam cimitarras e outras armas associadas ao Oriente Médio.
Tem, inclusive,
um bom bocado a ver com a relação de amor e ódio com a mitologia celta e com a negativa de influência desse complexo de mitos do noroeste da Europa sobre o Legendarium a despeito de todas as evidências em contrário. E muito a ver com o quê foi feito com esses mitos desde a década de vinte pra cá em termos de influência no imaginário popular e na configuração religiosa de nossa sociedade atual.
Devido à natureza enigmática do personagem, a princípio, penso eu, mesmo as especulações que Tolkien, explicitamente, descartou como a de Avatar de Ilúvatar, não são, de todo, desdenháveis; afinal de contas, existem motivos pra que tantas pessoas façam essa dedução independente umas das outras, vcs não acham? Até porque, lembremos,
Tom Bombadil, assim como os Gigantes do Hobbit, NÃO HAVIA sido criado, originalmente, pra fazer parte da Terra Média.
Então, por essa lógica, é possível, sim, que ele contivesse algo de demiúrgico, a la Aslan de Narnia, na sua tessitura original, como o poder "mágico" da linguagem dele parece sugerir.
Mesmo que Tolkien, no fim, tenha pensando numa explicação viável pra ele dentro da cosmologia da Terra Media, ou seja, que não contradisesse a noção de não haver encarnação do Uno antes do Cristo, já que Arda é o nosso mundo no passado, como Meneldur bem explicou, isso NÃO QUER DIZER que não tenha ficado algo dessa idéia de "ser primordial cuja palavra é lei" no DNA do personagem ( assim como ficou uma pitadinha de Hela em Nienna reminiscente da caracterização sombria dela no Livro dos Contos Perdidos), uma idéia que Tolkien importou tanto da Bíblia quanto do Kalevala, onde
Vainamoinen é um análogo de Bombadil em bem mais de um aspecto.
Vide aí a similaridade da capa da primeira edição portuguesa do As Aventuras de Tom Bombadil e essa pintura mostrando Vainamoinen tentando pegar
Aino que depois teria se transformado num espírito da água ( Goldberry a filha do rio nem um pouco né) após fugir do Demiurgo casadoiro.
Que, também, coincidentemente(?) também é parecida com essa outra do Vainamoinen peitando a demoníaca Louhi na luta pela posse do Sampo. Considerando detalhes como a mão dele no leme da embarcação e o pé estirado das criaturas parece mesmo que o artista da Europa-América usou a pintura como um tipo de template.
E muita coisa que Tolkien falou sobre o seu universo, inspirações e intenções não se provaram como verdades absolutas; então acho bom uma certa dose de tolerância e cautela pelas teorias divergentes, por mais desautorizadas que possam ser devido ao tropo
Word of God que, bem ou mal, é tantas vezes invocado em se tratando de Tolkien.