Mas por que exatamente é uma questão "completamente secundária"? Tem algum cenário em que uma previdência deficitária não seja um problema, se o déficit for razoavelmente grande? Concebo propostas que abaixem consideravelmente o déficit sem extingui-lo, mas ainda assim o déficit seria o problema que estaria sob ataque...
Pelo que entendi do que você expôs, a previdência poderia ter déficit indefinidamente, se este déficit, para ser coberto, exaurisse poucos recursos se comparados ao PIB. É isso? Se for, não vejo grande mudança no diagnóstico do problema. O PIB só forneceria uma escala sobre a qual se poderia dizer se o déficit é grande ou não. Se o déficit não é grande o bastante, uma pequena reforma poderia ser feita para convertê-lo num superávit, apenas alterando a distribuição de contribuições e impostos, mas mantendo direitos. Ou o déficit poderia ser mantido e coberto regularmente pela União. Mas se o déficit é grande ou crescente o bastante, tais estratégias não seriam duradouras. Um grande déficit na previdência indicaria um problema real, problema que quem apoia a ideia do superávit não enxerga.
Eu devo ter exagerado quando disse "totalmente secundária". A questão do déficit é, sobretudo, uma questão de justiça social.
Você paga encargos trabalhistas proporcionais àquilo que você ganha. Se isso é suficiente para cobrir o benefício que você vai receber durante a aposentadoria, então você não está pegando o dinheiro de ninguém. À medida em que os saques superam as contribuições, é necessário cobrir esse rombo com outros tributos, sejam os específicos, que vão para o caixa de seguridade, como COFINS e CSLL, seja com o caixa geral. Só que esses outros impostos e contribuições não guardam relação direta com o quanto você contribuiu. Como mais ricos se aposentam mais cedo e nossa carga tributária é regressiva ou neutra, isso acaba exacerbando desigualdades.
De qualquer forma, seja encargo trabalhista, seja CSLL e COFINS, seja IR ou IPI, é tudo tributo. Do ponto de vista de sustentabilidade do sistema, o que importa mais é o seu custo total, e para os parâmetros demográficos do Brasil, ele é bizarro. Nossa carga tributária já é alta, é injusta, se for manter as regras atuais, ela vai ter que subir para mais de 40% do PIB em algumas décadas...
Em tempo, eu não sou contra transferência solidária, até pelo contrário. Acho que, se fosse para começar do zero, desenharia um sistema constituído de uma renda básica universal para todos os idosos, financiados pelo caixa geral, mais um esquema compulsório de capitalização, em que cada um teria direito àquilo que tivesse contribuído (mais os juros resultantes do investimento, claro). Tentaria ver a questão de profissões mais "braçais", se é viável financeiramente a existência de uma "aposentadoria parcial" depois de 50 e alguma coisa, também com valores universais.