Com certeza, a noção de sincretismo mitológico excessivo desempenhava algum papel na percepção de que havia deficiência na construção de realidade secundária, a sua menção em contextos separados na frase acima foi feita à guisa de enfatização.
Mas, ao que parece, falando especificamente
de outros aspectos do [ame]
http://en.wikipedia.org/wiki/Worldbuilding[/ame] que poderiam ser falhos na visão de Tolkien, acho que poderíamos enfatizar:
a)A existência de um evento Natalino
sem a presença do Cristo que lá é Aslan, mas o Papai Noel é uma figura "santa" do nosso Mundo e parece ter dado as caras por lá como se fosse próprio da sua natureza ao invés de estar seguindo os Filhos de Adão e as Filhas de Eva da nossa realidade para lá. Tolkien preferiria que fosse criado um análogo para desempenhar o papel, como várias pessoas independentemente umas das outras, ( incluindo eu) estão presumindo e concluindo que
Tom Bombadil, em parte, era, e não que fosse feito um crossover explícito entre dois mundos com mitologias diferentes.
b)
Explicações inexistentes ou inadequadas para coisas como a formação do reino da Calormania, para o retrocesso na forma de expressão dos habitantes de Narnia para o que seria um correspondente do que era próprio do período medieval , já que os primeiros colonos vindos do nosso Mundo eram do período Edwardiano
c) A maneira randômica com que C.S. Lewis sanitizava as suas fontes, mas justapunha subtextos e registros diferentes de um modo que, no fim das contas, dava um efeito geral meio parecido com a Disneyficação promovida pelos estúdios norte-americanos ( como quando a Disney colocou musas negras cantando música gospel no filme animado do Hércules) mas passava como sendo fake aos olhos de Tolkien. Um problema que se manifesta muito na "puritana" ( em todos os sentidos do termo)cultura ianque, inclusive contemporânea sintetizada no seguinte lema: sanitize o sexo, glamourize e glorifique a violência.Ou seja: é absolutamente
perfeito que Narnia estivesse sendo adaptada para o cinema pelos Estúdios Disney. E eu confesso: adorei O Leão , a Feiticeira e o Guarda-Roupa. IMO, ficou ótimo.
Vide abaixo discussão sobre o problema do fauno
d)Tolkien
desaprovava o conceito de Multiverso como contendo mundos paralelos "não contíguos", não pertencentes ao mesmo Universo, como artifício narrativo, provavelmente porque ele complicava de maneira exponencial o
Problema do Mal já que sugeria a noção de que a Providência Divina iria tolerar múltiplas Quedas em vários Contiuuns Espaço-Temporais, "simultaneamente" e paralelamente, de uma em relação à outra e de todas elas em relação a um referencial "único",
ao Aeternitas de Deus e ao Aevum dos Anjos.
Falando para as pessoas do fórum em geral, já que o tópico trouxe o assunto à baila: provavelmente, mais de um fator estava envolvido no gradual afastamento dos dois amigos. A verdade, verdade mesmo, deve estar incluída no texto "censurado" de Tolkien, aquele onde ele discorreu sobre sua reação ao livro Cartas para Malcom, livro póstumo de Lewis onde o Anti-catolicismo do autor era exposto de forma nua e crua. Se chama o Motivo Ulsterior ( trocadilho com a região da Irlanda do Norte anglicana onde Lewis nasceu) e a expressão "motivo ulterior" que significa "segundas intenções".
O texto mais detalhado e bem feito sobre os pomos da discórdia entre os dois autores britânicos é esse daí:
Letters to Malcolm and the trouble with Narnia: C.S. Lewis, J.R.R. Tolkien, and their 1949 crisis.
Mas, nas linhas gerais, podemos incluir alguns fatores com base em certas declarações dos autores ou de conhecidos:
a) O Anglicanismo de Lewis era bem radical no tocante ao repúdio a peculiaridades da Ortodoxia Católica onde, principalmente a Dulia ( culto aos Santos) e a Hiperdulia ( culto à Virgem Maria) eram criticadas (Tolkien aludiu a isso num trechinho publicado de O Motivo Ulsterior. Por outro lado, a crença de Tolkien na indissolubilidade do matrimônio o levou a não simpatizar muito com Joy Gresham a esposa divorciada de Lewis, que, segundo consta, pode ter casado com ele para obter a cidadania britânica.
Entretanto, segundo a biografia, essa aversão também incluía o fato de que Lewis gostava de excluir as mulheres , como a mulher de Tolkien do "clube do Bolinha" dos Inklings mas, no tocante a Gresham, queria que eles a acolhessem de braços abertos. Ironicamente, como diz o biógrafo, Edith e Joy Gresham se tornaram amigas ( a Edith ADOROU que uma outra mulher, finalmente, se interpusesse entre Tolkien e Lewis porque era ela que tinha ciúme da amizade entre os dois).
b) Tolkien não gostava da miscelânea de mitologias que Lewis incluía em Narnia onde ele adaptava elementos de nossas mitologias na forma com que apareciam em nosso mundo sem converter ou refundir.Então, Papai Noel, o Deus Baco e O Cristo Crucificado transfigurado ( Aslan) apareciam como personagens no mesmo contexto e isso jogava Tolkien "pra fora" da história.
c) Lewis
começou seus livros fazendo analogias como Tolkien também fazia mas à medida que a tendência pedagógica e de teologia disfarçada da série Narnia foi ficando mais explícita a saga descambou para alegoria mesmo , um modo de apresentação com o qual Tolkien não concordava porque implicava em contar histórias "olhando por cima dos ombros da audiência", as crianças ( vide ensaio sobre os Contos de Fadas).Tolkien achava isso condescendente e injusto para com elas além de ser uma atitude que parece propaganda ou doutrinação subliminar, perigosa e perniciosa até para adultos.
d) Lewis era desleixado com a construção de Realidade Secundária para a qual Tolkien dava tanta atenção. E Tolkien, numa citação da biografia, ( não publicada nas Cartas ) parece que não conseguia engolir, logo de cara, a sequência inicial do encontro entre Lucy e Senhor Tumnus onde o subtexto sexual da fonte de Lewis, the Crock of Gold de James Stephens, era,sumariamente, "varrido para debaixo do tapete".
James Stephens, C. S. Lewis, and the Goat-God
Tolkien, por isso, considerava a sequência toda, provavelmente, de um mau gosto atroz como o trecho incluído abaixo dá a entender.E como Lewis escreveu Narnia para ser lido por uma menina chamada
Lucy, filha de um dos seus amigos, o Owen Barfield, ( que já era uma moça adolescente quando o primeiro livro foi publicado) e como, no contexto da história, a gente pode dizer que Mr-Tumnus era uma espécie de alter-ego do próprio Lewis, então a gente pode inferir que Tolkien tinha bem mais de um motivo para achar a sequência perturbadora, ainda mais considerando precedentes anteriores de outros fantasistas como J.M.Barrie e Lewis Carrol.
This Faun became Mr. Tumnus, the first Narnian Lucy meets on her journey through the Wardrobe. Images like this extracted from ancient mythologies (Greco-Roman, Norse, and Celtic predominantly) are woven into the very fabric of Lewis’ book. This characteristic caused a problem for some of Lewis’ friends when the book was being written, notably for fellow Inkling and fantasy author J. R. R. Tolkien. Tolkien told Roger Green (another Inkling) “I hear you’ve been reading Jack’s children’s story. It really won’t do, you know! I mean to say: Nymphs and their Ways, The Love-Life of a Faun’. Doesn’t he know what he’s talking about” (241)?
Re‐Defining C.S. Lewis and Philip Pullman-Conventional and Progressive heroes and
heroines in The Lion, The Witch, and the Wardrobe and The Golden Compass
Como foi muito bem observado num artigo da última Mythlore
No sex in Narnia? How Hans Christian Andersen's "Snow Queen" problematizes C. S. Lewis's The Chronicles of Narnia.
Campbell and Jackson also note that although Mr. Tumnus is described as "a Faun" (LWW 8), "an adult reader familiar with Roman mythology might recognize this creature as a satyr, the sexually playful and devious goat-man who often stands as a symbol for unbridled masculinity" (52). The connection between Mr. Tumnus and the image of the satyr is something that is heightened by the way in which Mr. Tumnus and Lucy meet--an adult male meets and befriends a little girl who is lost in the woods. Such an encounter calls to mind a wide variety of stories, both those from real life as well as fairy tales such as "Little Red Riding Hood," that again introduce elements of non-traditional, and even violent, sexual desire into Lewis's narrative. Interestingly enough, Andrew Adamson's recent film The Chronicles of Narnia: The Lion, the Witch and the Wardrobe (2005) emphasizes the potential deviancy of Mr. Tumnus and Lucy's relationship by casting an attractive young actor (James McAvoy) as Mr. Tumnus and by drawing out the scene in Mr. Tumnus's home in which he uses music and a magical fire to seduce Lucy into falling asleep. These examples demonstrate that the lack of romantic love and sexual desire in The Chronicles of Narnia is not just a problem for those familiar with Andersen's "The Snow Queen," but it is a problem that pervades the text, appearing in multiple images as well as in Lewis's descriptions of joy and desire for the divine.
Reading Lucy and Mr. Tumnus's relationship as an innocent friendship is challenged by the mythological figure of the satyr, which highlights the potentially sexual nature of their relationship. And reading the love among Peter, Susan, Edmund, and Lucy as innocent love among siblings is no longer possible, not only because of the transformation of Kai and Gerda's relationship, but also because of influences on Andersen such as Novalis and Tieck.
e) À medida que a fama de Lewis como "teólogo de todo mundo" ( frase dita por Tolkien num contexto " não exatamente elogioso") aumentou, Tolkien foi se ressentindo com o fato de Lewis ter cooptado e transformado elementos tomados de empréstimo ( como Númenor que tem uma versão alternativa existente no mundo da Trilogia do Espaço-Exterior chamada Numinor) ou inspirados no Legendarium da Terra-Média, usando-os para propagação da doutrina anglicana e exercendo enorme influência no pensamento das igrejas pentecostais que criaram o Evangelismo, surgidas com a "popularização" da Teologia iniciada por Lewis.