Minha objeção parte do fato de que, na minha opinião, é unlikely que eles tenham permanecido na situação que eu grifei acima por muito tempo. A própria passagem parece evocar uma cena de salvação de último instante, como a Millenium Falcon em A New Hope que surge triunfalmente no último momento na trincheira da Death Star para salvar Luke em sua X-wing quando ele não consegue se desvencilhar, tal como Morgoth, das Tie-fighters e Darth Vader himself.
Imagine Morgoth invocando relâmpagos ou fogo ( Finwë foi "queimado" como que por um relâmpago em HoME XI ou X) pra queimar a teia e,Ungoliant, constantemente, renovando as partes danificadas durante um tempo relativamente longo.
Não tenho problema em visualizar o grito de Melkor como sendo um grito de socorro mental tão poderoso que chegasse a provocar dano físico na paragem circundante,e, provavelmente, na teia de Ungoliant que o prendia.É na verdade bem fácil imaginar alguém poderoso como ele se debatendo ou destruindo sua rede de teias durante pelo menos uma hora sem ficar pronto e embaladinho pra ser devorado com gemas, cofre e tudo na mão como era o intuito de Ungoliant até os Balrogs chegarem.
Outra coisa: parece que para os Maiar, até para os mais poderosos como era o caso de Sauron, não era uma coisa fácil e até desejável ficar sem fánar depois de adotar uma forma dessas por um tempo mais longo. Isso não era algo que dava pra fazer sem um nível de "trauma" e uma "demora" pra reconstituir o fána em outro local.
Não na época em que se deu a Guerra das Jóias em Beleriand, pelo menos. Tudo sugere que os espíritos maiar de Melkor sofreram uma grande dose de "aterramento" durante o cativeiro de Melkor, até porque fica implícito que eles foram instrumentais no processo de transformação dos elfos aprisionados nos protótipos dos orcs. A sugestão de Tolkien permite a inferência de que diversos atos vinculativos capazes de atar a forma fana ao espírito, tais como comunhão carnal ( estupro) de Encarnados teriam acontecido ali.
Lembremos que Lúthien
ameaçou Sauron com a condição de ficar "pelado" diante dos olhos de Morgoth, o que, mesmo considerando que tal desencarnação seria produto de uma luta com outro maia e não uma "opção" do próprio de "se despir" por estratégia,dá a entender que , se por um lado, era fácil pros maiar se transportarem pro lugar almejado via desmaterialização do fána e transporte ou envio de sua consciência para a destinação planejada que, por outro,
não era tão fácil assim restaurar seu "semblante presencial" uma vez chegado ao local.
Lembremos também, que Sauron, embora munido do Anel do Poder, na Segunda Era, depois da Guerra com os elfos, quando houve a intervenção númenoreana,
teve o exército destruído e voltou pra Torre Negra através de meios convencionais com uma pequena guarda pessoal ao invés de mudar de forma ou de se "teleportar" pra lá carregando o anel "telecineticamente" como Tolkien disse que ele o fez depois da Queda de Númenor.
Considerando seu poder crescente com o Anel, parece relevante que, mesmo assim, a opção de se desfanizar não pareceu muito boa para ele fazer uso dela quando, teoricamente, seria bem mais confortável. do que ficar, praticamente, à pé como foi o caso. Ou como eu, pessoalmente, prefiro visualizar, hehe
)
Não era algo de que se pudesse "usar e abusar"Ou seja, caso os balrogs fossem mesmo capazes disso na época, e nos sabemos por Thuringwethil que havia , presumivelmente, maiar capazes de vôo nas hostes de Melkor, é bem capaz que o "teleporte" não permitiria a eles a velocidade suficiente pra reconstituir os fánar quando chegassem em Lammoth. Pode ser que eles tivessem que ir voando com seus fánar intactos pra não terem que ver seu Amado Chefinho ser devorado com eles impotentes e "desmaterializados" assistindo na primeira fila".
Pode até ser que o vôo através de Hithlum tenha sido essencial pra poder trazer com eles a ( talvez literal) tempestade de fogo elemental que ajudou a afugentar Ungoliant. Hithlum era a "terra da névoa" não é? Cheia de umidade. Pelo visto, os balrogs podem ter usado essa "energia potencial" exatamente do mesmo jeito que a luta entre Dúrin's Bane, o Balrog de Mória e Gandalf coroou o pico da Celebdil com uma tempestade de raios e centelhas de fogo.
Quanto ao perfeito "timing" de Gandalf e Elrond no ataque no vau contra os Nazgûl temos provavelmente duas explicações
a) Um "sistema de alarme" mágico e defesa automática entretecida ao redor de Valfenda pelo poder do Anel de safira, Nenya. A "aura" dos nazgûl ativa as defesas.Tolkien deu a entender que o cinturão de Melian funcionava assim.
b) Aviso telepático do Glorfindel que deu o "grito", avisando Gandalf e Elrond da presença dos nazgûl na "fronteira" do vale escondido.
Mas eu tenho uma pergunta: POR QUE ISSO É TÃO IMPORTANTE???
Passeando por fóruns gringos eu percebi q eles também tem uma fixação por essa questão, q pra mim é praticamente irrelevante
Boa pergunta. Acho que tem a ver com uma característica que anda sendo estudada no estilo de Tolkien em inglês. Acabou sendo tema de um ensaio de John Rateliff no Tolkien studies 06. Tolkien
deliberadamente talhava o estilo pra evocar a participação ativa da imaginação do leitor Então, dado o grau de complexidade da "realidade virtual" criada pela literatura de Tolkien, esse detalhe da ambiguidade dos Balrogs e /ou da Elwing cria um fenômeno interessante de
dissonância cognitiva. O mesmo valendo para o tema do Tamanho de Morgoth. Imagine como seria se jogadores de God of War, ao chegarem numa determinada cena,
vissem coisas inteiramente diferentes na mesma passagem do jogo?
Dissonância Cognitiva
Dissonância cognitiva é um termo da psicologia social, que se refere ao conflito entre duas idéias, crenças ou opiniões incompatíveis. Como esse conflito geralmente é desconfortável os indivíduos procuram acrescentar "elementos de consonância", mudar uma das crenças, ou as duas, para torna-las mais compatíveis. [1]
Este efeito foi descrito pela primeira vez numa experiência realizada nos EUA por Festinger e Carlsmith, em 1959
Trata-se da percepção da incompatibilidade entre duas cognições diferentes, onde "cognição" é definido como um qualquer elemento do conhecimento, incluindo as atitudes, emoção, crenças ou comportamentos.
A dissonância ocorre a partir de uma inconsistência lógica entre as suas crenças ou cognições (por exemplo, se uma ideia implicar a sua contradição). A consciência ou a percepção de contradição pode tomar a forma de ansiedade, culpa, vergonha, fúria, embaraço, stress e outros estados emocionais negativos.
A teoria da dissonância cognitiva afirma que cognições contraditórias entre si servem como estímulos para que a mente obtenha ou produza novos pensamentos ou crenças, ou modifique crenças pré-existentes, de forma a reduzir a quantidade de dissonância (conflito) entre as cognições.
A dissonância pode resultar na tendência de confirmação, a negação de evidências e outros mecanismos de defesa do ego. Quanto mais enraizada nos comportamentos do indíviduo uma crença estiver geralmente mais forte será a reação de negar crenças opostas.
Em defesa ao ego, o humano é capaz de contrariar mesmo o nivel basico da lógica, podendo negar evidências, criar falsas memórias, distorcer percepções, ignorar fatos científicos e até mesmo desencadear uma perda de contato com a realidade (surto psicótico).
Dissonância cognitiva no dicionário dos céticos
Só por esse resuminho aí em cima se vê bem que é mesmo o caso de dissonância cognitiva. O estilo de Tolkien necessariamente ao instigar "participação do leitor"
inevitavelmente gera dissonância cognitiva em algum ponto, ainda mais quando ele trabalha com o conjunto de signos e símbolos poderosos da criação de mitos.
O problema com os Balrogs é mais ou menos esse. PERTURBA as pessoas quando a noção coletiva de percepção compartilhada é rompida ou ameaçada por uma discrepância dessas.
Em segundo lugar, as asas dos Balrogs mexem bem de perto com a noção que as pessoas têm do Legendarium. Por muito que Tolkien tenha dito que o simbolismo é dirigido pra pressionar os botões da sensibilidade Cristã e católica, muita gente fica perturbada ou "sai da realidade" da Terra-Média quando acaba sendo forçado a encarar os simbolismos cristãos na visualização de certas noções.
Haja vista que várias pessoas não vêem a similaridade entre Galadriel e a função simbólica e iconográfica da Virgem Maria mesmo considerando que Frodo e Sam acabam tendo surtos de
Glossolalia invocando o nome dela e de Elbereth e mesmo considerando que Tolkien deu o significado de
Dama Engrinaldada de Luz para seu nome élfico favorito, Galadriel. Carai,
esse tipo de coisa não é nem sequer discreto ou disfarçado. As pessoas só não vêem isso mais pq isso corresponde à partes da vivência espiritual cristã que estão meio "fora de moda" hoje em dia.
Cabelo nimbado a ouro como Tolkien disse no Contos Inacabados.Sempre pensei nessa picture de Boticelli pra ilustrar o tamanho do problema que obcecava Fëanor.
Outra análoga simbólica sincrética de Maria: Iemanjá. Qualquer semelhança não é mera coincidência...
Confiram aí essa pintura de Elbereth Gilthoniel e sua fronte nívea constelada...
Aqui no Brasil , por exemplo, Tolkien foi, primeiramente, difundido entre jogadores de RPG e fãs de fantasia, que tenderam a abraçar a obra como uma válvula de escape pra contemplação espiritual e sentimento religioso sem a doutrinação massacrante da mídia evangélica e sua contraparte carismática católica. Acho que, no Brasil, acabou sendo um fenômeno concomitante e até uma reação à difusão das seitas Evangélicas Pentecostais. Os dois fenômenos foram simultâneos e por sinal certos problemas de tradução ocorridos aqui no Brasil são oriundos do conflito com o Fundamentalismo religioso.
Fantasia tolkieniana no Brasil virou uma espécie de "religião alternativa"* por assim dizer. E, como vimos, a noção de demônios alados é intrinsecamente, atada à iconografia do Cristianismo. Quando esse fato "é jogado na cara" dos leitores brasileiros tem gente que entra em choque pq é como se eles tivessem sido "jogados" de novo no mesmo contexto judaico-cristão por uma "teologia dissimulada" ( expressão do Lewis) sob a forma de literatura com signos , supostamente, "pagãos" ou "mágicos".
*( fenômeno que ocorre lá fora também, Leslie Jones disse que boa parte dos Neo-pagãos atuais se "converteu" depois de ter contato com as opções divulgadas em obras de fantasia literária. A expansão da fantasia na última década, foi de certa forma, produto e/ou causa de um fenômeno religioso também.
Então, muitas pessoas sentem que a "suspensão voluntária" da descrença fica comprometida ao ver que Tolkien , em escala crescente, a partir da redação do SdA, imbuiu simbolismo cristão de propósito em noções como essas das asas.
Tem gente que acha um absurdo ou desvirtuação o Balrog ter sido caracterizado como um "demônio" nos filmes e na maior parte das pinturas que retratam a Terra-Média.Tem gente que chegou ao ponto de dizer que Orcs e Balrogs não podiam ter características "não-humanas" na tentativa de fazer valer a própria opinião, ignorando as garras e presas amarelas, os pés sem dedos, as escamas esverdeadas e os braços simiescos que Tolkien espalhou por diversos trechos.Diga-se de passagem, essa "pérola" interpretativa só foi difundida e divulgada com essa ênfase aqui no Brasil e não em outro lugar qualquer. Ou seja, nossa dissonância cognitiva, foi,ao que parece , julgando pela WEB,
o pior caso do mundo no que diz respeito a esse ítem das asas. Uma coisa que deveria fazer o brasileiro repensar o modo e a maneira com que experimenta a convivência no "fandom" tolkieniano.
Aqui cabe um detalhe relevante e um esclarecimento: mesmo no Cristianismo e na teologia de Tertuliano
as asas são o ícone visível de uma faculdade ou prerrogativa espiritual, é uma manifestação da natureza desses seres como espíritos assim como o "sexo aparente" dos ainur em forma fánar é uma visualização de um caractere inerente ao seus seres que é espiritual. As asas marcam a posse de "sutileza" e agilidade" o dom de "desmaterialização" e virtual onipresença do ser espiritual em relação a qualquer localidade física, uma faculdade que Tolkien disse que os Ainur têm num contexto meio enigmático no HoME X.
A "perda" das asas, como pode ter acontecido com Morgoth depois do "estupro de Arië, episódio que
reverbera histórias do folclore judeu, e/ou a conversão em asas de seres "noturnos", associados à noite e à escuridão, em Tolkien e no simbolismo cristão, é uma representação "alegórica" da perda ou degeneração dessas capacidades. Então, o manto de escuridão dos balrogs , por exemplo, é uma inversão do "halo" ou auréola dos anjos e santos.
Creio que é por isso que o assunto acarreta tanta passionalidade assim. Envolve a questão da legitimação e do "rótulo" que se dá ou se impõe a determinados signos culturais e Tolkien é um dos mais poderosos e influentes signos culturais do século XX e serve de foco para debates inevitáveis que acontecem em torno de qualquer obra literária com o escopo ou as intenções similares às de JRRT.
Então, eu concordo. O assunto das asas em si e seu uso ou não pra vôo, de fato, é comparativamente, irrelevante ( até, como eu disse, e deve ser enfatizado, as asas
são só o símbolo do que faz os anjos serem capazes de "voar", se deslocarem com velocidade preternatural, e
não a causa em si mesma dessa habilidade).
Mais ou menos isso: na doutrina de Tertuliano
os anjos não voam porque tem asas, eles tem asas, ou aparentam ter para nós, mortais, porque voam.
É por isso que grandes artistas até escolhem pintar ou deixar de pintar as asas mesmo em sequências que ilustram textos onde elas foram mencionadas sem ambiguidade.
William Blake não pintou as asas de Satã e de seu filho Morte no Paraíso Perdido e, até onde sei, nem por isso foi criticado por essa omissão. Abaixo pinturas de 1806 e 1808
Edit:Abaixo, a versão (1735-1740 aproximadamente) de William Hogarth, reparem no manto de sombra da Morte, filho de Satã, que compõe o elemento simétrico na composição correspondente às asas do Anjo Caído. Provavelmente, foi daí que Lovecraft e, depois, Tolkien retiraram a idéia das "asas de sombra" nos seus demônios redivivos, recém exumados de tumbas subterrâneas.
Melhor mostrada, já que a pintura de Hogarth é incompleta, nessa reprodução em desenho de Thomas Rowlandson (1792)
Gustave Doré ilustrando a mesma sequência do Paraíso Perdido, 1866)
Entretanto, as noções por detrás da dissonância cognitiva que parece existir nesse caso são a verdadeira explicação do problema e o motivo em função do qual se vale a pena discutir o assunto de forma racional e metódica sem argumentos falaciosos, parcialidade tendenciosa ou desrespeito para com as opiniões alheias.