Excelentíssima meretíssima Bel,
A acusação deseja ignorar as dificuldades e concepções de Ar-Pharâzon, e contra essa calúnia é nosso dever defender nosso cliente. Nossa estratégia de defesa consiste em dividir as acusações em dois grupos. Primeiramente, acusações
crimes cometidos contra Númenor e outros homens. Em segundo lugar, acusações acerca da traição aos
Valar e a suposta adoração a Melkor.
As acusações proferidas ao réu são fruto de uma concepção moralista do exercício de poder. Sucede-se,
no entanto, que o poder nem sempre pode ser exercido de forma a responder a concepções morais que a todos
salvam, inclusive a criminosos. Sim, criminosos. Ar-Pharâzon governou desejando substituir as concepções de
Estado e governo de Tar Palantir pelas concepções de Estado e governo vigentes por seis reinados anteriores ao
de seu sogro. Foram cometidas injustiças? Algumas, sim. Mas o desejo de Ar-Pharâzon era o engrandecimento de seu
reino, e se para isso se equivocou, não podemos condená-lo sumariamente. Ele agiu de acordo com
sua concepção do que é ser estadista, ideia essa que ele encontrava apoio em séculos de tradição
de seu povo. Nesta tradição, os assim chamados "Fieis" eram criminosos, e mereciam perseguições, como criminosos
que eram. Sua mão foi pesada ao condenar alguns? Argumenta-se que sim. Mas quão comum um governante se torna
equivocado ao defender o que considera certo?
Eram as ações de Morgoth ou o medo da morte o condutor de suas ações em relação aos Valar?
Acrescente-se a esse medo as mentiras de Sauron, a distância dos Valar (que preferiram só mandar mensageiros quando o estrago estava feio)
e aí então temos as ações temerárias de Ar-Pharâzon. Ao nosso ver, Ar-Pharâzon agiu não por culto a Melkor, mas por temor à morte
e revolta por seu destino. Revolta essa que Saurou se utilizou para dar fim ao próprio rei,
que em seu desespero não percebeu as traições de seu conselheiro.
Não pode ser imputado a Ar-Pharâzon o fim de Númenor. O fim da ilha foi resolução de Ilúvatar,
resolução que não estava ao alcance do conhecimento nem mesmo de Manwë. Ar-Pharâzon certamente
que não agiria dessa forma se soubesse o que lhe esperava, ou esperava seu povo: de forma
alguma alguém que procurava fugir da morte iria provoca-la de forma irrevogável. Ar-Pharâzon
agiu sem saber as consequencias de seu ato: um crime culposo, não havendo intenção de dolo, de
exterminar a si próprio e ao reino que buscava engrandecer.