Excelentíssimo magistrado, ilustríssimos procuradores causídicos, honorífico corpo de Jurados e digníssimos assistentes do presente Julgamento. Esta banca de acusação vem perante o Tribunal promover RÉPLICA em face da contestação apresentada em defesa de um indivíduo cujo crime, pretende-se aqui demonstrar, está entre os mais graves já cometidos na Primeira Era do Sol destes tempos.
Maeglin, filho de Eöl, é aqui acusado da mais alta TRAIÇÃO, qualificada em níveis extremos de: 1. Gravidade, em razão de suas consequências: contribuiu decisivamente para a derrocada da última fortaleza élfica em Beleriand; e 2. Reprovabilidade, em razão dos seus motivadores. Muitos foram aqueles que sucumbiram aos artifícios malignos do Inimigo, sendo forçosamente levados a trair a confiança de seus semelhantes. É possível que esses sejam inocentes aos olhos de Ilúvatar. Para atingir seus objetivos através de Maeglin, no entanto, Morgoth só precisou da própria natureza vil do réu: enxergou o seu ódio, a inveja, a ganância, os desejos impuros, e usou-os. Maeglin não agiu sob tortura, feitiço ou qualquer tipo de coação, senhoras e senhores: Maeglin agiu sob sua própria consciência pérfida e abominável, sabiamente detectada pelo Senhor do Escuro, a que se fez voluntariamente aliado. Desnecessário lembrá-los, ainda, que tal oportunidade só foi possível devido à desobediência do acusado à regra máxima de Gondolin, em exemplo de sua notável predisposição à conduta criminosa.
Apoia-se a defesa em frágeis e inaceitáveis pilares: 1. Vítimação do destino; 2. Culpa concorrente – e dita até mesmo exclusiva – do Senhor Turgon e de Tuor, filho de Huor; 3. Decisão de unir-se ao Sinistro Inimigo do Mundo como opção plausível!, “única capaz de salvar Gondolin da destruição total”... Ora!, Maeglin jamais manteve uma postura firme contra Turgon, o que poderia colocar em risco o seu status social. Se a alegação da defesa é verdadeira, e o réu acreditou que as decisões realizadas pelo conselho do Reino Oculto implicariam em auto-ruína, a única postura ética que o líder da casa da Toupeira poderia assumir seria a de alertar sobre o risco, mesmo que para isso pudesse colocar em xeque a sua posição privilegiada. Tornar-se-ia notório, ainda admitindo essa hipótese levantada pela defesa, que Maeglin buscava única e egoisticamente a sua própria ascensão, em detrimento do seu dever para com toda uma população (entre os quais estavam parentes de sua própria mãe).
Ademais, na simples suposição que indica a traição máxima contra Gondolin como um ato admissível... que os presentes perdoem um eventual excesso de emotividade vindo a extrapolar a objetividade desta peça, mas diga-nos este Júri que coaduna com tal hipótese, e esta Promotoria predispor-se-á, imediatamente, a abandonar sua função institucional neste Julgamento, bem como requerer neste Juízo a anistia ao próprio Melkor, tendo em vista que teremos abandonado todos os parâmetros da Moral em que se baseiam as leis e costumes dos nossos povos!
Admitindo apenas as duas primeiras bases argumentativas, que apontam não para a aceitabilidade, mas para a escusabilidade da conduta, prossegue esta acusação em impugná-las.
Faça-se ouvir esta súplica: não enveredemos por uma ótica determinista para inocentar o réu! Maeglin, como todos os filhos do Pai, foi dotado de livre-arbítrio. Ilúvatar concedeu a nós, seus filhos, a capacidade de sermos, de traçarmos o nosso próprio destino; outrossim, nada mais seríamos do que meras peças de Sua concepção egoística. E esta não é a natureza das criações de Ilúvatar, meus irmãos. Esta é a natureza das criações de Melkor, o último mestre do réu em vida.
Convém lembrar a valorosa resistência de Húrin Thalion, um homem que, mesmo observando a destruição sistemática da própria família, e, igualmente, conhecendo a localização de Gondolin, não se submeteu à vontade de Melkor, manifestando a referida dádiva de Ilúvatar. Inocentar Maeglin seria desprezar o sacrifício de Húrin, e admitir a sobrepujança de Melkor sobre os desígnios do Pai.
Igualmente impossível ao enquadramento na Lei seria apoiarmos a inocência do acusado na eventual culpa ou incompetência de outros personagens da História para a Queda de Gondolin. Se a defesa acredita que outros indivíduos devem ser submetidos a julgamento, que sejam constituídos tribunais paralelos; neste, porém, o réu está bem definido. Devemos entender que Maeglin não está sendo julgado pela Queda de Gondolin em si: Maeglin é acusado de torpe e imperdoável TRAIÇÃO, que culminou na aludida queda. Registre-se: esta Promotoria estaria operando tal acusação mesmo se a atitude de Maeglin houvesse sido inócua, sem que o Reino Outrora Oculto sucumbisse. Condena-se a conduta propriamente dita, praticada com dolo, consciente de suas possíveis consequências: a co-resposabilidade de outras pessoas para o resultado não possui qualquer relevância para o julgamento.
Não haveria, portanto, anulação desta acusação caso o crime não houvesse surtido efeitos. Pelo contrário: há (como há de haver, se bem entenderem os eminentes jurados) circunstância agravante pelo fato de os efeitos terem efetivamente se consumado - sob proporções terríveis, como todos bem sabeis.
Em duelo, perdeu Maeglin a própria vida. Em duelo, como perdeu Fingolfin. Como perdeu Finrod. Como perdeu Fingon. Igualará este Júri o destino de um vil traidor ao desses e de outros grandes honrados senhores? Mesmo seus defensores reconheceram aqui a colaboração voluntária do réu com Melkor, o Mal original. Silenciará este Júri?
A Promotoria pede a CONDENAÇÃO de Maeglin, filho de Eöl, para ciência em Arda e além dos Círculos do Mundo.