O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, enviou um duro ofício ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, cobrando que a entidade corrija suas conclusões sobre a crise da água no Estado.
O estopim foi a visita da portuguesa Catarina de Albuquerque, relatora especial para água e saneamento, a São Paulo, em agosto último. Ela afirmou que a crise era responsabilidade do governo estadual e apontou falta de investimentos.
O ofício de Alckmin obtido pelo Blog foi enviado a Ban Ki-moon em 9.set.2014 e ainda não havia sido divulgado. O tucano usa a proximidade da Cúpula do Clima, promovida pela ONU em Nova York em 23.set.2014, para fustigar as conclusões de Catarina. Alckmin diz que a relatora incorreu em “erros factuais” e fez uso político do tema ao conceder entrevistas às vésperas da eleição estadual, violando o código de conduta da ONU.
Ao concluir o texto, o governador adota um tom acima do usual em comunicações diplomáticas. Ele afirma que se a ONU não retificar as informações prestadas por Catarina de Albuquerque, ele ficaria em dúvida sobre a habilidade da organização para realizar a Cúpula do Clima e demonstrar “propriedade, criatividade e liderança” sobre o tema. Dá a entender que não participaria do evento que estava prestes a ser realizado.
Abaixo, reprodução de trecho do ofício, em inglês (clique na imagem para ler a íntegra).
Uma semana antes, o secretário da Casa Civil de Alckmin, Saulo de Castro, também enviara uma carta ao Alto Comissário da ONU para Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein, reclamando das conclusões da relatora.
Catarina de Albuquerque é professora visitante das universidades de Braga e Coimbra, em Portugal. Os relatores especiais da ONU estão vinculados ao Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, mas têm atuação independente. São nomeados pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU para mandatos de 3 anos, renováveis por igual período.
Quatro pontos da visita de Catarina incomodaram o Palácio dos Bandeirantes: 1) o momento político de disputa eleitoral; 2) a visita ter sido feita em caráter não oficial; 3) o fato de Catarina não ter procurado a Sabesp (a última vez que ela havia feito isso fora em dezembro de 2013); e 4) as acusações de falta de investimento em obras de captação de água.
Alckmin também questionou afirmação feita por Catarina em entrevista de que as perdas de água estavam “quase em 40%” quando, no Estado de São Paulo, a perda é de 31,2%. Ocorre que o jornal já havia publicado uma correção no dia seguinte, informando que, por erro de edição, a entrevista deu a entender que a taxa se referia à média paulista, quando na realidade se referia à média do país.
O governo paulista, por meio de nota, informou que Alckmin de fato não compareceu à Cúpula do Clima, em Nova York, mas sua ausência não teve relação com o entrevero sobre a crise hídrica. Na data da cúpula, Alckmin comandou solenidade no Palácio dos Bandeirantes para assinar um financiamento de R$ 2,3 bilhões para obras em rodovias estaduais. O governo também informa que ainda não recebeu uma resposta oficial de Ban Ki-moon ao ofício.
Eleição presidencial
A crise no fornecimento de água em São Paulo chegou ao epicentro da campanha presidencial na última semana de campanha. A presidente Dilma Rousseff, candidata à reeleição pelo PT, dedicou metade dos 10 minutos de sua propaganda eleitoral de domingo (19.out.2014) ao tema. Em resposta, Aécio Neves, candidato do PSDB ao Planalto, disse na 2ª feira (20.out.2014) que o governo federal não contribuiu para solucionar a questão.
Dilma e sua equipe tentam tirar proveito político da crise. Após o primeiro turno das eleições, as emissoras de TV começaram a cobrir o assunto com mais intensidade e moradores de todos os Estados agora acompanham a falta de água em São Paulo.
No programa de domingo, Dilma não cita Alckmin diretamente, mas diz se solidarizar com os paulistas e critica o “modelo de gestão tucana” que o “adversário [Aécio] defende e representa”.