Em se tratando das relações para com América Latina, eu não espero nada de bom, seja dos democratas, seja dos republicanos. Ainda somos considerados o quintal dos EUA, e ai de nós se tentamos ter algum protagonismo.
No caso do Trump tem o agravo do nosso governo atual não só ser subserviente como de tentar imitá-lo naquilo que há de mais abjeto. O imbecil daqui é tão imbecil que nem consegue sê-lo por si só, precisa copiar do imbecil de lá, enquanto rasteja atrás dele esperando alguma migalha que nunca vem.
Nesse aspecto, talvez um certo atrito com o próximo governo da Casa Branca nos beneficiasse de alguma maneira, ao menos pra romper a relação servil a qual nos colocamos sem nenhuma contrapartida. No entanto, esperar qualquer coisa boa vinda nessa direção do inepto que está no Palácio do Planalto junto com o quadrúpede que ele colocou nas Relações Internacionais, é esperar demais. Não consigo ver nada além de um resultado desastroso, que tem sido o mote comum desse nosso governo em tudo que faz.
Acho que vai nesse sentido a crítica do Glenn Greenwald, na Folha de São Paulo, sobre a esquerda brasileira estar se enganando sobre o Biden.
Acho que o Glenn se enganou, na verdade.
Não se trata de celebrar a vitória do Biden como a de um governo progressista - coisa que ele não é .
Também não se trata de esquecer que a política externa Democrata pode ser tão agressiva quanto a republicana ou até mesmo mais agressiva. Vale mencionar que os governos Obama produziram uma campanha terrorista de assassinatos em escala global (campanha de drones), a desestabilização da Líbia, etcéteras a perder de vista. Nesse sentido, lembro vagamente de um intelectual, anos atrás, a tratar a questão dos EUA, em face da guerra e do lobby das armas no que respeita a democratas e republicanos, como uma espécie de "monopartidarismo bifrontal". Nesse sentido, o que os difere seria meramente perfumaria.
Com isso, parte da esquerda brasileira caiu no discurso do "tanto faz", sem considerar que Trump é um ponto fora da curva mesmo entre os republicanos .
O proprio Glenn, no entanto, apontou o que há de positivo na vitória do Biden: o enfraquecimento da extrema direita mundo afora e, no particular, do bolsonarismo.
Muito provavelmente essa inflexão deve obrigar o governo brasileiro a, no mínimo, fazer uma reforma ministerial, afastando Sales e Ernesto Araújo. Também deve forçar um reposicionamento no cenário exterior, pelo menos no que diz respeito à questão ambiental, sempre, é claro, resguardando o espaço para o inacreditável.
Para além disso, a vitória do Biden deve trazer os EUA novamente para os fóruns e espaços multilaterais com os quais o governo Trump rompeu. Claro, há sempre o risco do governo americano passar por cima desses espaços, como já ocorreu. Mas melhor que tomem parte nesses espaços, havendo um cenário mais propício às soluções negociadas.
A parte mais problemática da entrevista do Glenn Greenwald foi quando disse que a imprensa exagera o cenário como se Trump fosse uma ameaça para os direitos humanos e Biden fosse ter maior facilidade para governar. O ponto aqui é: Trump é clatamente uma ameaça aos direitos humanos em seu próprio país.
Nesse sentido, internamente, a derrota de Trump tem um sentido civilizatório. A esquerda americana, inclusive, fez essa leitura. Significa tolher certos discursos, racistas, xenófobos, etc. Não quer dizer que tudo isso deixará de existir. A questão é que existe um peso quando esses discursos encontram eco no líder da nação. Vemos isso por aqui, inclusive: esse desinibir dos discursos mais detestáveis, mais aquém de valores civilizatórios, com uma extrema direita que não mais têm pudores de exibir a sua boçalidade à luz do dia.
Significa também certo respeito à institucionalidade, onde Trump era fator de instabilidade.
Ninguém espera chamar Biden de companheiro, que o imperialismo americano e a barbárie sejam anuladas. Mas não se trata de um "tanto faz". Resguardados os limites da comparação, o discurso do "tanto faz" é uma espécie de reedição do editorial do Estadão sobre a "difícil escolha". Dadas as circunstâncias, melhor que tenha vencido o Biden.