Gwiddion Walsh
Usuário
Passando por aqui pra colocar mais lenha na fogueira.
Algumas pessoas aqui defendem o direito de expressão, consagrado por nossa constituição. Creio que todos sabem que há um projeto que criminaliza a homofobia. Não é que sempre tem algum esperto querendo dar o ar de sua graça? entraram com uma moção pedindo o arquivamento desse projeto. Eis a resposta do relator da comissão de direitos humanos :
"Parecer nº , de 2007
Da Comissão de Direitos Humanos, sobre a Moção nº 23, de 2007.
Trata-se de Moção de Apelo proposta pelo nobre Deputado José Bruno (DEM), autuada sob o número 23/2007, visando a manifestação da Assembléia Legislativa apelando ao Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal para que não se aprove o Projeto de Lei 5003-B/2001, que criminaliza qualquer manifestação contra homossexualismo, distorcendo valores, e tratando pessoas com preferências sexuais específicas como se não pertencessem à Raça Humana.
Justifica o nobre Deputado que a aprovação do aludido projeto de lei tem intuito claro de reduzir o direito de liberdade e de manifestação, garantido pela Constituição Federal, em seu artigo 5º, na medida em que trata os homossexuais, bissexuais e transgêneros como um gênero diferenciado dos seres humanos.
A Moção nº 23/2007 foi publicada no Diário Oficial da Assembléia Legislativa, página 14, no dia 27/04/2007.
Nos termos do artigo 156 do Regimento Interno, a presente proposição constou da pauta por cinco sessões, quais sejam, 30ª a 34ª Sessões Ordinárias, desde o dia 02/05/2007 até o dia 08/05/2007, não tendo recebido emendas ou substitutivo.
No dia 16/05/2007, o Exmo. Sr. Presidente da Assembléia Legislativa Vaz de Lima encaminhou à Comissão de Direitos Humanos, nos termos regimentais, para exarar seu parecer de mérito.
A presente proposição legislativa foi distribuída a este deputado, por designação do Exmo. Sr. Presidente da Comissão de Direitos Humanos Vanderlei Siraque, no dia 22/05/2007.
Em cumprimento ao Regimento Interno, cumpre a este deputado expor o que segue.
De fato, o projeto de lei ao qual se refere o nobre Deputado se encontra em trâmite perante o Senado Federal, sob os auspícios da Exma. Sra. Senadora da República Fátima Cleide (PT-RO), na qualidade de Relatora da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. No último dia 07/03, a nobre Relatora apresentou voto favorável, sendo a propositura colocada em pauta da reunião da comissão permanente (CDH). No entanto, em reunião da comissão permanente (CDH) havida em 15/03/2007, a nobre Relatora, no uso da palavra, solicitou retirada do projeto de pauta, retornando aos seus cuidados para reexame da matéria.
Cumpre, por óbvio, a este Relator expor, de maneira sucinta, o projeto de lei ao qual se refere a presente propositura.
De Autoria da então Deputada Federal Iara Bernardi (PT-SP), o aludido projeto de lei tem por objeto imputar sanções a práticas discriminatórias fundadas na orientação sexual.
Em 23/11/2006, a redação final do projeto foi aprovada pela Câmara dos Deputados, sendo encaminhado o projeto para o Senado Federal.
Em apertada síntese, a redação final insere no ordenamento jurídico tipificação de condutas de discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.
Tipifica as condutas fundadas na discriminação de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero, de:
negar ou obstar emprego em empresa privada ou praticar a dispensa direta ou indireta;
impedir, recusar ou proibir o ingresso ou a permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento público ou privado, aberto ao público;
recusar, negar, impedir, preterir, prejudicar, retardar ou excluir, em qualquer sistema de seleção educacional, recrutamento ou promoção funcional ou profissional;
sobretaxar, recusar, preterir ou impedir a hospedagem em hotéis, motéis, pensões ou similares;
sobretaxar, recusar, preterir ou impedir a locação, a compra, a aquisição, o arrendamento ou o empréstimo de bens móveis ou imóveis de qualquer finalidade.
impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público;
impedir ou restringir a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público;
Normatiza, ainda, inserindo no tipo penal da injúria previsão expressa do uso da discriminação de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. E veda, no âmbito do Direito do Trabalho, a prática discriminatória motivada por tais parâmetros.
Naturalmente, não é competência desta Comissão a análise do mérito da oportunidade e da conveniência da norma referida. No entanto, para análise da propositura que ora relatamos, convém discorrermos sobre os motivos pelos quais propõe-se a moção de apelo.
Nos termos expostos pelo nobre Deputado autor da presente propositura, afirma-se que o Projeto de Lei nº 5003-B/2001 “tem um intuito claramente redutor do direito da liberdade de manifestação”, asseverando que tal direito é garantido pela Constituição Federal.
De fato, a criminalização de conduta restringe o direito à liberdade. E, no caso concreto, em maiores proporções, o direito à liberdade de expressão e opinião.
Nesta seara, cumpre elucidar que o direito à liberdade, tais quais outros direitos que compõem o sistema de direitos humanos fundamentais assegurados pela Constituição Federal, não possui caráter absoluto. Pelo contrário, encontra limites nos demais direitos humanos fundamentais, o que pode ensejam, por óbvio, a colisão de direitos, ou melhor, de princípios.
É notório que no caso concreto há uma colisão de dois princípios constitucionais ou direitos, quais sejam, (i) liberdade de expressão; e (ii) dignidade da pessoa humana.
É constitucional que cada qual tenha o direito de dizer e se manifestar o que bem entender, o seu pensamento e a sua opinião.
No entanto, é direito também amparado pela Constituição Federal que cada qual não seja tratado desigualmente, nem violado na sua incolumidade moral, nem desrespeitada sua liberdade de escolha.
Conforme observado, deparamo-nos com um conflito entre dois direitos humanos fundamentais. E assim, para resolver tal problema, na medida em que haverá restrição de direito humano fundamental, é preciso adotar uma metodologia própria.
Nos casos de conflitos de regras legais, são utilizados os critérios para solução de antinomias. No entanto, conforme já afirmado, não se trata de colisão de regras, mas sim de princípios.
Princípios não são deveres definitivos, tratando-se de deveres prima facie, cujo conteúdo definitivo somente é fixado após sopesamento com princípios colidentes, não se podendo hierarquizar a priori um princípio sobrepondo-o a outro. São mandamentos de otimização, ou seja, normas que obrigam que algo seja realizado na maior medida possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas.
Adotemos, portanto, a teoria do princípio da proporcionalidade desenvolvida na jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão e utilizada na atualidade por juristas e pelo Supremo Tribunal Federal. Esclarecendo que, como afirma Canotilho, em sua obra “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, o princípio da proporcionalidade aplica-se a todas as espécies de atos dos poderes públicos, de modo que vincula o legislador, a administração e o judiciário.
Assim, devemos verificar se o projeto de lei objeto da presente proposição legislativa restringe direito humano fundamental de maneira proporcional.
O princípio da proporcionalidade não é um simples juízo valorativo de razoabilidade. Possui uma estrutura racionalmente definida, sendo formado por três subprincípios, quais sejam: (i) adequação; (ii) necessidade; e (iii) proporcionalidade em sentido estrito.
O subprincípio da adequação ou da conformidade dos meios (Geeignetheit) examina se a medida adotada é apropriada para concretizar o objetivo visado.
O objetivo do aludido projeto de lei é, por óbvio, coibir e desestimular a prática discriminatória fundada no gênero ou na opção sexual.
Como preconiza Cesare Beccaria, em sua obra “Dos delitos e das penas”, a finalidade da pena é “impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo”.
Assim, uma vez cominada pena é pressuposto jurídico que a conduta reprovada é desestimulada.
Como leciona o Ministro Gilmar Mendes, citando decisão do Tribunal Constitucional alemão, “o meio é adequado se, com sua utilização, o evento pretendido pode ser alcançado”. È óbvio que a tipificação da conduta é apta a alcançar o resultado pretendido.
Passemos, portanto, ao exame da necessidade ou da exigibilidade (Erforderlichkeit), segundo o qual o objetivo perquirido não pode ser promovido, com a mesma intensidade, por outra ação, que limite, em menor medida, o direito fundamental atingido.
Poderíamos afirmar, que o objetivo almejado poderia ser atingido com medidas educativas de modo a introjetar na comunidade a cultura de respeito à diversidade.
No entanto, é notório concluirmos que a efetividade da cominação penal é maior do que qualquer medida educativa, pois age no âmago da sociedade moderna, de maneira real e simbólica, sendo o mecanismo de maior efetividade para reprovabilidade de conduta pela sociedade.
Após a análise dos dois primeiros subprincípios, ponderemos o terceiro e último, qual seja, da proporcionalidade em sentido estrito (Verhältnismässigkeit).
Para que uma ação restritiva de direito humano fundamental seja proporcional em sentido estrito, o motivo que o fundamenta deve ter importância suficiente para justificar sua implementação. Como leciona Robert Alexy, “Quanto mais grave a intervenção em um direito fundamental, tanto mais graves devem ser as razões que a justifiquem”.
Assim sendo, verifiquemos no caso concreto se a proteção à minoria LGBTT em sua dignidade inerente à pessoa humana se justifica perante o direito à liberdade.
O trabalho “Homoafetividade e Direitos Humanos” de Luis Mott, pela Universidade Federal da Bahia, relata inúmeros casos de homofobia e discriminação, dentre os quais, destacamos a distribuição de panfletos na Universidade de Santa Cruz – RS com os dizeres “Mate um homossexual” e em Santo André – SP, pelos “carecas do ABC”, com a frase “Destrua os homossexuais”.
Em 2004 e 2005, foram realizadas pesquisas na Parada do Orgulho GLBT do Rio de Janeiro pelo Grupo Arco-Íris de Conscientização Homossexual, pelo Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos da UERJ (CLAM) e pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (CESeC) que revelaram um alarmante cenário: 64,8% dos entrevistados já foram vítimas de discriminação por orientação sexual e 61,5% sofreram agressão física.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT), em seu relatório "Igualdade no trabalho: enfrentando desafios", constata a existência de discriminação de homossexuais no mercado de trabalho, desde a contratação até a remuneração.
Lembremos a ponderação de Nancy Fraser, em sua obra “Justice Interruptus: Critical Reflections on the Postsocialist Condition”: “Gays e lésbicas sofrem de heterossexismo: a construção de normas de autoridade que privilegiam a heterossexualidade. Junto vem a homofobia: a desvalorização cultural da homossexualidade. Com sua sexualidade degradada, sofrem vergonha, assédio, discriminação, violência, enquanto seus direitos de proteção igual (isonomia) lhes são negados — tudo fundamentalmente negativa de reconhecimento. Por certo, gays e lésbicas sofrem também sérias injustiças econômicas: podem ser despedidos sumariamente de empregos e lhes são negados benefícios sociais familiares. Mas longe de se enraizarem na estrutura econômica, estas injustiças derivam de uma estrutura injusta de valores culturais”.
É notória e cientificamente comprovada a existência de discriminação de homossexuais e razoável que esta fere a dignidade da pessoa humana em medida suficiente a justificar a restrição da liberdade de discriminar.
Assim sendo, a medida que é apresentada perante o Congresso Nacional não fere o artigo 5º da Constituição Federal, pois privilegia o princípio da dignidade da pessoa humana restringindo a liberdade de modo proporcional.
Outro argumento do nobre Deputado autor da presente propositura que Projeto de Lei nº 5003-B/2001 trata “os homossexuais, bissexuais e transgêneros como um gênero diferenciado dos seres humanos”, “distorcendo valores e tratando pessoas com preferências sexuais específicas como se não pertencessem à Raça Humana”.
De início, cumpre registrar a inexistência técnica do conceito de “raça humana”. Raça é considerada pela biologia como uma variação genética substancial dentro de uma mesma espécie, havendo, assim, a existência de sub-espécies, ou seja, raças. No entanto, a espécie humana possui variabilidade genética de 93 a 95% da variabilidade total, nos sub-grupos continentais, o que caracteriza, inquestionavelmente, a ausência de diferenciação genética, ou seja, de raças. Portanto, os seres humanos são todos da espécie humana: homo sapiens; não existindo nem raça humana, nem raças humanas.
É importante lembrarmos, que a homossexualidade sequer é considerada, cientificamente, como uma psicopatia ou um distúrbio mental, conforme já decidido pela Associação Psiquiátrica Americana (APA) em 1973, pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em 1985 e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1990. Não constando do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), no qual são identificados por códigos todas os distúrbios mentais. A homossexualidade é, tal qual a heterossexualidade, uma orientação ou identidade sexual.
Ultrapassados esses dois pontos técnicos, é importante salientar que o projeto de lei ao qual se refere a presente propositura tem por objeto reprovar a conduta de “distorcer valores” e tratar “pessoas com preferências sexuais específicas como se não pertencessem à Raça Humana”. Conforme já observado quando do breve relato dos termos do projeto de lei 5003-B/2001, é a discriminação de pessoas fundada na preferência sexual que se recrimina no aludido projeto de lei, sendo, portanto, improcedente a citada afirmação constante da propositura.
Corroborando o já exposto no presente relatório, lembremos o que preceitua o preâmbulo da Constituição Federal da República Federativa do Brasil.
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”.(grifo nosso)
Bem como, no âmbito de nosso estado, é importante frisar o seguinte ponto que consta do Programa Estadual de Direitos Humanos de São Paulo.
“175. Apoiar propostas legislativas coibindo todo tipo de discriminação, com base em origem, raça, etnia, sexo, idade, credo religioso, convicção política, orientação ou identidade sexual, deficiência física ou mental e doenças e revogar normas discriminatórias na legislação infraconstitucional, para reforçar e consolidar a proibição de práticas discriminatórias previstas na Constituição Federal”.(grifo nosso)
Por fim, cumpre consignar que um dos pontos polêmicos colocados em sede de discussão do aludido projeto de lei é a severidade das penas cominadas. E, tendo em vista o dissenso do tema e a ampla participação popular implementada pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, não convém a manifestação desta Assembléia Legislativa sobre o mérito da severidade do projeto de lei, muito menos, rechaçando o projeto na sua integralidade.
Diante de todo exposto, manifestamo-nos contrariamente à moção nº 23/2007.
É o nosso parecer.
Sala das Comissões, em
Deputado Bruno Covas - PSDB"
Podem se matar a vontade xD
Algumas pessoas aqui defendem o direito de expressão, consagrado por nossa constituição. Creio que todos sabem que há um projeto que criminaliza a homofobia. Não é que sempre tem algum esperto querendo dar o ar de sua graça? entraram com uma moção pedindo o arquivamento desse projeto. Eis a resposta do relator da comissão de direitos humanos :
"Parecer nº , de 2007
Da Comissão de Direitos Humanos, sobre a Moção nº 23, de 2007.
Trata-se de Moção de Apelo proposta pelo nobre Deputado José Bruno (DEM), autuada sob o número 23/2007, visando a manifestação da Assembléia Legislativa apelando ao Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal para que não se aprove o Projeto de Lei 5003-B/2001, que criminaliza qualquer manifestação contra homossexualismo, distorcendo valores, e tratando pessoas com preferências sexuais específicas como se não pertencessem à Raça Humana.
Justifica o nobre Deputado que a aprovação do aludido projeto de lei tem intuito claro de reduzir o direito de liberdade e de manifestação, garantido pela Constituição Federal, em seu artigo 5º, na medida em que trata os homossexuais, bissexuais e transgêneros como um gênero diferenciado dos seres humanos.
A Moção nº 23/2007 foi publicada no Diário Oficial da Assembléia Legislativa, página 14, no dia 27/04/2007.
Nos termos do artigo 156 do Regimento Interno, a presente proposição constou da pauta por cinco sessões, quais sejam, 30ª a 34ª Sessões Ordinárias, desde o dia 02/05/2007 até o dia 08/05/2007, não tendo recebido emendas ou substitutivo.
No dia 16/05/2007, o Exmo. Sr. Presidente da Assembléia Legislativa Vaz de Lima encaminhou à Comissão de Direitos Humanos, nos termos regimentais, para exarar seu parecer de mérito.
A presente proposição legislativa foi distribuída a este deputado, por designação do Exmo. Sr. Presidente da Comissão de Direitos Humanos Vanderlei Siraque, no dia 22/05/2007.
Em cumprimento ao Regimento Interno, cumpre a este deputado expor o que segue.
De fato, o projeto de lei ao qual se refere o nobre Deputado se encontra em trâmite perante o Senado Federal, sob os auspícios da Exma. Sra. Senadora da República Fátima Cleide (PT-RO), na qualidade de Relatora da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. No último dia 07/03, a nobre Relatora apresentou voto favorável, sendo a propositura colocada em pauta da reunião da comissão permanente (CDH). No entanto, em reunião da comissão permanente (CDH) havida em 15/03/2007, a nobre Relatora, no uso da palavra, solicitou retirada do projeto de pauta, retornando aos seus cuidados para reexame da matéria.
Cumpre, por óbvio, a este Relator expor, de maneira sucinta, o projeto de lei ao qual se refere a presente propositura.
De Autoria da então Deputada Federal Iara Bernardi (PT-SP), o aludido projeto de lei tem por objeto imputar sanções a práticas discriminatórias fundadas na orientação sexual.
Em 23/11/2006, a redação final do projeto foi aprovada pela Câmara dos Deputados, sendo encaminhado o projeto para o Senado Federal.
Em apertada síntese, a redação final insere no ordenamento jurídico tipificação de condutas de discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.
Tipifica as condutas fundadas na discriminação de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero, de:
negar ou obstar emprego em empresa privada ou praticar a dispensa direta ou indireta;
impedir, recusar ou proibir o ingresso ou a permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento público ou privado, aberto ao público;
recusar, negar, impedir, preterir, prejudicar, retardar ou excluir, em qualquer sistema de seleção educacional, recrutamento ou promoção funcional ou profissional;
sobretaxar, recusar, preterir ou impedir a hospedagem em hotéis, motéis, pensões ou similares;
sobretaxar, recusar, preterir ou impedir a locação, a compra, a aquisição, o arrendamento ou o empréstimo de bens móveis ou imóveis de qualquer finalidade.
impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público;
impedir ou restringir a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público;
Normatiza, ainda, inserindo no tipo penal da injúria previsão expressa do uso da discriminação de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. E veda, no âmbito do Direito do Trabalho, a prática discriminatória motivada por tais parâmetros.
Naturalmente, não é competência desta Comissão a análise do mérito da oportunidade e da conveniência da norma referida. No entanto, para análise da propositura que ora relatamos, convém discorrermos sobre os motivos pelos quais propõe-se a moção de apelo.
Nos termos expostos pelo nobre Deputado autor da presente propositura, afirma-se que o Projeto de Lei nº 5003-B/2001 “tem um intuito claramente redutor do direito da liberdade de manifestação”, asseverando que tal direito é garantido pela Constituição Federal.
De fato, a criminalização de conduta restringe o direito à liberdade. E, no caso concreto, em maiores proporções, o direito à liberdade de expressão e opinião.
Nesta seara, cumpre elucidar que o direito à liberdade, tais quais outros direitos que compõem o sistema de direitos humanos fundamentais assegurados pela Constituição Federal, não possui caráter absoluto. Pelo contrário, encontra limites nos demais direitos humanos fundamentais, o que pode ensejam, por óbvio, a colisão de direitos, ou melhor, de princípios.
É notório que no caso concreto há uma colisão de dois princípios constitucionais ou direitos, quais sejam, (i) liberdade de expressão; e (ii) dignidade da pessoa humana.
É constitucional que cada qual tenha o direito de dizer e se manifestar o que bem entender, o seu pensamento e a sua opinião.
No entanto, é direito também amparado pela Constituição Federal que cada qual não seja tratado desigualmente, nem violado na sua incolumidade moral, nem desrespeitada sua liberdade de escolha.
Conforme observado, deparamo-nos com um conflito entre dois direitos humanos fundamentais. E assim, para resolver tal problema, na medida em que haverá restrição de direito humano fundamental, é preciso adotar uma metodologia própria.
Nos casos de conflitos de regras legais, são utilizados os critérios para solução de antinomias. No entanto, conforme já afirmado, não se trata de colisão de regras, mas sim de princípios.
Princípios não são deveres definitivos, tratando-se de deveres prima facie, cujo conteúdo definitivo somente é fixado após sopesamento com princípios colidentes, não se podendo hierarquizar a priori um princípio sobrepondo-o a outro. São mandamentos de otimização, ou seja, normas que obrigam que algo seja realizado na maior medida possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas.
Adotemos, portanto, a teoria do princípio da proporcionalidade desenvolvida na jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão e utilizada na atualidade por juristas e pelo Supremo Tribunal Federal. Esclarecendo que, como afirma Canotilho, em sua obra “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, o princípio da proporcionalidade aplica-se a todas as espécies de atos dos poderes públicos, de modo que vincula o legislador, a administração e o judiciário.
Assim, devemos verificar se o projeto de lei objeto da presente proposição legislativa restringe direito humano fundamental de maneira proporcional.
O princípio da proporcionalidade não é um simples juízo valorativo de razoabilidade. Possui uma estrutura racionalmente definida, sendo formado por três subprincípios, quais sejam: (i) adequação; (ii) necessidade; e (iii) proporcionalidade em sentido estrito.
O subprincípio da adequação ou da conformidade dos meios (Geeignetheit) examina se a medida adotada é apropriada para concretizar o objetivo visado.
O objetivo do aludido projeto de lei é, por óbvio, coibir e desestimular a prática discriminatória fundada no gênero ou na opção sexual.
Como preconiza Cesare Beccaria, em sua obra “Dos delitos e das penas”, a finalidade da pena é “impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo”.
Assim, uma vez cominada pena é pressuposto jurídico que a conduta reprovada é desestimulada.
Como leciona o Ministro Gilmar Mendes, citando decisão do Tribunal Constitucional alemão, “o meio é adequado se, com sua utilização, o evento pretendido pode ser alcançado”. È óbvio que a tipificação da conduta é apta a alcançar o resultado pretendido.
Passemos, portanto, ao exame da necessidade ou da exigibilidade (Erforderlichkeit), segundo o qual o objetivo perquirido não pode ser promovido, com a mesma intensidade, por outra ação, que limite, em menor medida, o direito fundamental atingido.
Poderíamos afirmar, que o objetivo almejado poderia ser atingido com medidas educativas de modo a introjetar na comunidade a cultura de respeito à diversidade.
No entanto, é notório concluirmos que a efetividade da cominação penal é maior do que qualquer medida educativa, pois age no âmago da sociedade moderna, de maneira real e simbólica, sendo o mecanismo de maior efetividade para reprovabilidade de conduta pela sociedade.
Após a análise dos dois primeiros subprincípios, ponderemos o terceiro e último, qual seja, da proporcionalidade em sentido estrito (Verhältnismässigkeit).
Para que uma ação restritiva de direito humano fundamental seja proporcional em sentido estrito, o motivo que o fundamenta deve ter importância suficiente para justificar sua implementação. Como leciona Robert Alexy, “Quanto mais grave a intervenção em um direito fundamental, tanto mais graves devem ser as razões que a justifiquem”.
Assim sendo, verifiquemos no caso concreto se a proteção à minoria LGBTT em sua dignidade inerente à pessoa humana se justifica perante o direito à liberdade.
O trabalho “Homoafetividade e Direitos Humanos” de Luis Mott, pela Universidade Federal da Bahia, relata inúmeros casos de homofobia e discriminação, dentre os quais, destacamos a distribuição de panfletos na Universidade de Santa Cruz – RS com os dizeres “Mate um homossexual” e em Santo André – SP, pelos “carecas do ABC”, com a frase “Destrua os homossexuais”.
Em 2004 e 2005, foram realizadas pesquisas na Parada do Orgulho GLBT do Rio de Janeiro pelo Grupo Arco-Íris de Conscientização Homossexual, pelo Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos da UERJ (CLAM) e pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes (CESeC) que revelaram um alarmante cenário: 64,8% dos entrevistados já foram vítimas de discriminação por orientação sexual e 61,5% sofreram agressão física.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT), em seu relatório "Igualdade no trabalho: enfrentando desafios", constata a existência de discriminação de homossexuais no mercado de trabalho, desde a contratação até a remuneração.
Lembremos a ponderação de Nancy Fraser, em sua obra “Justice Interruptus: Critical Reflections on the Postsocialist Condition”: “Gays e lésbicas sofrem de heterossexismo: a construção de normas de autoridade que privilegiam a heterossexualidade. Junto vem a homofobia: a desvalorização cultural da homossexualidade. Com sua sexualidade degradada, sofrem vergonha, assédio, discriminação, violência, enquanto seus direitos de proteção igual (isonomia) lhes são negados — tudo fundamentalmente negativa de reconhecimento. Por certo, gays e lésbicas sofrem também sérias injustiças econômicas: podem ser despedidos sumariamente de empregos e lhes são negados benefícios sociais familiares. Mas longe de se enraizarem na estrutura econômica, estas injustiças derivam de uma estrutura injusta de valores culturais”.
É notória e cientificamente comprovada a existência de discriminação de homossexuais e razoável que esta fere a dignidade da pessoa humana em medida suficiente a justificar a restrição da liberdade de discriminar.
Assim sendo, a medida que é apresentada perante o Congresso Nacional não fere o artigo 5º da Constituição Federal, pois privilegia o princípio da dignidade da pessoa humana restringindo a liberdade de modo proporcional.
Outro argumento do nobre Deputado autor da presente propositura que Projeto de Lei nº 5003-B/2001 trata “os homossexuais, bissexuais e transgêneros como um gênero diferenciado dos seres humanos”, “distorcendo valores e tratando pessoas com preferências sexuais específicas como se não pertencessem à Raça Humana”.
De início, cumpre registrar a inexistência técnica do conceito de “raça humana”. Raça é considerada pela biologia como uma variação genética substancial dentro de uma mesma espécie, havendo, assim, a existência de sub-espécies, ou seja, raças. No entanto, a espécie humana possui variabilidade genética de 93 a 95% da variabilidade total, nos sub-grupos continentais, o que caracteriza, inquestionavelmente, a ausência de diferenciação genética, ou seja, de raças. Portanto, os seres humanos são todos da espécie humana: homo sapiens; não existindo nem raça humana, nem raças humanas.
É importante lembrarmos, que a homossexualidade sequer é considerada, cientificamente, como uma psicopatia ou um distúrbio mental, conforme já decidido pela Associação Psiquiátrica Americana (APA) em 1973, pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em 1985 e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1990. Não constando do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), no qual são identificados por códigos todas os distúrbios mentais. A homossexualidade é, tal qual a heterossexualidade, uma orientação ou identidade sexual.
Ultrapassados esses dois pontos técnicos, é importante salientar que o projeto de lei ao qual se refere a presente propositura tem por objeto reprovar a conduta de “distorcer valores” e tratar “pessoas com preferências sexuais específicas como se não pertencessem à Raça Humana”. Conforme já observado quando do breve relato dos termos do projeto de lei 5003-B/2001, é a discriminação de pessoas fundada na preferência sexual que se recrimina no aludido projeto de lei, sendo, portanto, improcedente a citada afirmação constante da propositura.
Corroborando o já exposto no presente relatório, lembremos o que preceitua o preâmbulo da Constituição Federal da República Federativa do Brasil.
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”.(grifo nosso)
Bem como, no âmbito de nosso estado, é importante frisar o seguinte ponto que consta do Programa Estadual de Direitos Humanos de São Paulo.
“175. Apoiar propostas legislativas coibindo todo tipo de discriminação, com base em origem, raça, etnia, sexo, idade, credo religioso, convicção política, orientação ou identidade sexual, deficiência física ou mental e doenças e revogar normas discriminatórias na legislação infraconstitucional, para reforçar e consolidar a proibição de práticas discriminatórias previstas na Constituição Federal”.(grifo nosso)
Por fim, cumpre consignar que um dos pontos polêmicos colocados em sede de discussão do aludido projeto de lei é a severidade das penas cominadas. E, tendo em vista o dissenso do tema e a ampla participação popular implementada pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, não convém a manifestação desta Assembléia Legislativa sobre o mérito da severidade do projeto de lei, muito menos, rechaçando o projeto na sua integralidade.
Diante de todo exposto, manifestamo-nos contrariamente à moção nº 23/2007.
É o nosso parecer.
Sala das Comissões, em
Deputado Bruno Covas - PSDB"
Podem se matar a vontade xD