Existe sim uma diferença na educação formal de quem tem o mínimo de condição de acesso em relação a quem não tem nenhuma (o que é a maioria o Brasil). A desigualdade social refletindo na desigualdade educacional é enorme no Brasil.
Mas passando esse mínimo, a diferença muda muito pouco. Pouco importa se a pessoa ganha 2 salários mínimos ou 10. Muda perfumaria, basicamente.
A elite brasileira, mesmo destacando a ponta da pirâmide, tem uma educação muito pior que na maioria do mundo.
Dando aula em universidade isso fica muito claro. Turma de alunos cotistas de escola pública têm alunos muito bons e alunos muito ruins, do mesmo jeito que acontece com as turmas de alunos não cotistas.
A quantidade de informação que eles tiveram acesso pode até mudar, mas a maneira que eles pensam sobre ela não. E informação é fácil de ter hoje em dia se você já passou desse limite mínimo de acesso.
Aí que entra o caráter. A informação taí pra quem quiser ver (de quem já passou o limite de acesso), o governo sabia que ia acabar o oxigênio no amazonas e preferiu ignorar o problema e continuar pregando o uso de tratamento preventivo. Ganhar 10 salários mínimos não faz você entender isso melhor. Mas a falta de caráter, independente da sua classe social, faz você ignorar essa informação, ignorar a tragédia, ignorar as mortes pelas quais o governo é diretamente responsável, e continuar achando o presidente o máximo. Isso não depende do preço da escola que você frequentou. Isso é caráter.
Claro, quem tá se fodendo pra conseguir juntar 400 reais no fim do mês, o que é a maioria da população, tem grande probabilidade de não ter tempo pra pensar em mais nada além de sobreviver mais um dia.
Pode-se divergir quanto a planos econômicos, reformas, estrutura política, teto de gastos, e o escambau. Isso vai variar da percepção e formação (formal ou não) que cada um tem, e concordo que também varia com classe social, por n motivos.
Agora, aceitar que se ignore o pedido de oxigênio no meio de uma pandemia, não dá né.
Acho difícil acreditar que a desigualdade educacional brasileira, após um certo nível mínimo, seja mera perfumaria. Por exemplo, os resultados do
PISA de 2018 apontam mesmo a superioridade de escolas medianas de certos países frente a boas escolas nacionais, mas também apontam uma diferença grande entre escolas particulares e públicas nacionais. Na área de ciências, há uma diferença de mais de 100 pontos na escala usada na avaliação, o que é a diferença entre as médias da Finlândia e Colômbia, ou entre Canadá e Costa Rica. Se fôssemos pegar escolas particulares acessadas por gente de cerca de 10 sm (salários mínimos), e comparar com escolas de famílias com cerca de 2 sm, essa diferença iria ser ainda maior, creio eu. E a pesquisa que estávamos discutindo usa esses valores como extremos opostos né, quer dizer, um bloco são de pessoas com mais de 10 sm, e outro bloco eram de pessoas com menos de 2 sm - fica mais difícil acreditar que a diferença de educação desse pessoal não seja relevante. Só o domínio de língua estrangeira deve ser bem diferente, o que abre um mundo no que diz respeito ao acesso à informação.
Se for verdade que os alunos de baixa e alta renda têm igual sucesso da universidade, bem, isso não significa que são igualmente educados, já que o curso universitário não mede a educação como um todo, o aluno treina para avaliações bem específicas, que pedem habilidades bem específicas e que dizem respeito à profissão que escolheu. Além disso, boa parte das universidades têm avaliações bem tradicionais né, muita vezes há bancos de provas e etc., ou seja, pode-se até questionar se o aluno desenvolveu de fato as habilidades que as provas teriam que medir, ou se o aluno meramente superou com sucesso uma etapa formal pra pegar o diploma. Enfim, educação básica vai muito além do que preparar o aluno para o ensino superior. O cara pode ser um grande jurista e ser pouco educado de um ponto de vista mais amplo, por exemplo. O que tem de juiz aí pagando mico não está no gibi.
Quanto à questão do Bolsonaro e caráter de certa fatia do seu eleitorado, bem, é um tipo de discussão moralista que eu já participei várias vezes e já estou saturado. Desde o impeachment da Dilma o papo de "óóóó, quem apoia isso é mal caráter!" está por aí, passando pelo "fascismo" que elegeu Bolsonaro, por posicionamentos proibidos sobre meios de combater a pandemia, pela gestão da saúde brasileira em 2020 (nesse caso, o próprio Mandetta, já antagonista ao Bolsonaro,
fez o favor de contrariar esse moralismo), e por aí vai. Todo mês surge a bússola moral da vez, o evento que ("agora ninguém pode negar!") separa os bons dos maus. Inclusive no mínimo três vezes já tive que aguentar otário atacar-me em nível pessoal com raciocínio desse tipo, e outros usuários de direita daqui também já passaram por experiência parecida, mas nesse ambiente esquerdista esse tipo de coisa, que geraria um puta constrangimento em lugares normais, é tratado quase como que mero espirro. Acho engraçado que a mesma esquerda que tende a ser bem relativizadora (com ciências naturais e econômicas, com crimes de ditos pobres oprimidos, com ditaduras ditas anti-imperialistas ou do proletariado), ao mesmo tempo, quando se trata de julgar o eleitorado adversário, atua com furor moralista quase religioso, sem relativizar seus próprios modelos psicomorais. Nesse sentido, nem vou discutir o caso específico da vez (Manaus) - colocado aqui como singularíssimo dentre as demais incompetências do governo e uma mudança de fase em suas propriedades morais - porque, no modo como a discussão está posta, basta um pulo para descambarem a discussão pro pessoal... a não ser que eu pisasse em ovos e escrevesse o post com um nível grande de cuidado e pesquisa, para prever e desmontar na raiz esse tipo de coisa, o que já fiz em outras ocasiões, mas no momento estou sem saco...
Até porque, aliás, a pesquisa que estava em discussão foi feita nos dias 20 e 21 de janeiro. Nesses dias a responsabilidade acentuada do governo federal no episódio já era fato notório e com repercussão? Parece que não hein... Eu mesmo não estava sabendo até isso ser trazido em discussão agora, e nem na Valinor isso havia sido trazido com esse peso moral todo, e olha que não falta gente aqui querendo criticar o governo...