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O que você está lendo? [Leia o 1º post]

  • Criador do tópico Criador do tópico Anica
  • Data de Criação Data de Criação
A Divina Comédia (Dante Alighieri).

Prosseguem as minhas agruras com o gênero poético. Como me incomoda a estética em detrimento da clareza! Cada vez que eu vejo uma oração completamente desordenada só para caber numa métrica ou numa rima eu me coço com raiva e o kindle corre perigo. O kindle, aliás, está amenizando a experiência ruim, porque pelo menos o tanto de palavras difíceis (devido, provavelmente, ao mesmo propósito estético) incomoda pouco, já que é só clicar para abrir o significado. Mas o pior é quando uma palavra essencial à ideia de um verso - por vezes o seu próprio sujeito! - vai solta no verso seguinte, quebrando inteiramente o ritmo e o fluxo de pensamento, obrigando à releitura do trecho.

E há dois fatores desfavoráveis: o fato de ser uma tradução, o que potencializa os problemas citados, já que para preservar as ideias mantendo-se a estrutura poética deve ser inevitável ao tradutor lançar mão daqueles recursos com frequência; e a imensa quantidade de referências e alegorias envolvendo figuras mitológicas e históricas nem sempre bem conhecidas, o que obriga a nos socorrermos às notas no final dos capítulos, e que torna bem precária a compreensão dos versos em uma leitura fluida.

Pois, novamente talvez a escolha certa feito não tenha
Eu, par'os estorvilhos romper com o poético tipo.¹

¹ DanteEriadan já havia fracassado com uma tentativa de Ilíada em uma tradução não tão recomendada pelo vate @Béla van Tesma.
 
Última edição:
Odeio ser o cara que diz "eu avisei pra ler em prosa", mas... eu avisei pra ler em prosa. :lol: Se a leitura não está sendo agradável, sinceramente, não vejo porque ficar se torturando. Ler histórias em verso claramente não é o seu tipo e não há nada de errado com isso. Eu também prefiro ler essas histórias em versões em prosa e os puristas que chiem o quanto quiserem, quem tem que gostar da leitura sou eu e se a tradução em versos não está me agradando então eu leio do jeito que eu achar melhor.
 
Estou lendo "A Dança da Morte" de Stephen King. Não há como não identificar com certas situações que ocorrem agora no mundo , com essa pandemia.

Ainda estou lendo o primeiro livro da série Duna de Frank Herbert. Muito legal também. Pra quem gosta de ficção científica, eu recomendo.
 
Dante é incontornável para quem almeja alguma erudição ocidental... Se não houver jeito de ler em versos (existem várias traduções, nem todas com rima, o que em tese obriga a menos volteios e firulas mas preserva o ritmo, que é muito mais importante à poesia), mesmo depois de tentar com grande esforço, então vá de prosa mesmo. Só conheço a edição antiga da Cultrix em prosa, e foi a que li uns vinte anos atrás no início da faculdade.

Mas isso que você aponta como defeito — o sacrifício da clareza em prol da estética — é a essência mesma da poesia, ora. Tudo na poesia é antinatural (ritmo, rima, aliterações, enjambements, metáforas preciosas etc.), se por natural nós entendermos que a língua surgiu para fins estritamente práticos.

Eu acho que um livrinho capaz de auxiliar na apreciação da coisa toda (só se encontra em sebo) é "A Poesia: uma iniciação à leitura poética", do Armindo Trevisan. Continue tentando. Um dia você ainda dirá que adora ler versos. :dente:
 
Odeio ser o cara que diz "eu avisei pra ler em prosa", mas... eu avisei pra ler em prosa. :lol: Se a leitura não está sendo agradável, sinceramente, não vejo porque ficar se torturando. Ler histórias em verso claramente não é o seu tipo e não há nada de errado com isso. Eu também prefiro ler essas histórias em versões em prosa e os puristas que chiem o quanto quiserem, quem tem que gostar da leitura sou eu e se a tradução em versos não está me agradando então eu leio do jeito que eu achar melhor.
Achei uma versão em prosa da Divina Comédia e acho que vou mesmo interromper a poesia por ela, porque definitivamente senti muito mais prazer na leitura. Você tem razão: não tem por que ficar se martirizando se existem opções...

Dante é incontornável para quem almeja alguma erudição ocidental... Se não houver jeito de ler em versos (existem várias traduções, nem todas com rima, o que em tese obriga a menos volteios e firulas mas preserva o ritmo, que é muito mais importante à poesia), mesmo depois de tentar com grande esforço, então vá de prosa mesmo. Só conheço a edição antiga da Cultrix em prosa, e foi a que li uns vinte anos atrás no início da faculdade.

Mas isso que você aponta como defeito — o sacrifício da clareza em prol da estética — é a essência mesma da poesia, ora. Tudo na poesia é antinatural (ritmo, rima, aliterações, enjambements, metáforas preciosas etc.), se por natural nós entendermos que a língua surgiu para fins estritamente práticos.

Eu acho que um livrinho capaz de auxiliar na apreciação da coisa toda (só se encontra em sebo) é "A Poesia: uma iniciação à leitura poética", do Armindo Trevisan. Continue tentando. Um dia você ainda dirá que adora ler versos. :dente:
... porém, as coisas que o Béla fala sobre estarmos perdendo alguns sabores da literatura ao renunciar de vez à poesia ainda me convencem a não desistir. Tantas coisas que mudei de opinião só porque tinha começado do jeito errado... Acabei de comprar o livro indicado. Se depois, e com mais uma última tentativa, não rolar, aí, ok: jogo a toalha e volto feliz em dedicação integral à prosa.
 
Última edição:
Umas últimas palavrinhas sobre o assunto, já que estamos aqui.

Não sei qual tradução em verso você escolheu. Como eu disse, existem várias; algumas optaram por verso branco (sem rima) para ter maior liberdade criativa (mas há também quem despreza a rima como um elemento de línguas bárbaras, como o John Milton, autor de outro épico famoso, Paraíso Perdido, embora ele a tenha preservado nos sonetos hehe). Aqui no Escamandro foi feita uma compilação pelo Mavericco das primeiras estrofes em diferentes traduções. Sei que é uma amostragem pequena para decidir alguma coisa; mas serve ao menos de tira-gosto para ver como se encontram diferentes soluções para dizer a mesma coisa, e de como a maior ou menor liberdade vai interferir no resultado. Achei interessante que não constou a versão em prosa do Hernâni Donato (ed. Cultrix), que eu mencionei; mas apareceu outra em prosa que eu desconhecia: da L&PM. Alguns desses projetos nunca foram completados (do Jorge Wanderley só há o primeiro livro, Inferno, se não me engano, e do Augusto de Campos, só o canto I; etc.) Dos meus amigos que conhecem e gostam de poesia, a opinião geral é de que a do Cristiano Martins é a melhor; é farta em notas e estava editada em dois volumes pela Itatiaia (só se acha em sebo; mas foi relançada de modo muito discreto num volume único ano passado) — mas ele vai cair nessas coisas aí que você não curte muito: rimas, e as necessárias inversões sintáticas para caberem no verso rs. Talvez as edições da Martin Claret ou da Pradense fossem mais indicadas.

Sobre referências mitológicas... Bem, isso é um lugar-comum em toda a poesia ocidental até pelo menos o século XX. Assim como é fundamental ter lido a Bíblia para pegar as infinitas referências que a arte ocidental fez a ela ao longo de séculos, também é fundamental ter uma boa cultura mitológica para destrinchar essas coisas. Aqui é inevitável ler as fontes primárias (Homero, Ésquilo, Sófocles, Eurípides etc.) — mas livros mais didáticos de divulgadores sempre ajudam ("O Livro de Ouro da Mitologia", do Thomas Bulfich), e sem dúvida um dicionário decente (do Pierre Grimal, por exemplo). E eu sei que não vai ajudar para este caso em particular, mas quem quiser compreender o ciclo troiano todo pode ler "A Guerra de Troia", do Claudio Moreno, que a explica em forma de romance, organizando as muitas fontes em ordem cronológica e com uma narrativa simples, direta e sem floreios. Pode te ajudar para a "Ilíada"...

Referências históricas... Isso é incontornável em textos antigos de qualquer natureza, sejam poemas, sejam crônicas seiscentistas ou sermões do Vieira etc. Às vezes é necessário ler uma nota ou outra, às vezes é preferível ignorar e seguir adiante. Não supervalorize uma referência a algum desafeto do poeta; às vezes era só isso mesmo: Dante citando algum padre falcatrua para o avacalhar kk.

Bem! Espero que você consiga ler e curtir a obra.
Nem que seja em prosa — em épicos, onde predomina a função narrativa do texto, a perda é sem dúvida menor do que seria num soneto lírico, embora não seja desprezível; mas perdas sempre as há em qualquer tradução.
 
Aqui no Escamandro foi feita uma compilação pelo Mavericco das primeiras estrofes em diferentes traduções. Sei que é uma amostragem pequena para decidir alguma coisa; mas serve ao menos de tira-gosto para ver como se encontram diferentes soluções para dizer a mesma coisa, e de como a maior ou menor liberdade vai interferir no resultado.

Que preciosidade. :bamf:

a imensa quantidade de referências e alegorias envolvendo figuras mitológicas e históricas nem sempre bem conhecidas, o que obriga a nos socorrermos às notas no final dos capítulos, e que torna bem precária a compreensão dos versos em uma leitura fluida.

Apenas reforçando o que o @Béla van Tesma disse, isso é uma característica sine qua non de toda grande poesia épica e/ou dramática do ocidente, e, porque não, de toda grande literatura ocidental (só lembrar de Ulysses). Às vezes é chato e maçante, mas também pode ser muito gratificante e enriquecedor, e pode inclusive ajudar na leitura de outras obras do mesmo quilate que você for ler posteriormente, porque as obras posteriores referenciam as grandes obras anteriores (Machado de Assis, por exemplo, faz várias referências indiretas a Commedia em seus textos).

Sobre as notas no final dos capítulos ou no final do próprio livro, acho que essa é uma das vantagens do livro físico. Nesse caso basta ter dois marcadores de página, um para leitura em si e outro para as referências: chegou uma passagem com referência, basta abrir na página que o segundo marcador está, ler e voltar. Parece que essa questão das referências é algo mais complicado no Kindle (já li outras reclamações sobre).

Uma outra dica que sempre ajuda na leitura desses grandes clássicos são os livros de apoio, que podem ajudar bastante não só na interpretação mas na própria leitura em si da obra. A Tatiana Feltrin tem uma playlist só de leituras de apoio que ela fez para a leitura da Divina Comédia: https://www.youtube.com/playlist?list=PLv45MJLr5JgCwYGkvSxEijS0wvh0Pyy-8 - recomendo dar uma olhada nos vídeos, mesmo se não for ler tais obras.

Por fim, deixo aqui o belíssimo Dante e Virgilio no Inferno, de William-Adolphe Bouguereau (1852).

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Uma outra dica que sempre ajuda na leitura desses grandes clássicos são os livros de apoio, que podem ajudar bastante não só na interpretação mas na própria leitura em si da obra. A Tatiana Feltrin tem uma playlist só de leituras de apoio que ela fez para a leitura da Divina Comédia: https://www.youtube.com/playlist?list=PLv45MJLr5JgCwYGkvSxEijS0wvh0Pyy-8 - recomendo dar uma olhada nos vídeos, mesmo se não for ler tais obras.

Não sei se ela incluiu o Lucchesi, mas tem este livrinho bacana dele também:
1590954502828.png

Mas enfim. Não quero alongar o off-topic. :lol:
Boa leitura a todos.

(edit: desconsiderar o preço da Amazon: acho que esgotou e o pessoal perdeu a noção do ridículo kk)
 
No momento não estou lendo nenhum livro. Quem sabe amanhã eu comece a reler Brasil: uma biografia ou leia Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio, Sagarana ou ainda Relatos de um certo oriente (esses três últimos, estritamente para vestibular)...

Mas talvez eu vou da releitura mesmo: a prova foi postergada pro começo de janeiro – e se eu ler esses livros agora daqui um mês já me esqueço de 50% kk
 
Senhor, que vestibular maldito é esse que pede um livro do Maquiavel como leitura?
Kkk, é o da Federal do Paraná. Mas ele está apenas nas questões de Filosofia, que tendem a ser fáceis (e se não me engano Discursos... é o único que pedem a leitura integral, tem Condição Humana e outros lá que são apenas capítulos recomendados).
 
Por sorte nunca quis prestar vestibular para cursos difíceis então sempre me limitei a dar o mínimo de mim às provas. Espero que você consiga passar sem ter que abdicar da vida por vários meses. E pimba na gorduchinha lendo coisa boa!
 
Chegando atrasada na conversa sobre Divina Comédia - para contrariar o ditado de que mineiro não perde o trem -, mas acho que as principais coisas já foram ditas.

Achei uma versão em prosa da Divina Comédia e acho que vou mesmo interromper a poesia por ela, porque definitivamente senti muito mais prazer na leitura. Você tem razão: não tem por que ficar se martirizando se existem opções...

Não sofra, Eriadan. Não estamos mais no século dezoito, quando o romance era vilipendiado por ser visto como um gênero menor, escrito para quem não tinha capacidade de ler o que realmente interessava: Poesia. Sim, o romance era desdenhado por ser feito em prosa. Mas esse tempo passou. Leia em prosa.

... porém, as coisas que o Béla fala sobre estarmos perdendo alguns sabores da literatura ao renunciar de vez à poesia ainda me convencem a não desistir.

Mas se você não está conseguindo se concentrar na leitura, já que os versos e rimas estão te incomodando, você não acha que perderá mais da obra do que se optasse por, num primeiro momento, ler em prosa? Talvez isso facilite a fruição. Primeiro, leia em prosa. Depois, se estiver confortável, leia em verso.
 
Chegando atrasada na conversa sobre Divina Comédia - para contrariar o ditado de que mineiro não perde o trem -, mas acho que as principais coisas já foram ditas.

Não sofra, Eriadan. Não estamos mais no século dezoito, quando o romance era vilipendiado por ser visto como um gênero menor, escrito para quem não tinha capacidade de ler o que realmente interessava: Poesia. Sim, o romance era desdenhado por ser feito em prosa. Mas esse tempo passou. Leia em prosa.

Mas se você não está conseguindo se concentrar na leitura, já que os versos e rimas estão te incomodando, você não acha que perderá mais da obra do que se optasse por, num primeiro momento, ler em prosa? Talvez isso facilite a fruição. Primeiro, leia em prosa. Depois, se estiver confortável, leia em verso.
Isso! Acho que é a melhor estratégia. Pausei a leitura em verso na metade do Purgatório, e comecei a leitura em prosa (desde o início, claro), e

NOSSA QUE LIVRO FANTÁSTICO NÃO TAVA ENTENDENDO MERDA NENHUMA

Agora já tá até dando vontade de reler os versos das partes que eu já li em prosa. No mínimo vou terminar os versos de onde parei, quando tiver concluído a prosa.
 
Estou lendo O Real Itamar (de Ivanir Yazbeck) - uma biografia do presidente Itamar Franco. Segundo o kindle, li até agora 82% e acho que tem sido uma leitura prazerosa, embora eu considere o livro em si uma biografia ruim. Faz sentido? :dente:

Identifiquei problemas de revisão, alguns erros ao longo do texto (por exemplo, usar o termo "descrição" em vez de "discrição", que seria o correto; "mandato", em vez de "mandado judicial"), escolhas infelizes de verbos, trechos mal escritos e alguns deslizes outros de informação mesmo (por exemplo, no capítulo intitulado "Próxima parada: Brasília", ao tratar das eleições de 1974, o livro enumera os 16 senadores eleitos pelo MDB, só que repete o nome de Marcos Freire, eleito por Pernambuco, e a listagem fica incompleta... outro exemplo, se entendi bem uma determinada passagem, o ex-governador Eduardo Azeredo, a certa altura, foi confundido com o pai, Renato Azeredo).

Para além disso, esse livro é uma daquelas biografias encomendadas pelo próprio biografado. Tudo bem! Essas biografias podem, ainda assim, ter o seu mérito. Cabe ao leitor apurar os filtros, porque, naturalmente, o biografado tem o interesse de "sair bem no retrato". Mas fiquei com a sensação de que o biógrafo, em diversos momentos, perde a medida das coisas, nas loas, na adjetivação e dá aquela carregada nas tintas. É curioso, porque, paralelamente estou lendo Dom Quixote e algumas descrições do Itamar beiram a construção do herói nos romances de cavalaria, que Cervantes satiriza. Nas controvérsias em que se mete Itamar, o biógrafo, fiel escudeiro do biografado, está sempre a postos para lancear os seus críticos, que nunca têm razão. Claro, eu concordo que várias das críticas apontadas no livro são mesmo injustas e às vezes até mesmo ridículas, mas isso talvez também nos diga algo a respeito das seleções operadas pelo biógrafo.

Itamar - em nenhum momento no livro - é apresentado de maneira desfavorável, não há o menor contraponto, a menor relativização, o menor senão. Dou um exemplo que me incomodou: o biógrafo passa um bom pedaço descrevendo a vinculação de Itamar Franco com o PTB e com um de seus quadros de projeção nacional, que tinha sua base eleitoral ali em Juiz de Fora (falo de Clodesmidt Riani). Após construir essa relação de Itamar com o grupo trabalhista de Juiz de Fora, narra o sucedido na eleição de 1962, quando Itamar concorreu a vice-prefeito de Juiz de Fora na chapa petebista, que tinha Nicolau Schuery como candidato a prefeito. Ambos foram derrotados. Foi eleito Adhemar Resende de Andrade, grande adversário do grupo político de Riani e Adhemar simplesmente recrutou Itamar Franco para o corpo técnico de sua Administração. Como os correligionários de Itamar - entre eles, Riani - receberam a sua adesão à gestão do adversário político? O biógrafo simplesmente age como se essa questão não se impusesse e segue descrevendo e tecendo loas ao trabalho de Itamar junto à gestão Adhemar.

À parte isso, o livro tem méritos inegáveis. O trabalho de pesquisa é bom e, além de tudo, o biografado consegue se impor, como figura fascinante que ele, de fato, foi.

Além disso, apesar dos exageros, acho que o biógrafo tem razão em considerar que a importância de Itamar ficou algo eclipsada na memória nacional. Seu governo como presidente da República, por exemplo, comumente não recebe a devida atenção, como se nada de importante tivesse acontecido ali, sendo um mero "governo-Tampão" entre Collor e FHC. No mais, acho digno de nota, por exemplo, a riqueza do capítulo sobre a gestão Itamar Franco à frente da prefeitura de Juiz de Fora - e aí acho que contribui o fato de o biógrafo ser conterrâneo de Itamar.

Enfim, a minha impressão é essa: o livro tem méritos, mas a biografia, a meu juízo, é falha em muitos aspectos, ainda que a figura interessante do biografado consiga salvar a leitura e torná-la agradável.
 
Em meados de maio, eu decidi reler “Backlash - O Contra Ataque na Guerra Não Declarada Contra as Mulheres”, da Susan Faludi, porque acho que ele ainda é bastante atual e imprescindível para que possamos compreender os dias atuais, quando os direitos das mulheres estão, mais uma vez, sob ataque. Estou intercalando a releitura com outras leituras, porque o livro é muito pesado, e fala sobre coisas que me deixam deveras irritada.

Sabem por que as mulheres em cargos executivos, as mulheres que não querem ter filhos, as mulheres que têm filhos e trabalham em casa e fora de casa estão mais infelizes, doentes e sobrecarregadas?

Não é porque o feminismo criou novas oportunidades e as mulheres entraram em crise quanto às suas identidades, é porque o feminismo abriu outras portas e, ao entrar por esses lugares, as mulheres foram ainda mais bombardeadas pela desigualdade. Se, antes, a desigualdade estava visível nas tarefas de casa e no cuidado com os filhos – ambos vistos como funções da mulher – , agora evidencia-se também nos empregos que são ofertados a elas, no fato de que as mulheres precisam se esforçar mil vezes mais do que os homens para terem seus trabalhos reconhecidos, e na face perversa de uma sociedade que faz com que as mulheres se sintam culpadas por saírem para trabalhar e terem de deixar os filhos em casa, mas que não se empenha na construção de creches para que essas mulheres possam trabalhar sem se preocuparem o tempo todo com a segurança de seus filhos.

Ainda no mar de culpas atribuídas ao feminismo, encontra-se a recorrente ideia de que o feminismo afastou as mulheres dos homens, desse modo, insinuando que as mulheres pagaram pela liberdade com uma cama vazia. Ora, se o fato de as mulheres não aceitarem viver em função da satisfação dos homens for o que consolidou esse afastamento, não seria então o machismo – de que agora se tem consciência – que afastou as mulheres do homens? Vejo essa situação do seguinte modo: as mulheres não querem abrir mão de sua autonomia e os homens, reiterando o machismo, não querem abrir mão de dominarem as mulheres. O machismo não reconhece a autonomia alheia e o feminismo reivindica o direito à autonomia.

Acho curiosa a seguinte citação, extraída do início de “Backlash“: “A porta-voz de Reagan, Faith Whittlesey, no único discurso oficial da Casa Branca sobre a condição da mulher americana, definiu o feminismo como uma verdadeira "camisa-de-força" para as mulheres”. Essa fala é problemática por diversos motivos, mas destacarei apenas dois. O primeiro é que comparar o feminismo a uma camisa de força é colocar o movimento de libertação da mulher no campo semântico da loucura, o que, convenientemente, reforça o estereótipo da “mulher louca”, algo bastante utilizado pelo machismo para diminuir as mulheres, para justificar atrocidades direcionadas às mulheres.

O segundo é que o feminismo não prendeu as mulheres em uma “camisa de força”. Ele fez com que as mulheres se conscientizassem de que o machismo é uma camisa de força, que tenta imobilizar as mulheres, diminuí-las para que elas caibam no seu ideal distorcido e retrógrado do que é ser mulher. E a angústia que aflige essas mulheres, desde então, é causada pelo fato de que sempre que elas tentam se mover, a sociedade as pressiona e as machuca mais.
 

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