Primeiramente um bom dia e um bom (e próspero) 2013 a todos. Estava a ler sobre a queda de Númenor, e fiquei a pensar sobre alguns paralelos/aspectos pertinentes ao conto dramático. Seguindo-se a cronologia trazida pela obra, vê-se que dentre os principais eventos "providenciais" fora a criação/oferta de uma dádiva aos homens que outrora lutaram e sobreviveram à opressão da sombra de Morgoth. Ou seja, o oferecimento de uma "terra prometida" aos virtuosos homens que ante a ferrenha fidelidade. No caso em comento, temos Númenor:
Não obstante a possibilidade de se atribuir certa influência dos dizeres bíblicos, principalmente do Êxodo Hebraico, pela promessa de chegada à um local de paz e prosperidade, bem como os eleitos terem precedido a dádiva numa época de "escravidão" e dificuldades tremendas (vide ambos os povos estarem presos e oprimidos por monarcas impiedosos e tirânicos), sem contar que a fuga dos locais de perseguição são motriz de identidade e certa unificação dos povos (12 tribos hebraicas/três grandes clãs de beleriand):
http://pt.wikipedia.org/wiki/Livro_do_Êxodo
O principal propósito do Êxodo é manter vivo na memória do povo hebreu o feito da fundação de si mesmo como nação: a saída do Egito e a consequente libertação da escravidão. Através de sua fuga e a busca da Terra Prometida, o judeu adquire consciência de sua unidade étnica, filosófica, cultural e religiosa pela primeira vez.
Não se pode negar que uma das principais (ou a maior) fonte para criação da ilha se verifica em outras mitologias. Por óbvio, é imperioso citar o mito de Atlântida, já tratado exaustivamente no fórum, a história do continente perdido advém dos diálogos de Platão, principalmente em seu "monólogo" envolvendo o debate entre Timaeus e Critias:
http://en.wikipedia.org/wiki/Timaeus_(dialogue) e
http://en.wikipedia.org/wiki/Critias_(dialogue).
Neste sentido, o diálogo de platão relata a perda gradativa das dádivas/bênçãos da centelha divina outrora predominante. Num paralelo simbólico e metafísico, a ilha de Tolkien também passara pelas mesmas etapas, uma rebelião sem volta e bem catastrófica:
"...when the divine portion began to fade away, and became diluted too often and too much with the mortal admixture, and the human nature got the upper hand, they then, being unable to bear their fortune, behaved unseemly, and to him who had an eye to see grew visibly debased, for they were losing the fairest of their precious gifts; but to those who had no eye to see the true happiness, they appeared glorious and blessed at the very time when they were full of avarice and unrighteous power."
Vide:
Naqueles tempos, a Sombra foi ficando mais densa sobre Númenor; e as vidas dos Reis da Casa de Elros foram reduzidas em virtude de sua rebelião, mas eles endureceram seus corações ainda mais contra os Valar (...) E no entanto, apesar de tudo isso, a Morte não se afastou da Terra. Pelo contrário, passou a vir mais cedo. Com maior freqüência e com muitas roupagens terríveis. Pois, enquanto no passado os homens envelheciam lentamente e se deitavam no final para dormir, quando finalmente se cansavam do mundo, agora a loucura e a doença os acometiam.
Um pedacinho de cada domínio ou principado, uma certa contribuição divina já tratada no fórum e citada na obra:
According to Critias, the Hellenic gods of old divided the land so that each god might own a lot; Poseidon was appropriately, and to his liking, bequeathed the island of Atlantis. The island was larger than Ancient Libya and Asia Minor combined.[4][5]
Foi erguida por Ossë das profundezas das Grandes Águas, e foi estabelecida por Aulë e enriquecida por Yavanna. Akallabêth - pag. 331.
Sua surpreendente e dramática queda, em um período muito curto. Uma espécie de simbolismo da pequenez dos feitos dos homens ante a grande do mundo ou a majestade dos Deus(ses):
But at a later time there occurred portentous earthquakes and floods, and one grievous day and night befell them, when the whole body of your warriors was swallowed up by the earth, and the island of Atlantis in like manner was swallowed up by the sea and vanished; wherefore also the ocean at that spot has now become impassable and unsearchable, being blocked up by the shoal mud which the island created as it settled down
E Andor, a Terra da Dádiva, Númenor dos Reis, Elenna da Estrela de Eärendil, foi totalmente destruída. Pois estava perto do lado oriental da enorme fenda; e seus alicerces foram revirados, fazendo-a cair na escuridão; e ela não existe mais. Akallabêth - 355.
Sempre que leio tal passagem, me lembro, por óbvio a versão de Atlântida de Robert E. Howard, mas principalmente o dialogo entre o Conan e seu pai. O grande embate entre os gigantes, e como Crom com vento e fogo conseguira obliterá-los e lança-los ao grande mar. Os gigantes representandos os altos atlantes (não só em estatura, mas também em conhecimento, poderio militar, a grandeza civilizatória etc) que desafiaram as vontades divinas e foram tragados pela insensatez de seus corações. Razão pela qual o conhecimento, o avanço conquitado também se perderam e a humanidade pós-queda fora apenas uma sombra do que era e deveria ser:
http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20100113063022AAZWQ7J
É possível que os territórios em que Conan viaja fizessem parte de uma fronteira ou posto avançado da civilização perdida, que teria tecnologia superior. Esta hipótese parece ser apoiada pela descoberta, no filme, de uma ruína/túmulo onde o herói encontra uma Atlantean sword, que é feita de aço. Resta saber se os cimérios aprenderam a fabricar aço pelos atlantes, ou são um resto do povo mítico. Numa nota um pouco diferente, é de perguntar se os atlantes podem ser identificados com os gigantes da mitologia dos cimérios, derrotados por Crom com "fogo e vento dos céus" que fizeram "tremer a terra" e "lançaram os gigantes às águas". Há três pontos fundamentais para a mitologia do filme. O primeiro é o momento em que o pai de Conan lhe explica a teogonia de Crom e dos titãs. As semelhanças com a mitologia grega e a ascensão dos deuses do Olimpo são completas, com a excepção do aspecto crucial que faz dos cimérios de Howard um povo especial: os deuses perderam o segredo do fabrico do aço, agora nas mãos dos humanos. Desde então, os cimérios são invejados pela sua técnica metalúrgica por deuses e homens.
Vê-se, portanto:
De repente, Meneltarma explodiu em chamas; vieram um vento fortíssimo e um tumulto na Terra; os céus tremeram e as colinas deslizaram; e Númenor afundou no oceano com todas as suas crianças, esposas, donzelas e damas altivas, com todos os seus jardins, salões e torres; seus túmulos e tesouros; suas jóias, seus tecidos, seus objetos pintados e esculpidos, seu riso, sua alegria e sua música; seus conhecimentos e sua tradição: tudo desapareceu para sempre.
Não nos esqueçamos também de outros contos e folclores que tratam desta premissa, como seres agraciados com abundância e justiça enveredam na corrupção, desordem e rebelião àqueles que em tese deveriam ser fieis. Neste caso, há um interessante relato da
ilha Ys, uma terra magnifica, mas que seus habitantes também "caíram" e foram tragados por forças imensas e caóticas:
http://www.unevacanceenfrance.com/french-folklore-legends/isle-of-ys/
The island city of Ys has several great stories associated with it, the most common and popular claiming it was built for the princess Dahut by her father Gralon, the king of the Cornouaille region.
As well as suffering from a shortage of vowels, the island was below sea level and protected by a gated dike for which the king held the only key. Ys was to become the most impressive and beautiful city in the world, but was also a byword for sin and corruption.
Sem dissentir:
Aos Ancestrais dos Homens, das três Casas fiéis, também foi dada uma rica recompensa. Aproximaram-se, então, saindo do mar para encontrar uma terra bela e produtiva, e se alegraram (...) E chamaram essa terra de Elenna, que significa Na Direção da Estrela; mas também Anadûnê, que significa Ponente, Númenorë no idioma alto-eldarin. Foi esse o princípio daquele povo que na fala dos elfos-cinzentos é chamado de dúnedain: os númenorianos, reis entre os homens.
No diálogo com Crítias, Platão nos descreve como os eleitos acabaram se corrompendo aos dizeres e impulsos carnais. Algo que lhes atraíram somente decadência e morte; um sinal de que a época de prosperidade e ganhos também chegariam à um fim trágico/inimaginável:
"For many generations, as long as the divine nature lasted in them, they were obedient to the laws, and well-affectioned towards the god, whose seed they were; for they possessed true and in every way great spirits, uniting gentleness with wisdom in the various chances of life, and in their intercourse with one another. They despised everything but virtue, caring little for their present state of life, and thinking lightly of the possession of gold and other property, which seemed only a burden to them; neither were they intoxicated by luxury; nor did wealth deprive them of their self-control; but they were sober, and saw clearly that all these goods are increased by virtue and friendship with one another, whereas by too great regard and respect for them, they are lost and friendship with them."
Numa similaridade e paralelo ao descrito pela obra, e que também "atingira" uma grandiosa civilização Romana, que assim como Númenor, também fora a base primeva dos rumos e influências à humanidade:
diferente ao considerarmos, em seus detalhes, a decadência social e moral do mundo romano de então. Por debaixo de todos aqueles esplendores latejava uma profunda miséria. Roma tornara-se, não a rainha, mas a tirana da humanidade.
Em toda parte acentuava-se o contraste entre a riqueza e a indigência, bem como o domínio despótico do forte sobre o fraco. O egoísmo era a lei que regia as ações do homem.
Por outro lado, uma imensa corrupção dos costumes se alastrava por todo o território dos césares. A existência dos cidadãos livres decorria numa ociosidade propícia a todos os vícios, na procura desordenada do luxo e dos prazeres. As crônicas da época nos descrevem algumas das diversões que tanto atraíam as turbas: orgias, corridas, lutas de gladiadores, comédias. O que mais agradava àquele povo embrutecido era ver correr o sangue humano; com freqüência, ele se mostrava exigente com os imperadores, se o espetáculo não era suficientemente sanguinário para causar-lhe o delírio.
Destarte:
E eles eram homens orgulhosos, ávidos por riquezas, que impuseram tributos aos homens da Terra-média, tomando em vez de dar (...) Já os que estavam vivos se voltavam ainda com maior avidez para o prazer e a folia, desejando cada vez mais bens e riquezas.
Nos pormenores que levaram a queda da maior civilização de Arda, é imperioso destacar a atuação de Sauron, o grande catalisador que encaminhou/acelerou o processo de destruição da Ilha. Primeiramente, há de se fazer uma correlação entre a figura de Zigûr, a construção do grande templo sacrifical e a deturpação teológica que precedera a obliteração a punição divina:
http://books.google.com.br/books?id...w#v=onepage&q=Sauron and the ziggurat&f=false
The most common architectual image of Mesopotamian culture, the ziggurat, has a possible echo in Tolkien's world, even though the linguistic history os Middle-Earth precludes the Tower of Babel story with which the ziggurat image is now most associated. (Nothing in the Bible say, explicitly the Tower of Babel is meant to be a ziggurat, though, it has been plausibly argued). Zigûr was the Adûnaic name for Sauron (...) and his hole as an advisor to Ar-Pharazôn, who foregrounded Adûnaic and definitively repudiated Sindarin as the official state language of Númenor - that he does what bible judged the Ziggurat did: affronting the ordained powers with creaturely pride.
The temple de Sauron, o impostor:
É possível verificar que o templo construído em Númenor assuma não só um significado metafísico (no que tange ao crescimento de poder e influência Saurônica), mas também religioso, pois seguindo-se o paralelo simbólico com a Torre de Babel, o templo dedicado a Morgoth fora um dos instrumentos para que os homens de outrora alcançassem os Céus, neste caso o paraíso imortal de Valinor.
Depois disseram: «Vamos construir uma cidade e uma torre, cujo cimo atinja os céus. Assim, hemos de torná-los famosos para evitar que nos dispersemos por toda a superfície da terra.» Gênesis - 11:4
É um evento que expõe orgulho/megalomania da condição humana ante a sua pequenez diante do comando divino. Não esquecendo, neste caso, a atuação do maia rebelde em fazer com que o povo se distanciasse ainda mais da obediência e da essência de Deus. Neste sentido, Ar-pharazôn ou até mesmo Sauron, assume uma condição parecida em muito com uma figura apostata de Nimrod:
http://en.wikipedia.org/wiki/Nimrod
He is depicted in the Tanakh as a man of power in the earth, and a mighty hunter. Extra-biblical traditions associating him with the Tower of Babel led to his reputation as a king who was rebellious against God. "Now it was Nimrod who excited them to such an affront and contempt of God. He was the grandson of Ham, the son of Noah, a bold man, and of great strength of hand. He persuaded them not to ascribe it to God, as if it were through his means they were happy, but to believe that it was their own courage which procured that happiness. He also gradually changed the government into tyranny, seeing no other way of turning men from the fear of God, but to bring them into a constant dependence on his power. He also said he would be revenged on God, if he should have a mind to drown the world again; for that he would build a tower too high for the waters to reach. And that he would avenge himself on God for destroying their forefathers.
Now the multitude were very ready to follow the determination of Nimrod, and to esteem it a piece of cowardice to submit to God; and they built a tower, neither sparing any pains, nor being in any degree negligent about the work: and, by reason of the multitude of hands employed in it, it grew very high, sooner than any one could expect; but the thickness of it was so great, and it was so strongly built, that thereby its great height seemed, upon the view, to be less than it really was.
Interessante é que a punição divina gerou não só a queda física de tal civilização, mas também acarretou no fim de um processo de unificação do homem. Seja na mesma língua compartilhada em Babel, que acarretaria numa unificação política mundial, à exemplo de Númenor/Atlântida com suas conquistas insulares e a erradicação linguística/cultural dos conquistados (Ehh..Roma...):
Seu paralelo histórico pode ser visto em uma outra figura déspota, poderosa, opressora e senhor de um grande império de muitos povos. Sim, é a figura de Nero, para muitos estudiosos o indivíduo a quem João (escritor do Apocalipse) atribui o cargo de Anticristo:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Anticristo
Por essa razão, os cristãos creem que este anticristo é descrito em outros textos, tais como o livro de Daniel, as cartas de Paulo (como "o homem do pecado") e o Apocalipse como a "Besta que domina o mundo". Para certos grupos cristãos, incluindo a Igreja Católica, tal Besta chegou a ser personificada através do imperador romano Nero.
Os ponto em comum da trindade piromaníaca:
Os senhores do fogo em Númenor incineravam os fieis não só para fins políticos, mas também para fins cultuais. Neste caso, temos os sacrifícios humanos, uma maneira de conseguir uma providência ou feitos divinos de Morgoth, mas seguindo-se também à uma reforma religiosa sem precedentes na civilização Númenoriana. Evento este que lembra a tragédia vivida pelos Hebreus e narradas na bíblia. O culto a Melko... Molek:
Leviticus 18:21: ‘Do not give any of your children to be sacrificed to Molek, for you must not profane the name of your God. I am the LORD.
Leviticus 20:2–5: And he defiled the Tophet, which is in the valley of Ben-hinnom, that no man might make his son or his daughter pass through the fire l'Molech.
Sauron "avoando", Melkor sentado e sendo cultuado. E os inocentes pagam o preço:
First MOLOCH, horrid King besmear'd with blood
Of human sacrifice, and parents tears,
Though, for the noyse of Drums and Timbrels loud,
Their children's cries unheard that passed through fire
To his grim Idol. Him the AMMONITE
Worshipt in RABBA and her watry Plain,
In ARGOB and in BASAN, to the stream
Of utmost ARNON.
His Temple right against the Temple of God
On that opprobrious Hill, and made his Grove
The pleasant Vally of HINNOM, TOPHET thence
And black GEHENNA call'd, the Type of Hell.