Faz tempo que eu queria tirar um tempinho e escrever decentemente sobre o assunto, mas já que eu acabei parando neste topico hoje, vai do jeito apressado mesmo:
Eu acredito sinceramente no mérito literário de GRR Martin e acho que ele vai sim passar pelo teste da História e ser lembrado e estudado como um grande autor.
GRR Martin e Tolkien são diferentes e ambos são grandes autores. Não vejo motivo para comparar os dois. Tolkien tem um contexto histórico e uma importância histórica e um objetivo na sua escrita que são totalmente diversos de GRR Martin. Tolkien é um escritor do século XX, das duas grandes guerras, de uma era de mocinhos e bandidos mais delineados, de altivez, de um passado idealizado, de estudos filológicos - mais uma vez, voltados ao passado - e de uma criação de um legendarium como possivelmente nunca se viu nem antes nem depois. É nobre, altivo, otimista quanto à morte, otimista quanto à nobreza dos homens, cristão, tradicionalista, e deveras utópico. Acho que dá para afirmar que o "objetivo" de Tolkien é revisitar algo de "faeries" das mitologias europeias, e trabalhar a evolução deste mundo idealizado de forma sem dúvida com muitos méritos, tendo em vista o quanto Tolkien conseguiu revolucionar o worldbuilding da literatura possivelmente para sempre.
GRR Martin, por sua vez, é de outro contexto histórico, tem outra importância histórica (da qual por enquanto só vimos uma pequena parte, já que estamos ainda no meio da sua trajetória) e ele tem um objetivo totalmente diferente do de Tolkien com suas histórias. GRR Martin é fruto do final do século XX e início do século XXI, uma era de desilusões, existencialismo, niilismo, questionamento sobre a virtude humana e sobre a existência de Deus, futurista, ambíguo, pragmático. Ele não está interessado em criar um passado utópico para o país dele. Ele não está interessado em ter um mundinho escapista para poder visitar mentalmente e fugir das dificuldades do mundo real. Ele não escreve sobre um passado idealizado e nobre e altivo em que as pessoas são virtuosas, com o bem e o mal bem delimitados. É bem verdade que ele não revolucionou o worldbuiding - até porque Tolkien já havia feito isso - mas ele trouxe outras coisas muito importantes. A principal delas é a escrita por empatia. Outra contribuição de GRR Martin que eu acho que vai ficar marcada na história é o nível impressionante de profundidade que ele conseguiu alcançar com narradores não confiáveis. O nível de informação que se capta na releitura de ASOIAF é simplesmente de explodir a cabeça. E, claro, sendo pragmático e realista - além de altamente niilista e descrente em tudo - ASOIAF pensa na velha questão que o GRR Martin sempre fala - Tolkien não estava interessado, sei lá, na política fiscal de Aragorn. Aragorn é um herói, um homem virtuoso e perfeito, então o que quer que ele tenha decidido sobre os impostos do reino deve ser a melhor decisão. Para GRR Martin a coisa não funciona assim, e eu adoro isso.
Outra coisa que é uma virtude de GRR Martin é a sua capacidade fantástica de retratar violência e machismo sem endossar essa narrativa.
Enfim, esse post já está ficando longo, mas aí está o grosso dos meus argumentos.
Entre Tolkien e GRR Martin, eu escolho ambos.