Mas ele não reclamou do fato de tratar-se de uma polarização enviesada em um eixo só (ele aceita-a como algo útil para descrever ideologias políticas), a reclamação dele é que nos polos estão colocados grupos com diferenças pouco essenciais. O problema é como a polarização foi feita e não o fato de ser polarização...
Comentaristas dessa linha costumam mesmo apontar que haja poucas diferenças essenciais entre as posições políticas do socialismo - em especial, do marxismo, que é a mais relevante de suas vertentes - e das doutrinas fascistas. Essa posição parece ter algum respaldo nos fatos históricos, visto que, na aplicação, ambos tenderam para a tirania ilimitada, para a destruição da política.
Mas, em se falando de preceitos teóricos, eu não consigo ver isso como verdade de forma alguma. O nazifacismo nega de forma aberta a individualidade, e tende a pregar o conceito de estado como superorganismo potente, com suas diversas partes (classes), que deve competir, com todas as suas forças, para ser mais forte que os outros da mesma natureza. Há um enorme apelo à coletividade nacional, do caso do fascismo, e à coletividade racial, no caso do nazismo.
O socialismo é um dos
spin-offs do pensamento iluminista. Sua ideia não é negar o indivíduo, opondo-se assim diametralmente ao liberalismo. O que os socialistas argumentam é que, devido à natureza intrinsecamente social do ser humano, da qual ela depende para sobreviver, não é possível isolar
todos os recursos de acordo com a propriedade individual ou de pequenos grupos. Nesse contexto, seria necessário que os indivíduos pensassem, toda vez que fosse o caso, no bem comum. Mas os indivíduos tem que
pensar, e isso é importante. O próprio Marx falou extensamente do conceito de alienação, da qual o proletário, limitado a ser a parte de carne o osso da maquinaria, perdia sua visão do todo.
"Haran Alkarin disse:
A dificuldade que vejo nisso é definir e trabalhar com essa entidade etérea, o "povo", e definir objetivamente quando um Estado está sob "o povo" - ou pior (e mais perigoso), quem age "contra o povo". Eu prefiro trabalhar com a ideia de indivíduos (ou, quando muito, famílias) e de direitos individuais, que é algo mais bem delimitado na realidade e mais facilmente definível.
Bom, acho que "povo" nessa frase pode ter duas acepções. E, a bem da verdade, pode ser lida nas duas acepções. A primeira, mais restrita, é "povo" como conjunto dos indivíduos, como somatório das pessoas de uma sociedade qualquer. Na segunda, esse somatório adquiriria características que lhe são próprias, holísticas, "o todo é mais que a soma das partes". Então não sei, mesmo sob um ponto de vista individualista-liberal, se a terminologia poderia dar origem a tanta confusão.
Quanto à minha opinião, sim, estudar a coletividade enquanto tal e tentar otimizá-la, com o melhor resultado para cada um de seus integrantes, é uma tarefa difícil, árdua, talvez impossível. Por outro lado, ela simplesmente
é. Não consigo ver como deixar os indivíduos com a máxima liberdade econômica, por exemplo.
Para tomar como exemplo, as leis do mercado podem até ser a forma que resulta em maior crescimento médio ao longo de um século. Mas isso não é
tudo na vida do ser humano. Mesmo forçando e considerando que o mercado seja um mecanismo extremamente eficiente, ou o mais eficiente que possa existir, há de se considerar que ele faz às vezes ajustes muito agressivos. Empresas vão à bancarrota, ocorrem turbulências no mercado e por aí vai. Mesmo às expensas do crescimento de longo prazo, penso que certo contrapeso a esses mecanismos deve existir.
Acho que essa é uma definição meio complicada de observar na prática. Todo governo é uma forma de autoritarismo, já que qualquer lei exige algum tipo de perda individual. Deve ser por isso que você dificilmente vai encontrar um verdadeiro chefe de Estado nos quadrantes inferiores. Realmente o tamanho do Estado na faz surgir um poder tirânico, bastando que existam mecanismos que limitem a autonomia desse Estado. Se fosse verdadeira essa correlação entre tirania e tamanho do Estado,
então os países do norte da Europa seriam todos tirânicos, o que parece meio longe da verdade.
O que possivelmente faz surgir um poder tirânico, acho eu, é quando os indivíduos começam a acreditar que a boa intenção dos líderes é o suficiente para a realização dos seus grandes projetos. Uma vez acreditando nisso, os indivíduos aceitam melhor que gradualmente suas liberdades individuais sejam tomadas em nome do "bem maior da Nação". Só que as pessoas não podem esquecer que os grandes líderes também são indivíduos, não são entidades moralmente evoluídas ou mestres do altruísmo. É por isso, por exemplo, que achei absurda a tal
decisão sobre os médicos.
Mas o que depreende disso é justamente a estruturação do poder de cima para baixo. Na hora que há uma sacralização do chefe de governo, este passa a ditar suas ações de cima para baixo, pois todos crêem que ele têm alguma espécie de "plano maior" para que tudo dê certo no final, mesmo no caso de projetos a princípio impopulares. Deixa de haver a construção de consensos entre grupos de pessoas cada vez maiores, e a opinião de um só indivíduo começa a reinar. Mas não sei se o culto à personalidade é a única maneira de isso acontecer. Aqui no Brasil, isso acontece mais por resignação que por qualquer outra coisa, por achar que o governo, "aquele bando de safados", não tem cura.
Quanto ao autoritarismo intrínseco do Estado, é verdade. Hobbes, Weber e pasme, Ibn Khaldun, lá no século XIV, dentre outros, bateram nessa tecla. Segundo a definição do Weber, "o Estado é uma instituição que detém o monopólio do uso
legítimo da violência". O que ocorre é que até a monarquia absoluta havia uma "cara" para este Estado, um indivíduo naturalmente superior aos outros que concentra de forma vitalícia esses poderes. Agora não, o conceito foi "abstratizado", pois o mesmo porrete legítimo virou expressão do consenso da sociedade, e isso gera sim uma série de problemas e contradições. De toda forma, nós vivemos nela e não há como fugir disso.