Mutantes em evolução
Com X-Men 2, o diretor Bryan Singer aprimora sua combinação de bom drama e visual arrojado
O super-herói Wolverine e, à direita, Tempestade (Halle Berry) e Noturno (Cumming): ótimos personagens e roteiro melhor ainda
Entre o Batman de 1989 e o primeiro X-Men, de 2000, o cinema e os quadrinhos viveram um desses casamentos infelizes, em que os cônjuges não entendem um ao outro e muito menos por que continuam juntos. A adaptação do diretor Bryan Singer para o quadrinho campeão da editora Marvel, contudo, pôs o relacionamento nos trilhos – e deixou uma prole vigorosa. Sem o sucesso financeiro e as críticas positivas de X-Men, não haveria Homem-Aranha (807 milhões de dólares de bilheteria mundial), Demolidor (outros 158 milhões) nem Hulk (que, com lançamento previsto para junho, deve recolher algumas centenas de milhões mais). Singer conseguiu não só reabilitar um gênero marginal, mas também torná-lo uma vitrine de luxo, em que diretores respeitados mostram como combinar dois fundamentos quase sempre excludentes no cinema americano: arrojo visual e drama íntimo, calcado em personagens e roteiros sólidos. Foi o que Sam Raimi fez em Homem-Aranha, é o que se espera de Ang Lee em Hulk e é a prova de que Singer se desincumbe novamente, e com louvor, em X-Men 2 (X2: X-Men United, Estados Unidos, 2003), que estréia nesta quinta-feira no país.
No primeiro filme, o foco de Singer recaía sobre a relação de amor e ódio que os mutantes – é esse o significado da sigla X-Man – nutriam para com seus poderes especiais. Hostilizados e isolados por causa deles, os mutantes se dividiam em dois pólos. Enquanto os seguidores do professor Xavier (Patrick Stewart) tentavam domar esses poderes e assim preparar o terreno para uma convivência pacífica com os mortais comuns, o adversário Magneto (Ian McKellen) pregava a seus asseclas a aniquilação dos não-mutantes. Em X-Men 2, esses extremos serão obrigados a se unir em torno de uma causa comum. William Stryker (Brian Cox), um consultor militar da Casa Branca, está secretamente arquitetando uma conspiração para aguçar o temor do público em relação aos mutantes, de tal maneira que este acabe por exigir a erradicação da nova espécie. É uma guerra de contornos darwinistas: se desde seu surgimento sobre o planeta o gênero Homo não se notabilizou pela capacidade de compartilhar território, não haveria por que as coisas serem diferentes desta vez, argumenta Singer.
X-Men 2 mantém a maioria dos super-heróis do primeiro filme – a começar por Wolverine, interpretado com competência por Hugh Jackman – e acrescenta outros ao seu rol, como o tocante Noturno (Alan Cumming), que exibia sua pele azul e vincada por estranhas marcas num circo de Munique e é um cristão devoto. Mais do que os personagens ou os efeitos especiais turbinados por um orçamento de 120 milhões de dólares (contra 75 milhões para o primeiro filme), o atrativo de X-Men 2 é o roteiro. É a tática sensata do diretor para defender a integridade da franquia. E é também a prova de que Singer faz parte de uma espécie que, se não é nova, foi sempre muito rara: a dos cineastas capazes de funcionar como autores dentro do esquema massacrante dos grandes estúdios.
De temperamento explosivo (ou, segundo alguns, irascível mesmo), Singer, de 37 anos, comandou 2.000 pessoas, entre elenco e equipe, para a realização de X-Men 2, com demonstrações de autoridade que iam dos berros cotidianos à quebra de móveis. Um de seus roteiristas, Michael Dougherty, disse à revista Newsweek que pode ser curioso ler a respeito, mas estar lá é um assunto completamente diferente – mais ou menos como ler sobre Hiroshima ou se ver no centro de uma explosão atômica. Singer chegou a demitir (e depois readmitir) seu próprio produtor executivo e amigo de longa data, Tom DeSanto, durante as filmagens, irado porque este repreendera um membro da equipe. Desde Os Suspeitos, o filme que lançou a carreira de Singer, seus sets têm sido assim tumultuados. E desde então todos os técnicos e atores que são convidados a trabalhar novamente com o diretor aceitam a oferta de bom grado. Como seus personagens, Singer tem alguma dificuldade em controlar seus poderes especiais. Mas, sem eles, pertenceria a uma espécie bem mais ordinária e menos interessante – a dos diretores que só dizem amém.